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    Empresas mudam parte do negócio para sobreviver, mas técnica exige cautela

    FERNANDA PERRIN
    DE SÃO PAULO

    23/08/2015 02h00

    Nem sempre uma ideia original, um plano de negócios e investidores são suficientes para uma empresa dar certo. Quando um empreendedor entra no mercado, ele precisa estar preparado para rever toda sua estratégia se quiser sobreviver. Ou, no vocabulário das start-ups, ele precisa "pivotar" ou fazer um "pivô".

    Eric Ries, empreendedor do Vale do Silício e um dos precursores do termo, cita o YouTube e o Groupon como exemplos da prática.

    Bruno Santos/Folhapress
    Armindo Mota, diretor-executivo da Wappa
    Armindo Mota, diretor-executivo da Wappa

    A plataforma de vídeos nasceu como um site de namoros, e o que virou uma ferramenta de compras coletivas era originalmente uma página de petições coletivas.

    Em comum, eles perceberam que, na prática, suas ideias não funcionavam. Mas, com algumas adaptações, poderiam dar certo.

    No caso do YouTube, o compartilhamento de vídeos já era uma opção no site de namoro -só que muito mais popular do que a paquera.

    Quando um negócio pivota, ele muda parte da sua estratégia, mas preserva a essência da visão original.

    Para Yuri Gitahy, presidente da Aceleradora, o termo pivô difundiu-se entre as start-ups porque sintetiza a necessidade de teste constante do modelo e de adaptações para obter crescimento rápido.

    Kleber Teraoka, 38, pivotou nas duas empresas que já teve e na atual, a Strategy, de software para gestão de metas e planejamento. Ele vê o pivô como um passo natural para encontrar o modelo de negócio ideal. "Você lida com muitas variáveis quando cria uma empresa. É muito raro acertar em tudo de primeira."

    Já Pedro Waengertner, presidente da aceleradora Aceleratech, recomenda precaução. "Muitos empreendedores pivotam diante de qualquer problema, como se fosse um meio de voltar à estaca zero do negócio."

    Pivotagem

    CORREÇÃO DE ROTA

    Em 2001, Armindo Mota Júnior fundou a Wappa com a proposta de oferecer para as empresas o pagamento de vale-refeição via SMS ou WAP (navegador de internet para celular; caiu em desuso com os smartphones).

    "As empresas adoravam a ideia de eliminar o papel, mas precisavam que nós atendêssemos o Brasil inteiro, o que significava mais de dois milhões de restaurantes."

    Foi quando ele percebeu que era impossível escalar o negócio, porque cada restaurante teria que ser preparado para realizar a operação.

    A Wappa, então, pivotou: em vez de intermediar o pagamento do vale-refeição, passou a usar a mesma tecnologia para pagamento de corridas de táxi corporativo.

    "O desafio é entender em que momento você vira a chave. Se tivéssemos continuado no tíquete, a empresa não teria dado certo", diz Mota Júnior, que hoje tem entre seus clientes Itaú, Centauro e HP.

    No basquete, o "pivot" (pivoteio) é uma jogada em que o atleta pode se movimentar em qualquer direção, mas mantendo o pé de apoio fixo, girando em torno desse eixo.

    Aplicada aos negócios, a ideia é que o empreendedor, percebendo que sua aposta inicial não está funcionando, mude algum elemento da estratégia (público alvo, plano de negócios, forma de lucrar, tecnologia etc), mas preserve a essência original.

    A decisão exige dados sobre o negócio e estimativas do potencial da mudança, opinião de clientes e de investidores e, na medida do possível, tranquilidade.

    "Você passou um ano trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana, e de repente tem que jogar isso fora. Há um custo psicológico grande", diz Pedro Waengertner, presidente da aceleradora Aceleratech.

    Se por um lado mudar de estratégia é doloroso para alguns, para outros vem sendo fácil demais. Waengertner diz que já viu start-ups pivotarem três vezes em dois meses.

    "Se o pivô fosse um botãozinho no painel de controle da start-up, ele teria uma proteção de vidro por cima, não é algo tão trivial."

    Como esse tipo de negócio envolve inovação, é comum que o produto ou serviço vendido leve algum tempo para engatar no mercado.

