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    Amazon encoraja funcionários a destruir ideias de colegas

    JODI KANTOR
    DAVID STREITFELD
    DO "NEW YORK TIMES", EM SEATTLE

    17/08/2015 14h06

    Nas manhãs de segunda-feira, novos recrutas formam fila para uma orientação cujo objetivo é integrá-los ao modo singular de trabalho da Amazon.

    Eles são instruídos a esquecer os "maus hábitos" desenvolvidos em empregos anteriores, recorda um funcionário. Quando eles "trombarem no muro", por conta do ritmo implacável de operação da empresa, só existe uma solução: "pular o muro", outros revelaram. Para que sejam os melhores trabalhadores que podem para a Amazon, é preciso que se deixem orientar por princípios de liderança, 14 regras inscritas em práticos cartões laminados. Quando respondem a um questionário sobre as regras aprendidas, dias mais tarde, aqueles que responderem todas as perguntas corretamente recebem um prêmio virtual, que proclama "sou peculiar" —a orgulhosa expressão da empresa para a superação das convenções usuais dos locais de trabalho.

    Na Amazon, os trabalhadores são encorajados a destruir as ideias uns dos outros em reuniões, a trabalhar muito e até tarde (e-mails chegam depois da meia-noite, seguidos por mensagens de texto perguntando por que eles ainda não foram respondidos). E se veem submetidos a padrões que a companhia se vangloria de serem "absurdamente altos". A lista interna de telefones instrui colegas sobre como transmitir informações secretamente aos chefes uns dos outros. Empregados da companhia dizem que esse recurso é frequentemente usado para sabotar colegas. A ferramenta oferece exemplos de mensagens de texto, como: "a inflexibilidade dele me preocupa, assim como suas queixas escancaradas sobre tarefas menores".

    The New York Times
    A Amazon está construindo novos prédios em Seattle (EUA) e, em cerca de três anos, terá espaço suficiente para cerca de 50 mil funcionários
    A Amazon está construindo novos prédios em Seattle (EUA) com espaço para 50 mil funcionários

    Muitos dos novatos que chegam para sua primeira segunda-feira podem não ser encontrados na empresa poucos anos mais tarde. Os vencedores na Amazon aspiram inovações lançadas para os 250 milhões de clientes da empresa, e acumulam pequenas fortunas com as ações da companhia, em constante alta, que recebem como prêmio. Os perdedores deixam a empresa ou são demitidos em rodadas anuais de limpeza de quadros —"darwinismo propositado", como diz uma antiga diretora de recursos humanos da Amazon. Alguns trabalhadores que enfrentaram cânceres, abortos involuntários e outras crises pessoais e dizem ter sido tratados injustamente ou forçados a sair antes que tivessem tempo de se recuperar.

    Enquanto a empresa testa entregas por drones (aeronaves de pilotagem remota) e maneiras de reabastecer o papel higiênico de um banheiro com o simples apertar de um botão, ela está conduzindo uma experiência pouco conhecida sobre até onde pode pressionar seus quadros executivos e redefinindo as fronteiras do que é aceitável. A companhia, fundada e ainda dirigida por Jeff Bezos, rejeita muitas das platitudes de gestão que outras empresas ao menos fingem respeitar e em lugar disso criou o que muitos de seus funcionários definem como uma complicada máquina cuja função é levá-los a realizar as ambições cada vez mais amplas de Bezos.

    "Esta é uma companhia que se esforça por realizar coisas grandes, inovadoras e históricas, e realizá-las não é fácil", diz Susan Harker, importante executiva de recrutamento de pessoal da Amazon. "Quando você está tentando ir muito longe, a natureza do trabalho é realmente desafiadora. Para algumas pessoas, a experiência não dá certo".

    Bo Olson foi uma dessas pessoas. Ele durou menos de dois anos no departamento de marketing de livros e disse que a imagem que perdura, de sua passagem pela companhia, é a de ver pessoas chorando no escritório —cena descrita também por outros funcionários. "Você sai de uma sala de reuniões e vê um homem adulto escondendo o rosto", ele disse. "Vi quase todas as pessoas com quem trabalhei chorando em suas mesas".

    Em parte, graças à sua capacidade de extrair o máximo de seus trabalhadores, a Amazon está mais forte que nunca. Sua sede cada vez mais ampla está transformando a região de Seattle e representa uma aposta de um milhão de metros quadrados de que dezenas de milhares de novos trabalhadores serão capazes de vender tudo, a todos, em toda parte. No mês passado, a Amazon ultrapassou a Walmart como mais valiosa companhia de varejo dos Estados Unidos, com valor de mercado de US$ 250 bilhões, e a revista "Forbes" classificou Bezos como a quinta pessoa mais rica do planeta.

    Dezenas de milhões de norte-americanos conhecem a Amazon como clientes, mas a vida dentro dos escritórios da empresa é em geral um mistério. O sigilo é compulsório: até mesmo funcionários de baixo escalão têm de assinar um extenso acordo de confidencialidade. A companhia autorizou apenas alguns de seus executivos mais importantes a falar aos repórteres para este artigo, e pedidos de entrevista com Bezos e outros de seus principais líderes foram recusados.

