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    opinião

    O rebaixamento que não houve

    ANDRÉ PERFEITO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    15/10/2015 17h00

    A agência de classificação de risco Fitch rebaixou a nota de investimento do Brasil para um degrau acima da linha d'água que separa o lixo de todo o resto. Acrescentou que, além de colocar o Brasil à beira da piscina, ameaça empurrar a qualquer momento o país para dentro da vala comum do junk (com grau especulativo) entre hoje e daqui um ano. Me pergunto por que a Fitch não rebaixou de vez. Seria mais simples.

    O mercado lidou com cândida indiferença ao que a Fitch disse logo após o anúncio. Isso não quer dizer que não seja séria a situação. Pelo contrário, de tão séria, já está no preço como se diz coloquialmente nas mesas de operação. O downgrade do Brasil é uma bola cantada há tempos e, quando vier, pode até ter o efeito contrário. Para ter ideia de como é dado como certo o downgrade do país basta ver o CDS (uma espécie de seguro contra o não pagamento da dívida de um país).

    O Brasil hoje está com uma nota "BBB-" e possui um CDS avaliado em 439. Países com nota similar tem um custo bem menor para fazer um seguro. O CDS da Rússia está em 313, da Turquia em 270 e das Filipinas em modestos 112. Ou seja, literalmente já está no preço.

    GRAU DE INVESTIMENTO
    Entenda o que é e como afeta o país

    No entanto o que vai nos levar a perder o grau de investimento nem de longe tem a ver com a incapacidade de se fazer um ajuste propriamente fiscal. O verdadeiro problema está na dinâmica dos juros nominais pagos pelo governo que explodiram após a mudança drástica na política econômica.

    Para ter ideia entre janeiro e agosto desse ano o Tesouro desembolsou R$ 338 bilhões só no pagamento de juros, valor este 100% superior ao mesmo período do ano passado. Só de swaps cambiais gastamos uma bobagem de R$ 74 bilhões no mesmo período. Para colocar as coisas em perspectiva a Copa do Mundo custou, segundo algumas estimativas, em torno de R$ 30 bilhões. Não há ajuste que dê conta desse montante e o resultado líquido do pagamento de 8,45% do PIB só em juros será um aumento inevitável da dívida bruta para algo como 70% do PIB.

    Os juros pagos subiram por três motivos. O primeiro foi a elevação da Selic para conter a inflação que bateu nos títulos pós-fixados. O segundo foi a liberação de todos os preços administrados que somados à desvalorização do real fez a inflação explodir, reajustando para cima todos os títulos ligados a ela. E, por fim, a alta do dólar fez que os swaps acumulassem perdas substanciais. O Brasil não tinha mais dívida cambial, mas o BC resolveu assumir o risco cambial privado dando saída para todos. E depois dizem que o governo não ajuda os empresários. Enfim.

    A dúvida que resta é saber se essas variáveis vão melhorar o ano que vem uma vez que o PIB subir é improvável. De fato os juros devem cair o ano que vem segundo o Focus. Minha projeção é que a Selic fique em 13% o ano que vem. A inflação deve ceder na esteira da queda da renda real dos assalariados, e, por fim, o Dólar não deve subir mais 60% contra o Real. Tudo isso em conjunto pode trazer alívio à dinâmica da dívida pública.

    ANDRÉ PERFEITO é economista-chefe da Gradual Investimentos

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