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    Opinião

    Brasil se perde no debate 'hetero' x 'ortodoxos' na economia

    BERNARDO GUIMARÃES
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    02/10/2015 12h18

    Passei a ser considerado "ortodoxo" quando voltei ao Brasil, em 2010.

    Nos dez anos que englobam meu doutorado em Yale e minha docência na London School of Economics, não recebia esse rótulo. Não porque minhas ideias tenham subitamente se modificado quando voltei ao Brasil. Mas porque a oposição entre "ortodoxos" e "heterodoxos" praticamente não existe lá fora.

    Assim como atacantes no futebol vivem de marcar gols, pesquisadores vivem de publicar em periódicos.

    Contudo, ser artilheiro da terceira divisão do campeonato paulista é muito diferente de ser artilheiro da Champions League europeia. Anderson Cavalo deve ser um excelente jogador, mas Lionel Messi é melhor.

    Da mesma maneira, há periódicos muito pouco lidos, e outros que têm grande impacto sobre a profissão, nos quais é muito difícil publicar.

    Para avaliar a produção de um pesquisador e, portanto, de um departamento de economia, o meio acadêmico internacional classifica os periódicos com base em critérios objetivos, baseados em medidas de impacto, como o número de citações.

    Há certo consenso sobre a importância dos periódicos. Em qualquer universidade relevante do mundo, os de mais prestígio na área de economia (os "top 5") são os cinco primeiros do quadro ao lado.

    Para se tornar professor titular nos melhores departamentos de economia, a meta é publicar artigos nos "top 5" (entre 2 e 5, dependendo da universidade e de quanto impacto o artigo obtém).

    SUBJETIVIDADE

    A classificação que avalia a produção das universidades brasileiras (a da Capes), porém, é feita de maneira subjetiva: um grupo de acadêmicos se reúne para elaborá-la. Na analogia, é como se os técnicos de futebol elegessem os principais campeonatos.

    Entre os 30 periódicos mais bem classificados na avaliação da Capes (nível A1), 26 estão bem classificados em rankings objetivos. Os quatro últimos, porém, estão entre o 149º e o 253º lugar em ranking objetivo de impacto.

    Estão na lista da Capes apenas por serem "heterodoxos" -ou seja, por não seguirem as linhas de pesquisa estabelecidas na academia. Sem essa inclusão, a avaliação da produção internacional de alguns economistas e departamentos de economia brasileiros mudaria radicalmente.

    Até onde eu sei, todo mundo em Yale e na LSE é "ortodoxo", assim como em qualquer outro centro de prestígio, como Harvard, Chicago, MIT. Thomas Piketty é 100% "ortodoxo": já publicou artigos nos cinco periódicos no topo da classificação objetiva e nunca publicou em nenhum dos "heterodoxos". Da mesma maneira, Paul Krugman, Nouriel Roubini e Joseph Stiglitz são 100% ortodoxos.

    EQUÍVOCOS

    Em suma, "ortodoxo" em economia não significa muito em termos de opiniões sobre políticas públicas. Um acadêmico considerado "ortodoxo" no Brasil é aquele que interage com a grande maioria da comunidade acadêmica internacional.

    Os heterodoxos, por seu lado, estão tentando construir outro caminho, que conversa pouco com a grande maioria dessa comunidade.

    Alguns equívocos são comuns, por exemplo, o de acreditar que ortodoxos se baseiam em formulações antigas. Muitos heterodoxos se definem como "pós-keynesianos", por exemplo, e seguem Keynes, economista brilhante que morreu em 1946.

    Outro engano é acreditar que, se heterodoxos são "pós-keynesianos", "ortodoxos" são "antikeynesianos".

    De forma alguma! Parte fundamental do pensamento keynesiano é que os preços e salários demoram a se ajustar. A implicação-chave do meu artigo mais bem publicado é que o ajuste de preços é de fato mais lento do que os dados parecem indicar.

    Tenho artigos com conclusões "keynesianas", outros com conclusões completamente contrárias e é isso que faz de mim um "ortodoxo": eu não sou "keynesiano" nem "austríaco". E acho ótimo que a grande maioria da profissão seja assim.

    Economistas que publicam nos periódicos heterodoxos têm todo o meu respeito: estão produzindo, diferentemente de grande parte das pessoas pagas como professores pesquisadores (com o dinheiro de impostos) que não publica há décadas.

    DEBATE POLÍTICO

    Até agora, falei do meio acadêmico. No debate sobre políticas públicas, "ortodoxia" equivale a defender juros altos e ajuste fiscal.

    Acredito que, de fato, a grande maioria dos economistas que publicam nos principais periódicos do mundo (os "ortodoxos") defenderia um ajuste fiscal para o Brasil no momento atual, se parasse para estudar o assunto (muitos não devem ter opinião formada a respeito). Mas, em outros casos, há muita discordância.

    Além disso, essa distinção acaba por passar a ideia de que economia se resume às políticas monetária e fiscal.

    Economia é muito, mas muito mais que isso.

    CRITÉRIOS HETERODOXOS - Avaliação brasileira não segue a internacional

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