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    Serasa decide suspender informações sobre inadimplência

    CLAUDIA ROLLI
    DE SÃO PAULO

    13/10/2015 02h00

    A Serasa Experian, dona do maior banco de dados de crédito do país, vai suspender a divulgação de informações (indicadores econômicos e pesquisas) que usam como base o cadastro de devedores da empresa e são usadas pelo mercado para estabelecer políticas de crédito e tomar decisões de negócios.

    A medida pode ter impacto na concessão de crédito no país e afetar o consumidor, avaliam especialistas desse setor.

    Dados divulgados pela Serasa Experian na sexta-feira (9) mostram que o Brasil registrou 57,2 milhões de pessoas e 4 milhões de empresas inadimplentes em agosto.

    A suspensão dos indicadores é por tempo indeterminado e ocorre em razão da lei paulista que obriga o envio de carta com aviso de recebimento (AR) para a pessoa com dívida em atraso, antes de incluir seu nome em cadastros de inadimplentes.

    Por dia, 500 mil empresas, de todos os portes e segmentos, fazem 6 milhões de consultas ao cadastro da Serasa para obter informações de empresas e consumidores. Buscam evitar fraudes e saber se consumidores e empresas estão ou não inadimplentes e aptos a tomar crédito.

    O banco de dados da Serasa, os indicadores e as pesquisas também são usados por entidades internacionais, como o FMI e o Banco Mundial para entender e acompanhar o mercado de crédito.

    A lei estadual (nº 15.659) voltou a vigorar em setembro, após uma liminar (favorecendo o comércio e suspendendo a lei) ter sido cassada em agosto.

    Antes dela, as empresas enviavam carta simples e o consumidor tinha prazo de dez dias para pagar a dívida. Sem regularizar o débito, entrava na lista de devedores.

    Com o AR (aviso de recebimento), o devedor precisa assinar a carta -o que nem sempre ocorre- para ter seu nome incluído no cadastro de inadimplentes.

    Nesse caso, o credor (banco, varejo) tem de fazer o protesto da dívida em cartório, que será o responsável por enviar uma carta (também AR) ao cliente. Se mesmo ainda assim; o consumidor não for localizado, o cartório tem de publicar edital em jornal para fazer a cobrança; e torná-la pública.

    Já para limpar o nome, o consumidor terá de ir ao cartório dar baixa no protesto, após pagar a dívida, e terá de pagar taxas aos cartórios, dizem empresas que atuam no setor de informação de crédito. Se a dívida protestada for de R$ 1.061,01 a R$ 1.275, pagará taxas de R$ 103,66.

    Representantes dos cartórios de protesto de títulos afirmam, entretanto, que a lei é positiva porque evita cobranças indevidas. "Com a referida lei, evita-se cobranças indevidas, como débitos de taxas não contratuais nas contas correntes bancárias, débitos de telefonia. Vai reequilibrar as relações de consumo e garantir direito ao contraditório, uma vez que o consumidor terá ciência da cobrança realizada., garantia esta imprescindível, posto que a simples postagem das comunicações nos Correios não garante o efetivo recebimento pelos destinatários", diz Claudio Marçal Freire, secretário-geral do Ieptb (Instituto de Estudo de Protesto de Títulos).

    Ele também ressalta que se o consumidor quitar a dívida "não terá de ir ao cartório". "Pelo protesto, são negativados apenas e tão somente os devedores que deixam de realizar o pagamento e que, por consequência, são protestados, recebendo os credores a prova de seu inadimplementos", diz.

    INADIMPLÊNCIA CRESCENTE - Número de empresas devedoras cresce neste ano

    IMPACTOS

    Cálculo do economista Marcos Lisboa, em estudo realizado para a Serasa e divulgado em fevereiro deste ano, mostra que as despesas de consumidores com cartórios podem chegar a R$ 5 bilhões em um ano.

    Em nota divulgada nesta terça, a Serasa afirma que só em setembro, com a nova lei paulista, 97% das dívidas em atraso em SP (ou 3,1 milhões de débitos) não foram incluídas no cadastro.

    "Apenas 3% das cartas enviadas com aviso de recebimento (AR) voltaram assinadas [em setembro, o que deixou o cadastro com informações desatualizadas e por essa razão, a empresa decidiu suspender a divulgação de indicadores de inadimplência de pessoas física e jurídica]."

    O Estado de São Paulo responde por 30% do total da inadimplência registrada no país, segundo informa a empresa.

