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    'Compre experiência, não coisa' muda mentalidade de consumidores nos EUA

    HIROKO TABUCHI
    DO "NEW YORK TIMES"

    14/08/2015 17h03

    Os americanos estão gastando mais dinheiro fazendo coisas do que comprando coisas, e quem sai perdendo são as lojas de departamento.

    Uma recuperação nos gastos gerais dos consumidores, que mostraram alta de 0,6% em julho ante o mês anerior, não beneficiou as lojas de departamento, cujas vendas caíram em 0,8%.

    As lojas de departamentos são uma das duas categorias acompanhadas pelo Departamento do Comércio americano nas quais os gastos dos consumidores diminuíram, o mais recente indicador em um período de desempenho oscilante para o setor neste ano. Os gastos nas lojas de eletrônicos e eletrodomésticos também caíram, em 1,2% em julho.

    Dados divulgados pelo Departamento do Comércio mostram que os consumidores dos EUA estão dedicando o dinheiro extra que têm para gastar a cada mês a refeições em restaurantes, melhorias em seus carros e casas, ou a gastos com equipamento esportivo, saúde e beleza. Os gastos em bares e restaurantes subiram em mais de 9% de janeiro a julho, ante o mesmo período no ano passado, e os gastos com automóveis subiram mais de 7%.

    Os analistas afirmam que uma mudança maior está em curso na mentalidade do consumidor americano, estimulada pela popularidade de um crescente conjunto de estudos científicos que parecem demonstrar que experiências —e não objetos— propiciam mais felicidade. A internet está repleta de reportagens do tipo "compre experiências, não coisas", e isso pode causar pesadelos aos executivos de varejo.

    A geração milênio —os consumidores na casa dos 20 aos 30 e poucos anos cobiçados pelas empresas— prefere gastar seu dinheiro em férias fora da cidade, refeições com amigos, mensalidades de academias de ginástica e, claro, em seus smartphones, sugerem muitas pesquisas.

    Mesmo as liquidações de volta às aulas estão fracassando em estimular um frenesi de consumo no final do verão americano, ainda que muitos consumidores tenham decidido postergar suas compras neste ano depois que diversos Estados mudaram de julho para agosto a data de seus "feriados de impostos" —períodos de três dias nos quais o consumo é isento de impostos locais.

    "A experiência passou a ser mais e mais importante, seja ir a um festival, compartilhar um percurso de carro ou conhecer uma nova cidade", disse Richard Jaffe, analista de varejo na administradora de investimentos Stifel Nicolaus.

    "A religião do consumo se provou insatisfatória", ele disse. "A mentalidade de estocar muitos produtos e confiar em que serão vendidos, que prevalecia nas lojas de departamentos, já não funciona".

    A mudança de mentalidade dos consumidores, especialmente os mais jovens, está prejudicando grandes cadeias de lojas de departamentos como a Macy''s e a Kohl's, que reportaram resultados trimestrais tépidos esta semana.

    A Macy's reduziu a projeção de crescimento de suas vendas anuais a zero para este ano, depois que as lojas da rede em funcionamento há pelo menos um ano, um indicador comumente usado pelo setor de varejo, mostraram queda de 2,1% em suas vendas. A Kohl's registrou 0,1% de crescimento de vendas em suas lojas abertas há pelo menos um ano, bem abaixo das expectativas dos analistas, e não conseguiu atingir suas metas de vendas e lucro. A cadeia atribuiu parte do declínio à postergação das compras de volta às aulas.

    O quadro em uma cadeia de lojas de departamentos que atende a um público mais sofisticado, a Nordstrom, é muito mais positivo, e sublinha a maneira pela qual a recuperação econômica vem beneficiando as pessoas mais prósperas, enquanto o crescimento de renda vem sendo mais difícil de obter para a classe média. Os lucros da Nordstrom superaram as projeções da loja, e as vendas das unidades em funcionamento há pelo menos um ano subiram em quase 5%, o que causou forte alta nos preços das ações da companhia.