    No entanto, mais de 100 atuais e antigos funcionários da Amazon —membros de seu quadro dirigente, executivos de recursos humanos, pessoal de marketing, especialistas em varejo e engenheiros que participaram de projetos que variam do Kindle a serviços de entregas de mantimentos e o recente lançamento de um celular— descreveram de que maneira buscaram reconciliar os aspectos ocasionalmente dolorosos de seu trabalho com aquilo que muitos definem como um empolgante poder de criar.

    Em entrevistas, alguns deles disseram ter prosperado na Amazon exatamente porque a empresa os pressionou a superar o que viam como seus limites. Muitos trabalhadores são motivados pelo estímulo a "pensar grande e saber que mal começamos a descobrir tudo aquilo que pode ser inventado", disse Elisabeth Rommel, executiva de varejo, que foi uma das pessoas autorizadas pela empresa a conceder entrevista.

    Outras pessoas que passaram pela empresa e a deixaram dizem que aquilo que aprenderam em seus breves períodos lá ajudou suas carreiras a decolar. Alguns deles afirmaram ter percebido mais tarde que haviam viciado na forma de trabalhar da Amazon.

    "Muita gente que trabalha lá sente essa tensão: é o melhor lugar para se trabalhar, mas eu o odeio", disse John Rossman, antigo executivo da empresa que publicou um livro intitulado "The Amazon Way".

    A Amazon pode ser singular mas talvez não seja tão peculiar quanto afirma. Ela só respondeu mais rápido a mudanças que o resto do mundo do trabalho está experimentando agora: dados que permitem que o desempenho individual seja mensurado continuamente, relacionamentos transitórios entre empregadores e empregados, e uma concorrência mundial na qual impérios ascendem e desabam do dia para a noite. A Amazon está na vanguarda quando o assunto é o lugar a que a tecnologia desejaria levar o escritório moderno, tornando-o mais ágil e produtivo mas também mais duro e implacável.

    "As organizações estão forçando mais, pressionando suas equipes a fazer mais por menos dinheiro, seja para acompanhar a concorrência, seja para se manterem livres da lâmina do carrasco", disse Clay Parker Jones, consultor que ajuda empresas antiquadas a reagirem mais rápido a mudanças.

    Em uma manhã recente, poucos dos novos contratados da Amazon que estavam à espera do início de sua sessão de orientação pareciam ter noção da experiência em que estarão envolvidos. Apenas um deles, Keith Ketzle, texano sardento, triatleta e titular de um MBA, se animou com a descrição, explicando que ele havia deixado seu antigo emprego em busca de uma companhia mais nova e mais combativa. "O conflito gera inovação", ele disse.

    The New York Times
    Torre de escritórios com 37 andares está sendo construída pela Amazon
    Torre de escritórios com 37 andares está sendo construída pela Amazon

    UMA FILOSOFIA DE TRABALHO

    Jeff Bezos começou cedo a praticar a gestão baseada em dados.

    Em discurso aos formandos da Universidade de Princeton em 2010, contou que queria que a avó parasse de fumar. Não pediu que ela parasse e não apelou aos sentimentos. Limitou-se a fazer as contas, calculando que cada tragada lhe custava alguns minutos de vida. "Você já diminuiu sua vida em nove anos!", ele disse. A avó caiu no choro.

    Bezos tinha 10 anos, então. Décadas mais tarde, ele criou uma gigante da tecnologia e varejo ao confiar em alguns dos mesmos impulsos: a avidez por dizer aos outros como devem se comportar, um instinto de franqueza que beira a agressão e uma confiança inabalável no poder dos dados, confirmada por sua experiência na corretora de títulos D. E. Shaw, no começo dos anos 90. A empresa demoliu as convenções de Wall Street ao usar algoritmos para obter os melhores resultados possíveis com cada transação.

    De acordo com alguns dos primeiros executivos e funcionários da Amazon, Bezos estava determinado, praticamente desde o momento em que criou a empresa, em 1994, a resistir às forças que ele via como destruidoras de um negócio, em longo prazo: burocracia, gastos perdulários, falta de rigor. E enquanto a companhia crescia, ele buscou codificar suas ideias sobre o local de trabalho, algumas delas deliberadamente opostas aos instintos usuais, e produzir instruções simples o bastante para que um novo empregado entendesse, genéricas o bastante para se aplicar ao número quase ilimitado de negócios que ele planejava criar, e rigorosas o bastante para evitar a mediocridade que ele temia.

    Os resultados foram os princípios de liderança, os artigos de fé que descrevem a maneira pela qual o pessoal da Amazon deve agir. Em contraste com empresas nas quais as declarações sobre a filosofia corporativa não passam de platitudes vagas, a Amazon tem regras que são parte de sua linguagem e rituais diários, usadas para contratação, citadas em reuniões e mencionadas em conversas nas filas de almoço dos food trucks. Alguns funcionários da Amazon dizem que as ensinam aos seus filhos.

    As normas conjuram um império de trabalhadores de elite (princípio número cinco: "contrate e desenvolva os melhores"), que devem ter expectativas muito altas uns quanto aos outros e operar livres das forças —burocracia, política de escritório— que os impedem de produzir seu máximo. Os empregados devem exibir "propriedade" (número dois) ou domínio de todos os elementos de seu negócio, e "mergulhar fundo" (número 12), ou seja, encontrar as ideias subjacentes que podem resolver problemas ou identificar novos serviços antes que os consumidores os solicitem.