    Karime Xavier/Folhapress
    O economista Marcos Lisboa
    O economista Marcos Lisboa

    MUDANÇA NACIONAL

    Além da lei paulista, de autoria do deputado Rui Falcão (PT), especialistas do setor de crédito avaliam que um artigo (nº 11) da medida provisória 678 -que altera a lei que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas e está prevista para ser votada nesta semana- vá trazer ainda mais impactos a esse mercado.

    Esse artigo determina que os cartórios tenham exclusividade para ter informações de inadimplência e cria a necessidade de protestar previamente todas as dívidas "para que seja possível dar visibilidade da inadimplência a quaisquer terceiros, órgãos públicos ou privados, e adotar qualquer providência de cobrança".

    Na prática, todas as informações de inadimplência não podem ser registradas em bancos de dados públicos e privados, sem o prévio protesto nos cartórios.

    "É um retrocesso gigantesco e pode onerar o consumidor. Toda vez que você cria um intermediário você encarece as operações. Alguns grupos deixam de ter acesso mais fácil ao crédito e outros grupos vão pagar mais caro por ele" diz Lisboa, presidente do Insper.

    "O país deveria discutir como melhorar a qualidade da informação, como garantir que o consumidor tenha acesso à informação de forma mais ágil e como criar mecanismos eletrônicos mais eficientes para saber quem está inadimplente", afirma o economista.

    Para o secretário-geral do Ieptb (Instituto de Estudo de Protesto de Títulos), o custo do protesto é uma "relação direta entre os inadimplentes e os cartórios. logo não integra a cadeia de creditícia, fato este que beneficia a grande massa de consumidores que pagam as suas dívidas em dia, os adimplentes".

    DE UMA MP PARA OUTRA

    A Folha apurou que o artigo que foi introduzido na MP 678 após seu conteúdo ter sido rejeitado na medida provisória 676 (que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social).

    Nessa MP 676, o texto que consta no artigo constava como uma emenda apresentada pelo deputado federal Vicente Candido (PT-SP).

    Na justificativa apresentada para incluí-la na medida, o parlamentar destaca que "com vista ao aproveitamento do novo sistema de protesto, que não terão custos para os credores [bancos, lojas, quem cobra o consumidor], buscando estabelecer a exigência do protesto como marco extrajudicial da comprovação do inadimplemento, como medida indispensável ao benefício do registro dos seus valores".

    Ainda segundo a justificativa, o protesto extrajudicial (feito nos cartórios) "tem a finalidade de reduzir os conflitos no Poder Judiciário, colaborando desta forma com as metas de desjudicialização almejada pelo Poder Executivo e o Conselho Nacional de Justiça".

    A reportagem procurou o deputado para comentar o assunto, mas, segundo informou sua assessoria, ele estava em viagem e não foi localizado.

    Direitos que o consumidor pensa que tem

    DEFESA DO CONSUMIDOR

    A Proteste (Associação de Consumidores) avalia que a lei paulista, que prevê que o devedor seja informado da inclusão em cadastros por via postal com Aviso de Recebimento (AR), é positiva.

    Na avaliação da associação, "o consumidor não pode ser penalizado com a inclusão em cadastros de inadimplentes sem ter informação da dívida e tem a proteção do Código de Defesa do Consumidor". E "o Aviso de Recebimento é uma forma de garantir que alguém recebeu e ele foi notificado".

    A Proteste informa ainda que apoia a aprovação do projeto de lei nº 85, de 2009, que pretende estender para todo o Brasil a exigência da notificação do devedor por AR. Segundo a entidade, o projeto foi desarquivado no Congresso, na forma do substitutivo aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

    "Mesmo inadimplente, o devedor tem direito de conhecer o débito e a notificação postal é uma garantia de que realmente foi informado. E os órgãos de proteção ao crédito devem excluir rapidamente informações incorretas ou inexatas de seus registros dos bancos de dados em curto prazo", informa a associação.

    Para o advogado Tiago de Lima Almeida, do escritório Celso Cordeiro e Marco Aurélio de Carvalho, que representa o PT em uma ação que defende a vigência da lei paulista, o consumidor tem seus interesses protegidos com a legislação. "A lei garante o direito à informação e, mais que isso, que o consumidor saiba a origem do débito antes que seu nome seja incluído em qualquer cadastro [de devedores] ou lista suja."

    Folhainvest

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