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    Empreendedorismo social já não precisa do Estado, diz executivo

    JOANA CUNHA
    DE SÃO PAULO

    10/10/2015 02h00

    Eduardo Knapp/Folhapress
    Sergio Amoroso, presidente do Graac
    Sergio Amoroso, presidente do Graac

    Experiências de sucesso no empreendedorismo social brasileiro mostram que a participação pesada do Estado não é necessária nem desejável, diz Sergio Amoroso, presidente do Grupo Jari, que atua no setor de madeira e celulose, e do Graacc (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer).

    À frente de uma instituição que começa todo ano devendo quase R$ 70 milhões e tem obtido crescimentos consecutivos, ele diz que a gestão profissional torna os projetos viáveis, de forma sustentável: a profissionalização implica transparência, que estimula o engajamento de empresas e da sociedade.

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    Folha - Há modelos de empreendedorismo social que seriam replicáveis para outros setores? Como?

    Sergio Amoroso - O Gracc, por exemplo, é uma PPP que funciona. É uma ONG que tem gestão privada, feita por empresários, gente da sociedade que doa seu tempo voluntariamente. Tem um modelo de gestão empresarial com fins públicos e atende 90% de SUS. O câncer infantil é o mais caro dos cânceres. Nosso orçamento anual gira em torno de R$ 90 milhões, mas o nosso faturamento, entre SUS e convênio, é de R$ 22 milhões a R$ 24 milhões. O resto nós conseguimos da sociedade, ou com leis incentivadas, doações, eventos como corridas, McDia Feliz e outras ações.

    O Graacc tem um departamento que é uma mini empresa profissionalizada de arrecadação. É um exemplo de como a sociedade vai se organizando e como ela reconhece esse empenho e essa participação. É preciso haver o reconhecimento. E isso se busca por transparência, prestação de contas. É conquistando da sociedade uma confiança que ela comparece.

    Mas o Graacc não tem esse grau de sucesso por envolver um tema que é comovente para a sociedade? É possível conseguir tal engajamento em qualquer setor?

    É verdade. É um tema forte na sociedade. Porém, se você não for transparente, não tiver seriedade e não entregar resultados, não adianta ter algo que possa comover, porque as pessoas não vão se engajar de forma ampla. A sociedade está ficando tão conectada, que está difícil para organizações e governos prolongarem mentiras. Essas coisas têm tido vida mais curta com essa possibilidade de comunicação. Hoje, vemos que há um caminho para a sociedade começar a apoiar propósitos verdadeiros.

    A papel do Estado é adequado? Caberia participar mais?

    Esse modelo de PPP foi tão falado, mas nos últimos anos tem havido uma interferência e uma visão de que o Estado deveria participar mais, haja vista os modelos de concessões, o Estado definindo taxa de retorno. Eu acho que a nossa visão ficou um pouco ultrapassada em termos de como a sociedade deve se desenvolver.

    Não conheço um modelo que tenha dado mais certo com a presença maciça do Estado. Precisamos decidir o que vamos ser quando crescermos. O Estado tem que ser o regulador, o indutor, aquele que diz: 'vai que eu te garanto'. Aí a iniciativa privada vai com força. Mas esse negócio de dizer que o Estado tem que ser controlador, o maior participante, que tem que dar as regras e as normas de uma forma que influencia a oferta etc, eu acredito que isso passou um pouco do ponto.

    Há desafios de gestão?

    Nós temos uma fundação no Grupo Jari, onde já aprendemos muito. Concluímos que o nosso sistema de gestão é muito caro e que é melhor apoiar e organizar uma gestão local em cada projeto, porque sai mais barato. Tinha um projeto lá em Manaus, que cuidava de crianças aidéticas, que tinha dificuldade orçamentária todo ano. Um projeto lindo, que começa no hospital público, ensinando que a mãe não pode amamentar para não transmitir a doença ao filho. Então concluímos que é melhor organizar esse pessoal do que ficar colocando dinheiro.

    Nós sempre colocávamos o dinheiro para o orçamento anual. Mas quando colocamos um profissional treinado em organizar a arrecadação por leis de incentivo, fundo da criança e do adolescente, funcionou. A organização ficou plena. Todo ano ela arrecada nas empresas todo o seu orçamento e não precisa mais ficar passando o pires. Tudo isso por causa de um processo organizado, mais profissional. E, ao ser profissional, é obrigado a ser transparente e prestar contas. Quando ele faz isso, as empresas apoiam. Uma coisa puxa a outra.

    Quem doa mais? Pessoa física ou jurídica?

    Eu acredito mais na pessoa física. O corporativo doa muito, mas, na maior parte das vezes, porque tem incentivos. Na realidade, ele não está doando. Esta repassando um dinheiro público, que vem do imposto de renda.

    Há um esforço, claro, porque a empresa poderia simplesmente fazer a declaração do imposto, mas a doação mesmo vem da pessoa física. Temos histórias de pessoas que doam R$ 10 ou R$ 5 por mês. E quando não pode doar, liga para avisar.

    Com o orçamento tão ajustado é possível investir?

    Todo ano a gente começa devendo quase R$ 70 milhões porque são os R$ 90 milhões de orçamento e pouco mais de R$ 20 de faturamento. E todo ano temos conseguido crescer. Nos últimos dois anos fizemos um outro prédio, instalamos uma radioterapia só para crianças.

    Mais recentemente, instalamos um aparelho para tumores cerebrais sofisticado, que consegue, no momento da cirurgia, verificar se retirou todo o tumor para não afetar outras partes do cérebro, sem deixar sequelas nem tumor. Nosso maior índice de perda está no tumor cerebral. Estamos com 50% de perda aí, apesar de o Graacc ter uma média de 70% de índice de cura, muito acima da media nacional. Os países desenvolvidos têm 80% de índice de cura.

    Por que não chega aos 80% no índice de cura também?

    Porque o sistema todo não tem a eficiência de um país desenvolvido. As crianças chegam em um estágio avançado. Aí fica mais difícil curar. Falta diagnóstico precoce.

    Que outras organizações são um bom exemplo?

    O Hospital de Câncer de Barretos cresceu muito, o Centro Infantil Boldrini também. O Instituto Ronald McDonald é um dos grandes investidores pelo câncer infantil no país, tem ajudado muito a medicina do Brasil. A população reconhece e o McDia Feliz arrecada mais do que tantos outros programas.

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    • RAIO-X - SERGIO AMOROSO, 61

    >> começou como assistente de almoxarifado em fábrica de calçados em Birigui (SP)

    >> em 1981, fundou o Grupo Orsa, de papel e celulose

    >> preside o Graacc, de apoio a crianças e jovens com câncer

    >> é presidente e principal acionista do Grupo Jari, de madeira certificada e celulose

    >> é sócio-fundador do Todos Pela Educação

    >> é conselheiro do Instituto Sidarta, para o desenvolvimento da educação

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