    O local de trabalho deve estar imbuído de transparência e precisão sobre quem está produzindo e quem não. Dentro da Amazon, os empregados ideais muitas vezes são descritos como "atletas", com resistência, velocidade (número oito: "viés para a ação"), desempenho capaz de ser mensurado e a capacidade de desafiar limites (número sete: "pense grande").

    "Você pode trabalhar muito, trabalhar duro ou trabalhar com inteligência, mas na Amazon não pode escolher só duas dessas três qualidades", escreveu Bezos em uma carta aos acionistas em 1997, quando a companhia vendia apenas livros, e que ainda hoje serve como manifesto. Ele acrescentou que, ao entrevistar possíveis candidatos a emprego, ele os alertava de que "não é fácil trabalhar aqui".

    The New York Times
    Funcionários da Amazon e suas famílias durante um piquenique da companhia. Alguns consideram pedir demissão pela pressão imposta pelos chefes para gastarem menos tempo com suas famílias
    Alguns funcionários se sentem pressionados a passarem menos tempo com suas famílias

    Rossman, o ex-executivo da Amazon, disse que, em 2003, Bezos estava falando em uma reunião e de repente de voltou na direção do complexo que abriga a sede da Microsoft, do outro lado da baía de Seattle, e disse que não queria que a Amazon se tornasse "um clube de campo". Se a Amazon se tornasse parecida com a Microsoft, "isso nos mataria", disse Bezos.

    Embora a sede da Amazon pareça semelhante às de outros gigantes da tecnologia, com escritórios que permitem a presença de cachorros, uma força de trabalho majoritariamente jovem e masculina, e pôsteres otimistas, ela é vista como um lugar à parte. Google e Facebook motivam seu pessoal com academias de ginástica, comida e benefícios, por exemplo, bonificações para os funcionários quando do nascimento de seus filhos —"com o objetivo de tomar conta de você todo", nas palavras do Google.

    A Amazon, porém, nem finge que mimar os funcionários é prioridade. A remuneração é considerada competitiva —os executivos de escalão médio podem receber o equivalente ao seu salário anual em bonificações pagas em ações cujo valor mais que decuplicou desde 2008. Mas os trabalhadores devem acatar a "frugalidade" (número nove), das mesas simples a celulares e despesas de viagens que muitas vezes eles mesmos precisam pagar. (E não há bufê gratuito para o almoço e nem distribuição de salgadinhos.) O foco é o esforço incessante para satisfazer os consumidores, ou "obsessão com o consumidor" (número um), com palavras como "missão" usadas para descrever a entrega rapidíssima de biscoitos ou paus de selfie.

    À medida que a companhia crescia, o apego de Bezos às suas ideias originais ganhava força, e ele as encara em termos quase morais, dizem pessoas que trabalharam em estreito contato com o empreendedor. "Hoje meu principal trabalho é o esforço para manter nossa cultura", disse Bezos no ano passado em uma conferência organizada pela "Business Insider", publicação na qual ele é investidor.

    De todas as suas ideias de gestão, talvez a mais distintiva seja a de que a harmonia pode ser superestimada, no local de trabalho —e pode sufocar as críticas honestas e promover elogios a ideias ruins por motivo de polidez. Os trabalhadores da Amazon são, em lugar disso, instruídos a "discordar e peitar" [número 13] —atacar as ideias dos colegas, com comentários que podem ser francos a ponto de machucar, antes de cerrarem fileiras em torno da decisão tomada.

    "Sempre desejamos chegar à decisão certa", disse Tony Galbato, vice-presidente de recursos humanos da empresa, em uma declaração enviada por e-mail. "Seria certamente muito mais fácil e mais coesivo em termos sociais promover o compromisso e não o debate, mas isso pode conduzir à decisão errada".

    Em seus melhores momentos, dizem alguns funcionários, a Amazon pode parecer ser uma expressão concreta da visão de Bezos, um lugar disposto a aceitar riscos e a testar ideias submetendo-as a toda forma de desgaste. Os funcionários da companhia muitas vezes afirmam que os colegas são os trabalhadores mais antenados e dedicados que já viram, e que levam a sério princípios de liderança como "nunca se acomode" e "nenhuma tarefa é pequena demais para mim". Mesmo funcionários com postos relativamente humildes podem fazer contribuições importantes. O novo projeto de entrega por drones, anunciado em 2013, tem entre seus criadores um engenheiro chamado Daniel Buchmueller, que ocupa um cargo bastante modesto.

    The New York Times
    Dina Vaccari trabalhou em projetos para a corporação de 2008 a 2014. Ela afirma que "era viciada em querer bem ser bem sucedida na empresa"
    "Era viciada em querer ser bem sucedida na empresa", diz Dina Vaccari, que trabalhou na Amazon

    Em agosto do ano passado, Stephenie Landry, executiva de operações, começou a participar de discussões sobre como reduzir os tempos de entrega, e desenvolveu uma ideia para entrega prioritária de produtos a compradores urbanos em prazo de uma hora ou menos. Cento e onze dias depois, ela estava em Brooklyn comandando o lançamento do novo serviço Prime Now.

    "Um cliente conseguiu encontrar uma boneca Elsa que não estava disponível em lugar algum de Nova York, e recebê-la em casa em 23 minutos", disse Landry, que foi autorizada pela empresa a conceder entrevista, ainda soando empolgada, meses depois, pela façanha de entregar bonecas do filme "Frozen" em prazo recorde.

