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    Adiar o crédito da Nota Fiscal Paulista não foi pedalada, afirma secretário

    CLAUDIA ROLLI
    DE SÃO PAULO

    04/08/2015 02h00

    Avener Prado/Folhapress
    Renato Villela, secretário da Fazenda de São Paulo, no seu gabinete no Centro de São Paulo.
    Renato Villela, secretário da Fazenda de São Paulo, no seu gabinete no Centro de São Paulo.

    À frente da Secretaria da Fazenda paulista há seis meses, o economista carioca Renato Vilela, disse que medidas implementadas no primeiro semestre, quando houve queda real (descontada a inflação) de 4,1% na arrecadação de ICMS, vão ajudar a segurar o caixa do Estado no segundo semestre.

    Entre elas estão o atraso de seis meses no repasse de créditos da Nota Fiscal Paulista, a redução de 30% para 20% do ICMS destinado a ser rateado entre os consumidores e a captação de R$ 740 milhões feita em julho pela Companhia Paulista de Securitização (Cpsec).

    "Há muito tempo, a arrecadação vinha batendo recorde em cima de recorde. Quando o nível de atividade da economia cai, a nossa principal receita, o ICMS, que é ligado diretamente a esse nível, cai e aí é inapelável."

    Vilela negou que o governo de São Paulo tenha feito uma "pedalada fiscal" ao adiar os desembolsos da Nota Fiscal Paulista para 2016 em referência ao termo usado para explicar a manobra feita pelo governo Dilma, e reprovada pelo TCU, de atrasar o repasses para pagar benefícios sociais.

    "Pedalada é postergar uma despesa obrigatória, e a nota fiscal paulista não é. Adiar o pagamento não foi pedalada."

    O secretário disse que a economia, com o adiamento do pagamento dos créditos da nota fiscal, será de R$ 400 milhões e que o Estado vai respeitar a distribuição desses recursos para áreas que tem seus repasses vinculados à arrecadação do ICMS como saúde, educação e prefeituras municipais.

    Já os R$ 740 milhões captados com a emissão de debêntures com garantia de recebimento dos contratos feitos no programa de parcelamento de débito do ICMS serão destinados para ajudar a manter investimentos do Estado.

    Os recursos ajudam a conter a queda de 22,7% nos investimentos feitos no primeiro quadrimestre do ano ante igual período de 2014.

    A seguir, trechos da entrevista em que o secretário fala da reforma do ICMS, da guerra fiscal e da máfia dos fiscais.

    *

    CRISE X ARRECADAÇÃO

    A crise econômica se aprofundou de forma significativa no último trimestre. Na entrada do ano, o governador determinou medidas visando o ajuste do Orçamento em relação a novas provisões de receita.

    Houve contingenciamento de quase R$ 7 bilhões, logo no dia 2 de janeiro, que era o valor que se prevê que vá ser a frustração de receita neste ano. E determinou medidas adicionais como corte geral de 10% nos gastos de custeio da máquina pública e redução de 15% dos cargos comissionados.

    À medida que vamos avançando e que não se vê ainda no horizonte uma possibilidade de recuperação de receita, algumas medidas adicionais podem vir a ser tomadas.

    No primeiro semestre, a queda real foi de 4,1%, deflacionado pelo IPCA. Há muito tempo, a arrecadação vinha batendo recorde em cima de recorde em SP graças a uma política fiscal, ao contrário do governo federal.

    O problema é, quando o nível de atividade cai, a nossa principal receita, o ICMS, que é ligado diretamente ao nível de atividade, cai e aí é inapelável.

    MEDIDAS ADICIONAIS

    Alem das medidas determinadas pelo governador no início do ano, acabamos de captar R$ 740 milhões com debêntures emitidos pela Cpsec (Companhia Paulista de Securitização). São recebíveis ligados ao programa de parcelamento de ICMS. Foram captados também R$ 400 milhões com ajuste na Nota Fiscal Paulista.