    SEM DESESPERO

    No caso da Samba Tech, o pivô aconteceu quando a empresa já estava estabelecida.

    Alexandre Rezende/Folhapress
    Gustavo Caetano, presidente da Samba Tech, no escritório da empresa em Belo Horizonte (MG)
    Gustavo Caetano, presidente da Samba Tech, no escritório da empresa em Belo Horizonte (MG)

    Em 2004, a então Samba vendia jogos para operadoras de celular oferecerem via WAP. A ideia deu tão certo que, em três anos, eles tinham escritórios no Chile e na Argentina e vendiam para as maiores operadoras da América Latina.

    "Percebemos que havíamos caído em uma armadilha", diz Gustavo Caetano, presidente da empresa. Em uma ponta, eles tinham apenas um fornecedor que desenvolvia os jogos e, na outra, poucas e grandes empresas como clientes. "Toda vez que íamos negociar, eles nos apertavam mais. Nossa inovação virou commodity."

    Em 2007, a Samba começou a investir na criação de plataformas para distribuição de vídeos na internet (como um YouTube, mas no próprio site do cliente) sem abandonar a venda dos jogos.

    O pivô completou-se em 2009 quando, segura de que o novo produto funcionava, desligou-se dos jogos e virou Samba Tech.

    "Nossa vantagem foi que pivotamos quando ainda não estávamos afundando. O problema é se o empreendedor faz a mudança quando está perdido."

    CUIDADO COM INVESTIDORES

    A relação com os investidores é uma das partes mais delicadas do pivô. Como explicar que sua ideia inicial não funciona, mas que com os ajustes propostos -e mais algum dinheiro- a nova dará certo?

    "Obviamente não é o que o investidor mais gosta, mas faz parte", diz Cassio Spina, 48, fundador da Anjos do Brasil, organização de investidores-anjo.

    Nessa hora, o empreendedor deve mostrar que entendeu o que deu errado e ainda ter algum dinheiro para testar alternativas.Assim, ele terá dados do potencial da mudança para mostrar ao investidor.

    Kleber Teraoka, 38, diz que foi difícil justificar as mudanças para seus investidores quando mudou as duas primeiras empresas que fundou. Já com o negócio atual, a Strategy, o movimento foi encarado com normalidade.

    Para ele, a aceitação depende do tipo de investidor. "O anjo, por entrar no começo, presume o pivô. Os fundos, que entram numa fase mais avançada, esperam você passar por algumas mudanças até ficar estável", afirma.

    *

    Especialista Yuri Gitahy dá dicas de como fazer o pivô:

    Para onde pivoto?
    O empreendedor deve estar atento às oportunidades que não está perseguindo, porque existem mais chances de crescimento no que ele não está fazendo do que na área em que investe.

    Como sei que vale a pena?
    Pivotar é mudar a estratégia sem alterar a visão de longo prazo. O empreendedor deve estar consciente de que testar um pivô envolve manter as variáveis bem controladas e comparar resultados quantitativos para saber se a nova estratégia é melhor ou pior que as anteriores.

    Só start-ups pivotam?
    Start-ups costumam crescer (e morrer) rápido porque estão sempre conscientes da necessidade de testes e alertas para novas oportunidades. Se mais empresas tradicionais pusessem seus negócios à prova e tentassem praticar testes de pivô, estariam implementando a forma mais barata de inovação que podem criar no curto prazo.

    Quem se responsabiliza?
    Se o faturamento da empresa já está estável, inicie os testes de um potencial pivô com uma equipe separada sem afetar o negócio anterior. Caso dê errado, os custos são baixos e não interferem no fluxo de caixa.

    Quando fazer?
    A melhor hora para se tentar um pivô não é quando a empresa está indo mal ou indo bem -é quando alguma lição aprendida pelos sócios gera um insight para uma potencial melhoria. Cada ciclo de teste e validação desse pivô deve ser planejado com metas bem claras, para garantir que a empresa sabe se é hora de persistir (porque as metas estão sendo alcançadas) ou de encerrar o ciclo (quando as metas estão longe de serem atingidas no intervalo planejado).

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