    Isso se torna possível, dizem ela e outros funcionários, quando todos seguem os ditames dos princípios de liderança. "Estamos tentando criar para os clientes aquele momento em que resolvemos uma necessidade realmente prática", disse Landry, "de uma maneira que parece futurista e mágica".

    MOTIVANDO OS "AMABOTS"

    Veteranos da empresa dizem que o gênio da Amazon está na maneira pela qual os motiva a se motivarem. "Se você é um bom funcionário da Amazon, se torna um amabot" [bot da Amazon], disse um funcionário, empregando um termo que significa que a pessoa se tornou parte do sistema.

    Nos armazéns da Amazon, os trabalhadores são monitorados por sofisticados sistemas eletrônicos para garantir que estejam embalando caixas suficientes a cada hora. (A Amazon sofreu críticas em 2011 quando trabalhadores de um armazém da companhia no leste da Pensilvânia se viram forçados a trabalhar a mais de 38 graus de temperatura enquanto ambulância esperavam do lado de fora para remover o pessoal que desmaiasse. Depois de uma investigação liderada por um jornal local, a companhia instalou um sistema de ar condicionado.)

    Mas em seus escritórios, a Amazon usa um conjunto de ferramentas de gestão, dados e psicologia que estimula suas dezenas de milhares de trabalhadores de colarinho branco a fazer mais e mais. "A companhia está aplicando ao seu pessoal um algoritmo de melhora contínua do desempenho", disse Amy Michaels, antiga executiva de marketing do Kindle.

    O processo começa quando a legião de recrutadores da Amazon identifica dezenas de milhares de potenciais contratados a cada ano, e depois os submete a escrutínios adicionais por "elevadores de nível", funcionários de bom desempenho e entrevistadores de tempo parcial cuja missão é garantir que só os melhores sejam contratados. Durante sua aclimatação, os novatos muitas vezes se sentem confusos, lisonjeados e intimidados pela responsabilidade que a companhia lhes atribui, e por a companhia vincular de maneira direta o seu desempenho aos projetos que lhes são designados, quer se trate de vender vinhos ou testar a entrega de pacotes diretamente aos porta-malas dos carros dos compradores.

    The New York Times
    Amy Michael trabalhou no marketing da Amazon entre 2012 e 2014 e afirma que a empresa possui uma rotatividade muito grande de funcionários
    Amy Michael trabalhou no marketing da Amazon e diz ser elevada rotatividade de pessoal na empresa

    Cada aspecto do sistema da Amazon amplifica os demais a fim de motivar e disciplinar o pessoal de marketing, engenharia e finanças da empresa: os princípios de liderança; um feedback rigoroso e contínuo sobre o desempenho; e concorrência entre colegas que temem deixar passar um possível problema ou melhora e correm a responder seus e-mails antes de todo mundo mais.

    Alguns veteranos entrevistados disseram que estavam protegidos contra as pressões, por chefes paternais ou por trabalharem em divisões relativamente lentas. Mas muitos outros disseram que a cultura alimentava sua disposição de desconsiderar a separação entre trabalho e vida, de autocriticar as falhas pessoais (ser "agressivamente autocrítico" está incluído na descrição dos princípios de liderança), e de tentar satisfazer uma empresa que em um muitos casos parece autoritária e implacável. Até mesmo empregados com experiência prévia de trabalho em Wall Street ou em startups dizem que a carga de trabalho na nova sede em South Lake Union pode ser extrema: maratonas telefônicas de negócios no domingo de Páscoa e no Dia de Ação de Graças, e horas dedicadas ao trabalho em casa, à noite e nos finais de semana.

    "Houve uma ocasião em que passei quatro dias sem dormir", diz Dina Vacari, que entrou para a companhia em 2008 com a missão de vender gift cards da Amazon a outras empresas, e certa vez usou dinheiro pessoal, sem pedir autorização da empresa, a fim de pagar um freelancer indiano para digitar dados e liberá-la para trabalho mais importante. "Os negócios que eu supervisionava eram meus bebês e eu fazia tudo que podia para que se tornassem sucessos".

    Ela e outros trabalhadores tinham amplas opções de carreira, mas disseram ter incorporado as prioridades da Amazon. O noivo de uma ex-funcionária ficou tão preocupado por ela virar noites trabalhando que ia de carro ao complexo da Amazon e ligava para o celular da noiva até que ela concordasse em ir para casa dormir. Quando viajaram de férias para a Flórida, ela ficava o dia inteiro no Starbucks, usando a conexão wi-fi para cuidar dos negócios.

    "Foi assim que surgiu a minha úlcera", ela contou. (Como diversos outros ex-funcionários, ela pediu que seu nome não fossem mencionado porque seu empregador atual tem relações de negócios com a Amazon. Alguns atuais funcionários da Amazon relutavam em conversar com jornalistas porque seus contratos de trabalho proíbem que o façam.)

    Para espicaçar os funcionários, a Amazon conta com uma poderosa alavanca: mais dados do que qualquer outra operação de varejo na história. O fluxo permanente de dados ultradetalhados, em tempo real, permite que a companhia meça praticamente tudo o que seus clientes fazem: o que eles colocam em seus carrinhos de compras mas não compram; o ponto de leitura em que eles decidem abandonar um livro do Kindle; e o que eles escolherão nos serviços de stream com base em compras anteriores. A empresa também é capaz de perceber quando os engenheiros criam páginas que demoram demais para ser carregadas, ou quando um fornecedor não conta com luvas de jardinagem suficientes em seu estoque.

