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    Bolívia quer usar reserva de lítio para produzir baterias de alta tecnologia

    FABIANO MAISONNAVE
    ENVIADO ESPECIAL AO SALAR DE UYUNI E A LA PAZ (BOLÍVIA)

    02/08/2015 02h00

    Rio Grande é um punhado de casas de tijolo aparente e ruas de terra à beira do Salar de Uyuni, a maior planície de sal do mundo. Aqui, a Bolívia quer criar a base de uma indústria de ponta em torno do lítio, material em crescente demanda, porque é a partir dele que são feitas as baterias da maioria dos gadgets e dos novos carros elétricos.

    A maior reserva desse mineral se concentra logo abaixo da crosta branca de Uyuni. Quase nada foi tocado: apesar de a jazida ter atraído o interesse de empresas de várias partes do mundo, o presidente Evo Morales decidiu desenvolver toda a cadeia com tecnologia própria.

    Atrasos no projeto não têm impedido o governo boliviano de prometer disputar um mercado hoje dominado por gigantes como Panasonic, Samsung, LG e Tesla.

    Primeiro presidente indígena eleito da Bolívia, Morales quer evitar ciclos de exportação de matéria-prima que não deixaram quase nenhum legado ao país mais pobre da América do Sul.

    O maior exemplo, a montanha de prata Cerro Rico, esvaziada pelos espanhóis na época colonial, está também no departamento de Potosí.

    "Desejo um carro Toyota movido a lítio, mas feito na Bolívia", disse Morales, em 2011, a uma frustrada comitiva de empresários do Japão.

    Salar de Uyuni

    O projeto, iniciado em 2008, tem duas pontas. Em Rio Grande, está a fábrica-piloto de carbonato de lítio, visitada pela Folha. Sob custódia do Exército, imensas piscinas de lona expõem a salmoura que contém o mineral, que é extraído na evaporação.

    Para aproveitar a produção, Morales inaugurou no ano passado uma fábrica experimental de baterias, com equipamentos chineses. A reportagem não foi autorizada a entrar, sob justificativa de segredo industrial.

    No local, o governo afirma produzir baterias de celular e bicicleta elétrica. Num primeiro momento, atenderia apenas o mercado interno, vendendo baterias capazes de armazenar energia solar e para capacetes de mineiros.

    Principais usos do lítio

    Editoria de Arte/Folhapress
    Lítio está na base das baterias de carros elétricos -
    Lítio está na base das baterias de carros elétricos -

    Deveria ter começado no ano passado, mas está adiado indefinidamente.

    Nos primeiros anos, o governo investiu US$ 141 milhões no projeto. Em maio, anunciou mais US$ 623 milhões, para dar escala industrial à produção –será o maior investimento do Estado em projeto de mineração.

    CRÍTICAS

    A demora tem gerado descontentamento na região, uma das mais pobres da Bolívia. Desde o início de julho, uma greve geral exige resultados concretos do lítio.

    Segundo analistas, o projeto está cercado de incertezas, principalmente em torno da capacidade da Bolívia para desenvolver tecnologia.

    Desenvolver o Salar de Uyuni agora "é muito improvável", afirma Juan Carlos Guzmán, coordenador de um amplo estudo sobre o lítio, intitulado "Um Presente Sem Futuro". "A Bolívia tem um atraso tecnológico bastante óbvio, talvez de 50 anos, somos um país muito pobre. Em algum momento, será preciso reavaliar", completou, em entrevista em La Paz.

    Tido como um dos principais especialistas em lítio da Bolívia, o consultor Juan Carlos Zuleta afirma que o boom mundial do minério já começou, mas que o país ficou para trás em relação a outras nações, principalmente o vizinho Chile, dono da segunda maior reserva e responsável por cerca de um terço da produção mundial.

    Para ele, o grande ator do mercado é a Tesla Motors, que está revolucionando o mercado de carros elétricos com uma bateria de lítio de autonomia superior a 400 km. A empresa deve vender 55 mil unidades até o final deste ano somente nos EUA.

    Reservas de Lítio

    Zuleta lembra que a Tesla está investindo US$ 5 bilhões em uma megafábrica de baterias nos EUA e que outras empresas, como a sul-coreana LG, têm planos semelhantes. De acordo com o analista, sem correção de rumo, a Bolívia perderá esse ciclo.

    Desde maio, a Folha solicitou várias vezes uma entrevista com o coordenador do projeto estatal de lítio, Luís Alberto Echazú, mas sem sucesso. Sua assessoria disse que não havia tempo para uma conversa pessoal e não enviou respostas às perguntas enviadas por e-mail.

    Principais produtores de lítio

    AMBIENTE

    Uma das principais atrações turísticas da América do Sul, o Salar de Uyuni por enquanto sofre pouco impacto com a mineração do lítio. As piscinas de extração ocupam apenas 0,06% da planície, formada há dezenas de milhares de anos com a seca do lago. Segundo o governo, quando concluído, o projeto ocupará um total de 0,2%.

    Uma incógnita maior são os resíduos. De acordo com o estudo coordenado por Guzmán, o governo ainda não tem um projeto para lidar com 4.000 toneladas/dia de dejetos, caso a fábrica de carbonato de lítio alcance a meta declarada de produção.

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