    E outras medidas devem ser tomadas na medida em que crise vai se desenrolando. Todas as previsões de mercado são muito pessimistas. Mas as metas do Estado ainda estão mantidas, a meta de superavit primário é de R$ 1,5 bilhão, como está na LDO.

    O aumento na tarifa de energia em março também ajudou [a conter] a redução na queda da receita, foi algo em torno de RS 300 milhões, mas o impacto é pontual, não há reajuste todo mês.

    IMPACTO NAS OBRAS

    O grande problema é que, concomitantemente à perda de receita, tivemos uma retração de todas as operações de crédito que já estavam contratadas. Para minimizar o impacto sobre deficit, ou superavit primário (de 0,15%) –ninguém sabe o que vai ser ainda–, o governo federal não está liberando operações de crédito acertadas com o Tesouro Nacional. Com o ajuste fiscal, isso faz sentido, mas tem impacto ruim no Estado. São Paulo está bancando, na medida do possível, esses recursos que não vêm (do governo federal) com recursos próprios do Tesouro do Estado.

    São operações da ordem de R$ 1 bilhão a R$ 1,5 bilhão. Mas é evidente que não estamos substituindo (os repasses federais) integralmente porque a gente tem uma série de outras compromissos a cumprir. Quando esse recurso financeiro é liberado, cada secretaria decide se vai pagar uma obra, ou se vai pagar um serviço. O impacto depende do cronograma e plano de investimento de cada secretaria.

    AJUSTE FISCAL X CONGRESSO

    É difícil falar em acertos e erros se você não deixou a pessoa [ministro da Fazenda, Joaquim Levy] fazer o que tinha de fazer. A equipe econômica está fazendo o possível dentro de um quadro institucional e político inédito no país.

    A questão é que, como em qualquer país democrático, você depende do Congresso para implementar as medidas. E por algum motivo, que me escapa a capacidade de análise, o Congresso não está agindo, respondendo com a velocidade e com as medidas necessárias. O Congresso está com um agenda completamente ortogonal, digamos assim, diferente do que o país precisa.

    Em todos os momentos graves pelos quais o país passou, nos últimos 20, 30 anos e que foram necessárias medidas mais duras, o Congresso respondeu. Essa é a primeira vez que estou presenciando um desalinhamento completo entre Congresso e a necessidade da política econômica.

    FALTA DE VISÃO FEDERATIVA

    O primeiro semestre passou sem que houvesse definição clara de quanto os Estados vão receber de recursos da União, quanto vão poder fazer de operação de crédito e isso aumenta a incerteza em relação a programas estaduais de investimento.

    Se não há certeza do que se vai conseguir financiar, você começa a desacelerar. E, se começa a desacelerar, você acelera a crise, aumentando o impacto negativo sobre o PIB e sobre o emprego. A falta de clareza e de estratégia do governo federal é prejudicial ao planejamento financeiro dos Estados e municípios. Falta um entendimento federativo com regras mais claras.

    Se um Estado ou município souberem que vão ter 50% a menos, eles não se comprometem em fazer ou gerar expectativa equivocada. Com um diálogo mais constante, a aproximação teria diminuído a incerteza, permitido que todos se planejassem com margem de erro um pouco menor na crise.

    Avener Prado/Folhapress
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    APERTO NA FISCALIZAÇÃO

    A fiscalização está na rua, mas, no momento em que as empresas precisam de um certo ar para respirar, estão em dificuldade com capital de giro, taxa de juros alta é o momento em que a gente tem de correr atrás do imposto. Temos obrigações. Mas o que se nota é que, se um setor teve uma redução de imposto, a fiscalização vai lá achando que é um esquema sonegação e descobre que não, é a atividade que despencou.

    Até maio, junho, havia dois setores no azul de um total de 20: o de alimentação e de energia elétrica por causa do reajuste da tarifa. O automobilístico estava no final da fila com frustração de receita de mais de 20% real.