    "Os dados criam muita clareza no processo decisório", disse Sean Boyle, que dirige a divisão de finanças da Amazon Web Services e foi autorizado pela empresa a conceder entrevista. "O acesso a esses dados é incrivelmente libertador".

    Os funcionários da Amazon precisam prestar contas levando em conta uma série descomunal de indicadores, um processo que transcorre em sessões conhecidas como "revisões de negócios", conduzidas semanal ou mensalmente pelas diversas equipes e capazes de gerar grande ansiedade. Um dia ou dois antes das sessões, os funcionários recebem formulários de dados, com até 50 ou 60 páginas, disseram diversos deles. Nas revisões, eles precisam responder a perguntas sobre quaisquer dos milhares de dados contidos nesses documentos.

    Explicações como "não temos completa certeza" ou "preciso verificar para saber" não são aceitáveis, disseram muitos trabalhadores. Alguns executivos ocasionalmente descartam esse tipo de resposta como "estupidez", ou ordenam que o trabalhador "pare com isso". As questões mais duras muitas vezes se referem aos chamados "cold pricklies" [espinhos frios], o termo interno da empresa para e-mails enviados a compradores notificando-os de que seus produtos não chegarão no prazo prometido - o termo é usado porque a sensação é o contrário do "calor macio" que um comprador satisfeito sente.

    As sessões roubam tempo do resto do trabalho, muitos empregados se queixam. Mas eles afirmam que isso é parte do objetivo. As reuniões os forçam a absorver os dados referentes ao seu trabalho, e enchem sua memória de detalhes.

    The New York Times
    "Não há nenhuma recompensa por não se manifestar", diz Stephenie Landry, que trabalha em projetos de entrega de supermercado à venda de livros desde 2004
    "Não há nenhuma recompensa por não se manifestar", diz Stephenie Landry, funcionária desde 2004

    "Quando você descobre que algo não é tão bom quanto poderia, por que não desejaria resolver o problema?", disse Julie Todaro, que liderou algumas das maiores categorias de mercadorias da Amazon.

    Os empregados falam da sensação de que seu trabalho nunca acaba, nunca é considerado satisfatório. Uma das construções da sede da Amazon se chama Day 1, um lembrete, vindo de Bezos, de que estamos apenas no começo de uma nova era do comércio, e que há muito mais a realizar.

    Em 2012, Chris Brucia, que estava trabalhando em um novo site de varejo de moda, recebeu uma avaliação muito negativa de desempenho vinda de seu chefe, uma bronca de meia hora sobre todas as metas que ele não havia cumprido e capacitações que não havia desenvolvido. Brucia absorveu a crítica em silêncio, temendo estar a ponto de ser demitido, e imaginando como é que contaria à sua mulher.

    "Parabéns, você está sendo promovido", concluiu o chefe, que se inclinou na direção dele para um abraço que Brucia se declarou chocado demais para retribuir.

    Noelle Barnes, que trabalhou por nove anos no departamento de marketing da Amazon, repetiu um dito comum na empresa: "A Amazon é o lugar em que até quem consegue sucesso em tudo termina por se sentir mal a
    seu próprio respeito".

    COMPETIÇÃO CONSTANTE

    Em 2013, Elizabeth Willet, que havia servido o exército como capitã, no Iraque, entrou para a Amazon para comandar um departamento de venda de produtos para a casa, e ficou feliz por encontrar tanto espírito empreendedor e tanta energia em uma companhia tão grande. Depois que ela teve um filho, se entendeu com o chefe para mudar seu horário para das 7h às 16h30min, com o objetivo de cuidar melhor de seu bebê. Ela costumava voltar a trabalhar de casa, em seu laptop, depois de cuidar do filho. O chefe garantiu que estava tudo bem, mas os colegas de Willet, que não viam sua hora de entrada, começaram a criticá-la no sistema de feedback por ela estar saindo cedo.

    "Não tenho como defender você se os seus colegas dizem que você não está fazendo seu trabalho", foi a reação do chefe, segundo Willet. Ela deixou a Amazon depois de pouco mais de um ano.

    Os colegas de Willet usaram o Anytime Feedback Tool, um recurso na lista interna de endereços e telefones da empresa que permite que o pessoal envie elogios ou críticas a colegas ou chefes. (Embora os chefes saibam quem enviou comentários, as identidades dos comentaristas normalmente não são revelados ao alvo do comentário.) Porque os membros de cada equipe são classificados em um ranking, e as pessoas com o pior desempenho são demitidas a cada ano, é do interesse de cada um se sair melhor que os colegas.

    Craig Berman, porta-voz da Amazon, diz que a ferramenta é só mais uma maneira de oferecer feedback, como o envio de um e-mail ou uma conversa pessoal com um chefe. Ele disse que a maioria dos comentários são positivos.

    Mas muitos empregados dizem que o sistema é um rio de intrigas e conspirações. Descreveram reclamações combinadas com colegas para derrubar um adversário comum, ou trocas combinadas de elogios exagerados.

    Muitas outras pessoas, como Willet, se sentiram sabotadas por comentários negativos de colegas não identificados, aos quais não podiam responder. Em alguns casos, as críticas foram copiadas diretamente em suas revisões de desempenho —uma manobra que Amy Michaels, a antiga executiva do Kindle, disse ser conhecida na empresa como "cópia completa".

