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    Investimentos criam plataformas on-line que distribuem tarefas no mundo

    SARAH O'CONNOR
    DO "FINANCIAL TIMES"

    17/10/2015 02h00

    Yoshikazu Tsuno/AFP
    Câmera que segue o movimento dos olhos, usadas em tarefas da "nuvem"
    Câmera que segue o movimento dos olhos, usadas em tarefas da "nuvem"

    Aninhado em sua "caverna pessoal", uma sala repleta de caixas de papelão e iscas de pesca em sua casa em Rhode Island, Set Sar está ganhando dinheiro ao permitir que uma empresa acompanhe os movimentos de seus globos oculares por meio da webcam de seu computador.

    A cerca de 16 mil km, em Jacarta, Adi Nagara pesquisa sobre um setor da economia indonésia para uma consultoria. Ainda que façam tarefas diferentes, por quantias imensamente diferentes, e em partes distintas do planeta, os dois homens têm algo em comum: são membros da "nuvem humana.

    Nessa nova forma de realizar trabalhos, empregos de menor qualificação são divididos em centenas de projetos ou tarefas e depois dispersos por uma "nuvem" virtual de trabalhadores, localizados em qualquer parte do planeta —basta uma conexão de internet.

    Algumas tarefas são tão simples quanto procurar números de telefone na Web, digitar dados numa planilha ou assistir a um vídeo monitorado por uma webcam. Outras são complexas, como criar códigos de software ou realizar um projeto de consultoria em prazo curto. O que as unifica é que elas não são empregos, mas tarefas feitas por trabalhadores autônomos.

    BILHÕES DE DÓLARES

    Empresas investiram entre US$ 2,8 bilhões e US$ 3,7 bilhões em todo o mundo no ano passado, em pagamentos a trabalhadores e às plataformas on-line que intermedeiam as operações da nuvem humana, de acordo com um relatório recente da Staffing Industry Analysis.

    Para seus defensores, a nuvem elimina a escassez de profissionais capacitados, reduz o desemprego em áreas problemáticas e ajuda a criar uma meritocracia mundial. Há quem diga que isso pode nos devolver à era da produção caseira, antes que fôssemos empilhados em fábricas e escritórios e perdêssemos controle sobre o trabalho.

    "O que vemos hoje são as pessoas de novo assumindo a propriedade dos meios de produção, porque você só precisa de um computador, seu cérebro e de uma conexão wi-fi para trabalhar", diz Denis Pennel, diretor da Ciett, um lobby internacional de agências de emprego.

    "Marx deve estar muito contente, na verdade!"

    Os críticos veem na nuvem humana um oeste selvagem de empresas exploratórias e trabalho não regulamentado, levando as pessoas a uma concorrência mundial que as levará ao fundo do poço.

    "Isso faz com que a famosa divisão do trabalho nas fábricas de alfinetes descrita por Adam Smith pareça modesta", diz Guy Standing, acadêmico e autor de diversos livros sobre a ascensão do trabalho sem garantias.

    TURKERS E NERDS

    Sar, 29, se uniu à nuvem humana por meio do Mechanical Turk, um site da Amazon no qual "solicitadores" pagam aos "turkers" para realizar microtarefas em que humanos ainda são melhores que os computadores.

    Entre esses trabalhos estão a transcrição de gravações, respostas a pesquisas ou classificação de fotos com palavras-chave relevantes.

    O nome Mechanical Turk é uma referência a uma falsa máquina de jogar xadrez, do século 18 —na verdade havia uma pessoa escondida lá dentro. A Amazon —cujo lema para o serviço é "inteligência artificial"— define os trabalhos em oferta como "tarefas de inteligência humana", ou HITs.

    Muitas pagam apenas centavos de dólar por tarefa.

    Em um bom dia, Sar ganha até US$ 7 por hora com HITs em suas horas vagas (ele também tem um emprego em um armazém). Mas, depois que a Amazon elevou para 20% a comissão cobrada dos "solicitadores", ele diz que o número de pedidos caiu e o pagamento por tarefa também.

    Sar encontrou um novo site, Sticky Crowd, e recebe para assistir a vídeos e ler páginas de web, enquanto sua webcam acompanha exatamente o que atrai sua atenção e o que ele ignora —informação útil para os anunciantes. O pagamento é melhor: US$ 1 por dois a três minutos.

    Mais acima na lista existem plataformas como a Upwork, Freelancer e People per Hour, que oferecem tarefas mais sofisticadas, como redação de textos, trabalho de informática ou design.

    A Upwork, formada no ano passado por uma fusão de duas grandes plataformas, agora é a gigante da nuvem humana, processando cerca de US$ 1 bilhão em pagamentos no ano passado (dos quais ela fica com 10%). A companhia precisou de seis anos para chegar a US$ 1 bilhão, e calcula que em mais seis chegará aos US$ 10 bilhões.

    Alguns desses sites convidam trabalhadores a dar "lances" pelos trabalhos em oferta —especificando seus prazos e preços. Outros oferecem pagamento por hora.

    No entanto, no alto da hierarquia da nuvem humana, "padronização" é um termo chulo. "Não se trata de uma commodity "" os clientes não selecionam por preço", diz Daniel Callaghan, presidente-executivo da MBA & Company, que liga empresas a "consultores instantâneos".

    SÍNDROME DE UBER

    Talvez o mais espinhoso dos problemas, para a nuvem humana, seja o mesmo que afetou o Uber: quando um trabalhador independente deveria ser classificado como funcionário?

    Autônomos desobrigam as empresas de pagar salário mínimo, contribuições trabalhistas e de oferecer benefícios como auxílio-doença.

    Mas advogados e trabalhadores contestam: no ano passado, a plataforma de nuvem Crowdflower ofereceu mais de US$ 500 mil em um acordo extrajudicial para encerrar ação coletiva nos EUA que pedia salário mínimo.

    A maioria dos sistemas judiciários enfrenta dificuldade para acompanhar essas novas formas de trabalho. "Nesse tipo de arranjo, existe mais de um empregador —a lei não tem como lidar com isso", diz Jeremias Prassl, professor de Direito na Universidade de Oxford.

    Jonas Prising, presidente-executivo do ManpowerGroup, uma agência de emprego, prevê que as autoridades imporão mais regulamentos em breve. "Não se sabe quem está fazendo o trabalho, não se sabe quem está pagando o imposto, não se sabe a idade das pessoas que estão fazendo o trabalho."

    Apesar disso tudo, pode ser falso contrastar o trabalho "inseguro" da nuvem humana aos empregos "seguros" tradicionais —especialmente nos degraus mais baixos da hierarquia.

    Muitos dos trabalhadores de baixos salários nos países desenvolvidos tiveram seus direitos e proteções esvaziados. São terceirizados, o que significa que podem ser demitidos sem formalidades e sem direito a muitos benefícios. A nuvem humana pode não pagar muito, mas oferece a sensação de controle.

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