    VAREJO CHIQUE E TURISMO

    Mas mesmo os grupos de varejo mais fino enfrentam algumas dificuldades. Turistas estrangeiros vêm gastando menos dinheiro nos Estados Unidos, dado o efeito adverso do dólar forte sobre o seu poder aquisitivo. A moedaamericana subiu em até 20% diante de outras divisas importantes como o euro e o iene.

    A desvalorização da moeda da China provavelmente reduzirá os gastos dos turistas chineses, que se tornaram grandes consumidores, especialmente nas maiores cidades, como Nova York ou Los Angeles.

    "E quando eles estão aqui, não estão gastando nas nossas categorias", disse Terry Lundgren, presidente-executivo e do conselho da Macy's, na quarta-feira em entrevista à CNBC, falando sobre os turistas chineses.

    "Os consumidores estão gastando", ele disse. "Em automóveis. Na habitação. Na saúde. E em alguns apps que eles baixam".

    É claro que os norte-americanos não deixaram de consumir produtos - longe disso. Mas quando o fazem, optam cada vez mais por comprar online.

    O Prime Day, da Amazon, a despeito de problemas no lançamento e de uma seleção de produtos muito ridicularizada, provavelmente conquistou dinheiro de consumo que seria destinado às lojas físicas, nos últimos meses, disseram analistas. As vendas online subiram em 1,5% em julho.

    Lojas que vendem produtos com descontos, como a T. J. Maxx, Ross Stores e Burlington, também estão atraindo certa proporção dos gastos dos consumidores, o que leva as lojas de departamentos a ter de competir nesse segmento de baixos preços.

    No fim deste ano, a Macy's abrirá as portas de quatro outlets, lojas que oferecerão preços mais baixos, sob a bandeira Macy's Backstage, na cidade de Nova York e em suas cercanias, unindo-se à Nordstrom Rack e à Saks Fifth Avenue Off 5th, duas operações derivativas que vendem produtos com descontos, nesse segmento. A Kohl também revelou seu primeiro outlet, a Off-Aisle Kohl's, em junho.

    É uma estratégia de risco, que pode roubar vendas às unidades convencionais das cadeias de lojas e desvalorizar suas ofertas a preços convencionais, segundo os analistas. Mas a corrida para o segmento das lojas de baixo preço, e o calendário de varejo cada vez mais movimentado, demonstram o quanto se tornou difícil convencer os consumidores dos Estados Unidos a comprar ainda mais coisas.

    "O varejo oferece descontos de tantas maneiras, agora. E se uma empresa o faz, todas precisam acompanhar", disse Chris Christopher Jr., diretor de estudos do consumo norte-americano e mundial na IHS Global Insight. "Isso levou os preços dos bens vendidos no varejo a um território negativo".

    As lojas de departamentos estão contra-atacando com outras estratégias, além dos descontos. A Kohl's vem reforçando suas ofertas de artigos esportivos, e tem planos de abrir novas lojas de mercadorias oficiais das ligas esportivas NFL, NCAA e MLB em algumas de suas unidades. A companhia também está expandindo sua oferta de roupas para ioga, bem como a marca Columbia, de produtos para uso ao ar livre.

    E as lojas mesmas estão se concentrando em transformar as compras em uma experiência do tipo que um consumidor moderno deseja. A Macy's, por exemplo, está introduzindo em suas lojas um sistema de promoções eletrônicas enviadas aos smartphones dos consumidores, e oferece pontos de lealdade por visitas a diferentes partes da loja, o que cria uma experiência de consumo mais parecida com a de um videogame.

    Ainda assim, vender mais produtos se tornará ainda mais difícil com a recuperação da economia, disse Rajiv Lal, professor de varejo na escola de administração de empresas da Universidade Harvard.
    "Com a afluência, as pessoas já têm coisas demais em seus armários", ele disse, apontando que os consumidores não planejam adquirir ainda mais produtos materiais, e sim algo que desperte sua imaginação.

    "E se eles não virem nada que satisfaça suas fantasias nas lojas, sairão em busca de experiências", ele disse. "É uma disputa entre a experiência e o corriqueiro".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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