    Em breve, essa ferramenta ou algo parecido pode chegar a muitos outros escritórios. A Workday, uma companhia de software para recursos humanos, produz programa semelhante, o Collaborative Anytime Feedback, que promete transformar as revisões anuais de desempenho em um evento diário. Um dos primeiros investidores na Workday foi Jeff Bezos, que entre muitos outros investimentos também é dono do jornal "Washington Post".

    As rivalidades na Amazon vão além dos comentários pelas costas. Os empregados dizem que o ideal de Bezos, uma meritocracia na qual pessoas e ideias concorram e os melhores vençam, e no qual colegas desafiem uns aos outros "mesmo quando fazê-lo é desconfortável ou cansativo", nas palavras dos princípios de liderança, se tornou um mundo de frequente combate.

    The New York Times
    "Se houver uma falha em seus planos, alguém certamente vai jogar isso na sua cara", afirma David Loftesness, funcionário na companhia entre 2003 e 2006
    "Se houver falha em seus planos, alguém vai jogar na sua cara", afirma David Loftesness, ex-funcionário

    As pessoas tentam acumular recursos. Isso inclui identificar os melhores candidatos a empregos, especialmente preciosos em uma companhia com grande número de vagas em aberto. Para obter novos membros para uma equipe, disse um veterano, "às vezes você precisa afogar alguém na parte funda da piscina", e depois encampar os subordinados da pessoa eliminada. Ideias são criticadas com tamanha aspereza em reuniões que algumas pessoas têm medo de falar.

    David Loftesness, desenvolvedor sênior de software, disse que o foco no consumidor o agradava, mas que não tolerava a linguagem hostil usada em muitas reuniões, comentário ecoado por outras pessoas.

    Por anos, ele e sua equipe se dedicaram a melhorar as capacidades de busca do site da Amazon —até que descobriram que Bezos havia secretamente aprovado um esforço concorrente, baseado em outra tecnologia. "Nunca vou ser o tipo de pessoa capaz de trabalhar em um ambiente assim", ele diz ter pensado. Loftesness deixou a Amazon e hoje é diretor de engenharia do Twitter.

    A cada ano, a concorrência interna culmina em um torneio longo e semiaberto chamado Organization Level Review, no qual chefes debatem a classificação dos subordinados, e designam e removem nomes de funcionários de uma matriz projetada na parede. Nos últimos anos, outras grandes empresas, como a Microsoft, General Electric e Accenture Consulting, abandonaram essa prática - conhecida também como "classificar e derrubar" —em parte porque ela pode forçar executivos a eliminar pessoas talentosas simplesmente porque precisam cumprir quotas.

    Muitos supervisores dizem que a preparação para o evento é como a preparação para um grande julgamento. Para evitar a perda de membros importantes de suas equipes —o que pode ser catastrófico—, eles precisam chegar documentados a fim de defender pessoas acusadas injustamente e para atacar membros de grupos concorrentes. Ou adotam a estratégia de escolher bodes expiatórios a fim de proteger peças mais essenciais. "Você aprende maneiras diplomáticas de jogar alguém debaixo do trem", disse um especialista em marketing que trabalhou seis anos para a divisão de varejo. "É uma sensação horrível".

    The New York Times
    Novos funcionários chegam ao campus da Amazon em Seattle.
    Novos funcionários chegam ao campus da Amazon em Seattle.

    Galbato, o executivo de recursos humanos, explicou o raciocínio da empresa quanto ao corte anual de pessoal. "Contratamos muita gente ótima", ele disse em um e-mail, "mas nem sempre acertamos".

    Dick Finnegan, consultor que assessora empresas sobre retenção de pessoal, alerta sobre os custos dos cortes compulsórios. "Se você pode construir uma organização sem peso morto algum, por que não fazê-lo?", ele questionou. "Mas não sei até que ponto isso é sustentável. Você precisaria de uma fila de 30 quarteirões de pessoas altamente qualificadas que desejem trabalhar para você".

    Muitas das funcionárias da Amazon atribuem a disparidade entre os sexos na empresa —que ao contrário do Facebook, Google e Walmart no momento não tem mulher alguma em seu primeiro escalão de executivos —ao sistema de competição e eliminação. Diversas antigas executivas importantes da empresa, e outras mulheres que participaram de uma recente discussão online sobre a Amazon à qual o "New York Times" teve acesso, disseram acreditar que alguns dos princípios de liderança as desfavorecem. Disseram que podem ser preteridas em promoções por conta de critérios intangíveis como "conquistar confiança" (princípio número 10), ou pela ênfase em discordar dos colegas. Ser assertiva demais, elas disseram, pode ser especialmente arriscado para uma mulher no local de trabalho.

    A maternidade também pode ser um obstáculo. Michelle Williamson, 41, mãe de três filhos que ajudou a criar a divisão de produtos para restaurantes da Amazon, disse que seu chefe, Shahrul Ladue, a havia informado de que cuidar dos filhos provavelmente a impediria de ascender mais na empresa, porque ela não seria capaz de trabalhar número suficiente de horas. Ladue confirmou o relato e disse que Williams estava concorrendo diretamente com colegas mais jovens e com menos compromissos, e por isso ele sugeriu que ela encontrasse um posto menos exigente na Amazon. (Tanto ele quanto Williamson deixaram a empresa.)