    NOTA FISCAL PAULISTA

    Houve mudança de 30% para 20% no repasse de ICMS para créditos e adiou-se prazo de pagamento de outubro para 2016. É uma realocação de gasto temporária.

    O adiamento foi deslocado e pode ser revertido ou não, vai depender da situação. Fala-se que houve pedalada fiscal, mas não é. Pedalada é postergar uma despesa obrigatória, e a Nota Fiscal Paulista não é. Foi uma decisão de gestão financeira, e com isso estamos poupando R$ 400 milhões.

    Vamos respeitar as vinculações constitucionais, como saúde, educação, universidades e usar essa verba em áreas prioritárias que estão necessitando desse recurso.

    Podia se elevar a carga tributária, mas não optamos por esse caminho. As secretarias fizeram movimentos parecidos com seus próprios orçamentos. Não houve impacto no número de adesões nem achamos que a redução de 30% para 20% vai desestimular o consumidor. O número de adesões de julho [74 mil até 27 de julho ante 79 mil mês junho] é a prova cabal que o impacto foi pequeno.

    REFORMA DO ICMS

    A medida provisória criou dois fundos para evitar perdas, mas a fonte de sustentação, que seria garantida pela repatriação de recursos, ainda é incerta. O que Estados querem é que uma segurança maior no desembolso que houvesse uma vinculação garantida por emenda constitucional.

    O governo federal até tentou criar recursos específicos, mas o único possível foi o da repatriação, ainda muito incerto. Isso porque estamos falando de recursos de várias origens, algumas lícitas e outras não tão lícitas assim.

    É difícil fazer uma estimativa do quanto será repatriado, o que se pode eventualmente é estimar o volume de recursos que está lá "na nuvem", digamos assim. Quanto vai voltar ao Brasi? Ninguém sabe, vai depender de vários fatores, de tributação, de questões jurídicas e até do ativismo do Ministério Público.

    MUDANÇA GRADUAL
    Uma coisa que é importante para que a reforma do ICMS dê certo é que tem de haver período de transição para a convergência de alíquotas de ICMS em 4%. Nenhum Estado principalmente os que perdem muito defendem a mudança sem ser de forma gradual.

    No primeiro ano, São Paulo perde muito, mais de R$ 2 bilhões. E o que foi dito, até agora, é que o fundo de compensação teria R$ 1 bilhão disponível. Mas São Paulo tem maturidade para entender a necessidade de ir em frente com esse projeto (de reforma do ICMS) mesmo que tenhamos custo.

    Não sei se outros Estados, mais pobres, se seria justo exigir que arcassem com a perda. O Amazonas, por exemplo, perde quase o mesmo que são Paulo.

    Está no Senado o projeto que faz a redução das alíquotas, em 2017, o que não é ruim. Daria fôlego e tempo para garantir recursos para os fundos de compensação e de desenvolvimento regional.

    Vários governadores se manifestaram favoravelmente ao projeto, inclusive São Paulo. Agora é preciso que haja um acordo unânime no Confaz para a unificação das alíquotas e convalidação (dos convênio), para que não volte a guerra fiscal.

    O Senado quase votou antes do recesso [a reforma do ICMS], depende um pouco dos acertos no Confaz. Mas, à medida que o tempo passa, o quase consenso que existe hoje pode mudar. Esse era o momento ideal de votar e o Senado quase o fez.

    FIM DA GUERRA FISCAL

    O fim da guerra fiscal pode dar mais segurança aos empresários para voltarem a investir no Brasil. Assim, saberão que dificilmente a decisão tomada agora (de investir em uma região) não será completamente invertida ou afetada por conta de um benefício que um Estado pode dar ao seu concorrente. A guerra fiscal existe no mundo todo, não é uma jabuticaba.

    O que faz ser mais danosa no Brasil é que, ao contrário doutros países, você num faz bondade só com seu dinheiro, você impõe custos aos Estados vizinhos. Isso você só conseguiria resolver se o ICMS fosse puramente cobrado no destino.

