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    Escândalo de emissões da Volkswagen é vingança da realidade

    JOHN GAPPER
    DO "FINANCIAL TIMES"

    21/09/2015 12h06

    Ralph Orlowski/Reuters
    Ações da Volkswagen caem após empresa se envolver em escândalo sobre poluentes
    Ações da Volkswagen caem após empresa se envolver em escândalo sobre poluentes

    "As velhas realidades do diesel já não se aplicam", a Volkswagen diz em sua publicidade nos Estados Unidos para veículos acionados por um combustível que costumava causar "mau cheiro, fumaça e lentidão". Agora, parece que os esforços da Volkswagen para mudar a realidade dos veículos acionados a diesel podem ter incluído trapacear em testes federais.

    A queda abrupta nas ações da Volkswagen segunda-feira, que chegaram a se desvalorizar 22,8% na maior queda diária já registrada, reflete a seriedade do que ela é acusada de fazer: enganar propositalmente a Agência de Proteção Ambiental (EPA) norte-americana ao usar software que fazia com que os motores diesel de carros como o Golf e o Jetta parecessem menos prejudiciais ao meio ambiente do que de fato são.

    O simples fato de que Martin Winterkorn, presidente-executivo da Volkswagen, tenha admitido em público que "violamos a confiança dos nossos compradores e do público" é suficiente para transformar a situação em séria crise para a companhia que deseja superar a Toyota como maior fabricante mundial de veículos em 2018.

    A posição de Winterkorn, que alguns meses atrás derrotou uma tentativa de Ferdinand Piëch, antigo presidente do conselho da Volkswagen, para desestabilizá-lo, volta a estar em risco. O conselho supervisor da Volkswagen se reúne na sexta-feira e um item da agenda é a extensão de seu contrato até 2018. Agora, o conselho terá de responder à crise.

    Iludir as autoridades regulatórias e o governo é uma das coisas mais sérias que uma companhia pode fazer. Um exemplo foi a manipulação da taxa Libor, de referência de juros interbancários, por operadores de bancos como o Barclays, UBS e Royal Bank of Scotland, que resultou em acusações criminais, multas e acordos extrajudiciais em valor de mais de US$ 3,5 bilhões.

    A Volkswagen agora não só enfrenta indenizações que podem chegar aos bilhões de dólares como a possibilidade de indiciamentos criminais. Winterkorn, que anunciou uma investigação interna e prometeu que não toleraria "qualquer tipo de violação da lei ou de nossas regras internas", é o mais alto executivo da Volkswagen a sofrer pressão.

    A crise também cria problemas para os esforços das montadoras europeias, entre as quais a Volkswagen, para converter o mercado dos Estados Unidos ao uso do diesel menos poluente. Os consumidores norte-americanos, sob a influência de gerações anteriores e mais poluentes de motores diesel, e as autoridades regulatórias do país, que impõem padrões ambientais severos, já eram difíceis de convencer antes do acontecido.

    As provas contra a Volkswagen, combinadas ao fato de que a companhia já pediu desculpas, são muito sérias. Em sua queixa oficial, a EPA detalha como "um sofisticado algoritmo de software" foi usado para alterar os níveis de emissões dos veículos a depender de seu uso comum ou em testes.

    Existe uma ligeira ambiguidade na queixa - o texto afirma que a Volkswagen "sabia ou deveria ter sabido" que para todos os efeitos havia instalado em seus carros um "defeat device" [dispositivo manipulador]. Trata-se de um dispositivo que eleva as emissões de determinados poluentes, no caso o óxido de nitrogênio, quando o carro está em uso na rua, e as reduz durante os testes oficiais de poluição.

    Isso gera a possibilidade de que a Volkswagen argumente que não violou a lei intencionalmente. Trata-se do caso mais grave, por larga margem, de violação das normas da EPA, mas outras montadoras já foram apanhadas fazendo afirmações falsas sobre o desempenho de seus veículos.

    No ano passado, Hyundai e Kia pagaram multa de US$ 100 milhões nos Estados Unidos, como parte de um pacote indenizatório de US$ 300 milhões por anunciarem economia de combustível maior que a real em seus veículos, e a Ford por duas vezes teve de reduzir as estimativas de quilometragem por litro de alguns de seus modelos. Com o aperto nos padrões da EPA, a tentação de tentar manipulá-los só cresceu.

    Mas nada disso reconfortará a Volkswagen. A queixa é tão específica e tão séria - e inclui a acusação de que ela só admitiu ter feito o que fez depois de um ano de investigação - que salta aos olhos. A menos que a companhia encontre uma forma de se defender da acusação de que iludiu deliberadamente o governo, sua reputação será fortemente prejudicada.

    A Volkswagen há muito luta por conquistar nos Estados Unidos o mesmo espaço que tem na Europa e Ásia. Construiu uma fábrica de US$ 1 bilhão no Tennessee e prometeu investir bilhões de dólares adicionais em expansão, mas a despeito de seu sucesso com o Fusca nos anos 60, ela continua atrás das montadoras japonesas e asiáticas.

    A última coisa que a companhia desejava era um incidente que maculasse tanto sua marca quanto a tecnologia na qual ela lidera. E é isso que terá de enfrentar agora.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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