    Ele acrescentou que costumava trabalhar 85 horas por semana ou mais, e raramente tirava férias.

    QUANDO TUDO NÃO É O BASTANTE

    Molly Jay, uma das primeiras integrantes da equipe do Kindle, disse que por anos ela recebeu excelentes avaliações. Mas quando começou a viajar para cuidar do pai, que estava com câncer, e reduziu seu trabalho noturno e nos finais de semana, sua situação mudou. Ela foi impedida de se transferir a um cargo de mais baixa pressão, contou, e o chefe a definiu como "um problema". Porque seu pai estava para morrer, ela tirou uma licença não remunerada para cuidar dele, e nunca mais voltou à Amazon.

    "Quando você não consegue dar tudo, 80 horas por semana, eles consideram que seja uma grande fraqueza", disse Jay.

    Uma mulher que teve câncer na tireoide recebeu uma avaliação baixa depois de voltar ao trabalho ao final de um tratamento. Ela diz que seu chefe explicou que, em sua ausência, os colegas dela haviam realizado muito. Outra trabalhadora que perdeu filhos gêmeos em um aborto involuntário teve de sair para uma viagem de negócios um dia depois da cirurgia. "Lamento, mas o trabalho precisa ser feito, de qualquer maneira", ela disse ter sido informada pelo chefe. "No ponto da vida em que você está, tentando formar uma família, não sei se esse é o emprego certo para você".

    Uma mulher que teve câncer de mama foi informada de que seria colocada em um "plano de melhora de desempenho" - o código da Amazon para "você está em risco de demissão" —porque as "dificuldades" em sua "vida pessoal" haviam interferido com a realização de suas metas. Os relatos dessas pessoas ecoam os de outros trabalhadores que sofreram crises de saúde e sentiram ter sido julgados com aspereza, em lugar de receberem um prazo para recuperação.

    Uma antiga executivo de recursos humanos disse que foi forçada a colocar uma mulher que acabava de voltar de uma cirurgia grave e outra cujo bebê nasceu morto em planos de melhora de desempenho, um relato corroborado por um colega delas que continua na Amazon. "Que espécie de empresa vocês querem ser?", a executiva recorda ter perguntado aos chefes.

    A mãe do bebê natimorto logo saiu da Amazon. "Eu tinha acabado de passar pelo acontecimento mais devastador da minha vida", a mulher recordou em um e-mail, e quando retornou foi informada de que seu desempenho seria monitorado para "garantir que meu foco estivesse firmemente no trabalho".
    Berman, o porta-voz, disse que respostas como essas a crises nas vidas dos trabalhadores "não são nossa norma e nem nossa prática". Ele acrescentou que "se formos informados de algo assim, agiremos com rapidez para corrigir". A Amazon também ofereceu uma entrevista com Harker, a diretora de recrutamento, para descrever o forte apoio recebido dos dirigentes da empresa nos dois últimos anos, enquanto seu marido combatia um câncer raro. "Fiquei comovida", ela disse.

    The New York Times
    "Era assim: trabalho primeiro, vida em segundo e tentar achar algum equilíbrio por último", diz Jason Merkoski, funcionário entre 2006 e 2010 e em 2014
    "Era trabalho primeiro lugar, vida em segundo e equilíbrio por último", diz Jason Merkoski, ex-funcionário

    Diversos advogados trabalhistas da região de Seattle dizem receber telefonemas de empregados da Amazon regularmente, com queixas de tratamento injusto, entre as quais queixas de pessoas forçadas a sair porque "não eram suficientemente dedicadas à companhia", disse Michael Subit. Mas isso não basta como base para um processo. "Tratamento injusto não é ilegal", ecoou Sara Amies, outra advogada. Sem provas claras de discriminação, é difícil vencer um processo por avaliação negativa, ela disse.

    Além dos empregados forçados a sair, há outros que desistem, esgotados ou indispostos a suportar por mais tempo as dificuldades em nome de realizações como a entrega um pouco mais rápida aos clientes de máscaras de mergulho ou rolos de fita adesiva.

    O engenheiro Jason Merkoski, 42, trabalhou na equipe que desenvolveu o primeiro leitor eletrônico Kindle, e era um divulgador da tecnologia da Amazon, viajando pelo mundo a fim de descobrir como as pessoas usavam a tecnologia, com o objetivo de melhorá-la. Ele deixou a empresa em 2010 e voltou por breve período em 2014.

    "O imenso número de inovações significa que coisas saem errado, e é preciso retificar, e explicar, e Deus o ajude se você receber um e-mail de Jeff", ele disse. "É como se o presidente da companhia pulasse na sua cama às 3h, com cara de poucos amigos".

    MUITAS SAÍDAS

    A Amazon consegue reter novos empregados em parte ao requerer que eles restituam certa proporção de sua bonificação inicial se deixarem a empresa em menos de um ano, e uma parte de seu substancial auxílio-mudança caso se demitam em menos de dois anos. Diversas pessoas que têm filhos disseram estar considerando sair devido à pressão de chefes ou colegas para que passem menos tempo com suas famílias. (Muitas companhias de tecnologia estão em uma disputa para oferecer termos cada vez melhores de licença-maternidade e licença-paternidade - a Netflix acaba de começar a oferecer até um ano de licença-maternidade paga. A Amazon não oferece licença-paternidade paga.)