    Existe um conjunto grande de técnicos que argumenta que, se não houver uma alíquota própria (de cada Estado), por que vou fiscalizar uma receita que não vou receber nada?

    SP FORA DO FUNDO REGIONAL

    O fundo de desenvolvimento regional é voltado para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Mas essas coisas não são assim a ferro e fogo. Minas Gerais, que está no Sudeste, passou a ter direito ao fundo por causa do Vale do Jequitinhonha, daquela região que é parte da Sudene.

    Já o DF, que está no Centro-Oeste, saiu por ter a maior renda per capita do país. São Paulo tem o Vale do Ribeira, com IDHs nordestinos; assim como o RJ tem o norte e o noroeste fluminense.

    Cada Estado tem sua área que, em tese, precisaria de um fundo de desenvolvimento. Mas entendemos que, se é para resolver o problema da guerra fiscal, o ideal é que a gente mantenha a maior adesão possível naqueles acordos e consensos que a gente conseguiu chegar nos últimos dois anos.

    MÁFIA DOS FISCAIS

    A noção de máfia dá a entender que é uma grande organização, um problema sistêmico, e não é isso. Na Operação Zinabre, do MP, foi uma questão pontual, em relação a um grupo de empresas que atuam no setor de cobre. Foram localizados sete fiscais, dos quais cinco foram presos.

    A secretaria soube do depoimento do [doleiro Alberto] Youssef, e a Corregedoria foi o primeiro órgão do Estado a tomar conhecimento desse depoimento.

    O que a gente precisa agora é, a partir das investigações, que nos sejam devolvidos elementos para que eu possa fazer o procedimento administrativo que culminará com o afastamento dos fiscais. O processo legal é bastante rigoroso e lento, até por ser rigoroso.

    Mas não dá para passar a mão na cabeça deste tipo de ação. Se os indícios [de corrupção] são confirmados iniciamos um processo que terminará com a demissão e eventualmente cassação da aposentadoria do servidor, dependendo da gravidade do crime.

    AFASTAMENTO DOS FISCAIS

    É preciso cobrir todos os passos do processo, senão o fiscal entra na Justiça e volta, que é o pior que poderia acontecer. É até difícil explicar para quem não entende muito o setor público. Mas é preciso ir devagar para poder chegar ao final. Caso contrário, ele entra com liminar e volta (ao serviço público).

    Existem duas coisas que são muito difíceis de se acabar no Brasil: o papel (a burocracia) e demitir funcionário público.

    As regras são as mesmas em todo o país, e em São Paulo não é diferente. É uma máquina grande, e os casos (de corrupção) são relativamente poucos. O que acontece é que a gente paga um pouco pela complexidade do sistema tributário. Ele deixa muita margem para esse tipo de arbitragem, inclusive criminosa.

    APERTO NOS CONTROLES

    Criamos um grupo para estudar se existe a possibilidade de fazer com que esse processo [de afastamento dos fiscais] seja mais ágil. E, a partir das lições aprendidas aqui, com a operação, tentar criar mecanismos para captar ações que possam estar ligadas à corrupção. Vamos criar mais controles em relação à capacidade financeira do servidor, patrimônio, e à forma com que atuam. Na sua maioria são pessoas corretas e reagem quando sabem que colegas fazem esse tipo de coisa. Mas, se existe, tem de haver uma faxina total. Não dá para enfiar a cabeça embaixo da terra e fingir que é avestruz.

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    • RAIO -X RENATO VILELA, 59

    Formação: graduado em economia pela PUC-RJ e mestre pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos

    Carreira: foi secretário da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro de 2010 a 2014 e subsecretário de Finanças na capital fluminense; foi secretário-adjunto do Tesouro Nacional; foi vice-diretor de Estudos Macroeconômicos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada); foi membro do Conselho Diretor da Vale e conselheiro técnico de Assuntos Fiscais do FMI

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