    Nas entrevistas, homens de 40 anos estavam convencidos de que a Amazon os substituiria por pessoas de 30 anos, dispostas a trabalhar mais horas, e as pessoas de 30 anos estavam certas de que a empresa prefere contratar jovens de 20 e poucos anos, que trabalhariam ainda mais. Depois que Max Shipley, que tem dois filhos pequenos, se demitiu, no segundo trimestre, ficou imaginando se a Amazon não começaria a "contratar universitários, que têm poucos compromissos, são solteiros e podem se concentrar mais no trabalho". Shipley tem 25 anos.

    A Amazon insiste em que sua reputação por alto giro de pessoal é enganosa. Uma pesquisa da PayScale, uma empresa de análise de remuneração, em 2013, estimou que a passagem média de funcionários pela empresa é de um ano, uma das mais curtas entre as companhias do ranking Fortune 500. Dirigentes da Amazon insistiram em que as passagens são curtas porque a empresa contrata muito, acrescentando que apenas 15% do pessoal trabalha lá há mais de cinco anos. O giro é comparável ao de outras empresas de tecnologia, eles dizem, mas se recusaram a revelar dados.

    Empregados, executivos de recursos humanos e recrutadores descrevem um êxodo constante. "O ritmo de giro e queima da Amazon, que traz muitos ex-funcionários da empresa a nós, é claro e constante", escreveu Nimrod Hoofien, diretor de engenharia do Facebook e veterano da Amazon, em um post de Facebook recente.

    As saídas não são uma falha do sistema, dizem muitos atuais e antigos funcionários da Amazon, mas sua conclusão lógica: admissão em massa de novos trabalhadores, que ajudam a manter girando a máquina da companhia e se desgastam, deixando que os empregados mais dedicados da Amazon sobrevivam na empresa.

    "Darwinismo propositado", foi o comentário de Robin Andrulevich, ex-executiva de recursos humanos no primeiro escalão da Amazon e uma das redatoras dos princípios de liderança da companhia, no post de Hoofien. "Eles jamais teriam conseguido o que conseguiram sem isso", ela declarou em entrevista, em referência ao ciclo constante de contratação, motivação e corte de pessoal na Amazon.

    "A Amazon aceita um giro grande de pessoal para identificar e reter os superastros", disse Vijay Ravindran, que trabalhou por sete anos para a companhia, os dois últimos como gerente encarregado da tecnologia de pagamento. "Eles seguram os astros oferecendo uma combinação de oportunidades incríveis e remuneração incrível. É como garimpar ouro".

    O pessoal que deixa a Amazon é altamente desejável por sua ética de trabalho, dizem recrutadores locais. Nos últimos anos, companhias como o Facebook e LinkedIn abriram grandes escritórios em Seattle e elas se beneficiam dos egressos da Amazon.

    Os recrutadores também dizem, porém, que outras empresas às vezes hesitam em contratar pessoal vindo da Amazon, porque eles foram treinados para ser combativos. O apelido derrisório local dos empregados da empresa é "amholes" —profissionais briguentos e obcecados por trabalho.

    Não importa que nome lhes seja aplicado, as fileiras da empresa não param de engrossar. A Amazon está concluindo a construção de um edifício de escritórios de 37 andares perto do complexo de South Lake Union e já começou a construção de mais uma torre nas cercanias. Planeja uma terceira torre, e o terreno comportaria mais dois arranha-céus. Quando a poeira assentar, em três anos, a Amazon terá espaço para 50 mil funcionários ou mais, o triplo de seu quadro em 2013.

    Os novos contratados se esforçarão por fazer da Amazon o primeiro grupo de varejo trilionário, na esperança de que todo mundo assista filmes da Amazon e jogue jogos da Amazon em tablets da Amazon, enquanto usa o Amazon Echo para procurar encanadores e novas cadeiras de jardim - ao que se pode acrescentar batatas chips com a marca Amazon.

    Pode ser que isso aconteça. Liz Pearce trabalhou dois anos para a Amazon, gerenciando projetos como a lista de casamento online da companhia. "A pressão por produzir era muito mais intensa que qualquer outro indicador de desempenho", ela disse. "Eu via pessoas entrando praticamente em combustão espontânea".

    Mas da mesma forma que Jeff Bezos viu o futuro do comércio eletrônico antes de qualquer outra pessoa, acrescentou Pearce, ele foi capaz de prever um novo tipo de local de trabalho: fluido mas duro, com empregados ficando por pouco tempo e empregadores exigindo o máximo.

    "O que propele a Amazon são os dados", disse Pearce, que comanda uma produtora de software em Seattle, com uma equipe repleta de ex-funcionários da Amazon. "Ela só mudará se os dados assim disserem - quando essa maneira de contratar, trabalhar e demitir não fizer mais sentido econômico".

    A empresa já mostra desgaste por conta do rápido crescimento. Mesmo para empregos básicos, ela está contratando na costa leste dos Estados Unidos, e muitos empregados se veem pressionados a entregar seus contatos a recrutadores em festas de "LinkedIn". Só em Seattle, há mais de 4,5 mil vagas em aberto, entre as quais postos para analistas de "contratações em alto volume".

    Algumas empresas, diante de necessidade tão premente de pessoal, pensariam em reduzir suas ambições ou abrandar sua mensagem.

    Não a Amazon, Em recente vídeo de recrutamento, uma jovem alerta: "Aqui, ou você se encaixa ou não. Ou você ama a empresa ou não. Não há meio termo".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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