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    'Exclusividade é fundamental na internet', diz professor

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A MEDELLÍN (COLÔMBIA)

    20/10/2015 12h13

    Divulgação
    Jeff Jarvis, 61, professor da City University de Nova York
    Jeff Jarvis, 61, professor da City University de Nova York

    "Dá para explicar a Síria em cinco linhas? Não. Então não explique". "Seu rival publicou antes uma boa história? Não corra atrás. Apenas publique o link original do caso." "Seu leitor está nas redes sociais? Vá até ele, não tente trazê-lo para sua página."

    Foi com soluções como essas que o jornalista e acadêmico Jeff Jarvis, 61, expôs suas ideias sobre como os meios de comunicação devem se adaptar aos tempos de internet.

    Professor da City University de Nova York, Jarvis participou da programação da semana Gabriel García Márquez de jornalismo, promovida pela Fundación para el Nuevo Periodismo Iberoamericano, em Medellín (Colômbia).

    Folha - Você usou o caso do vestido que causou discórdia porque as pessoas o viam com cores diferentes como uma forma estúpida de dar notícias. Por quê?

    Reprodução/swicked/Tumblr
    Vestido que para alguns parece branco e dourado, mas na verdade é azul e preto
    Vestido gerou polêmica; para alguns parece branco e dourado, mas na verdade é azul e preto

    Jeff Jarvis - Esse caso é exemplar. Todo mundo pensou que precisava ter a sua versão dessa história, porque estava dando muita audiência, e todos começaram a publicar exatamente a mesma coisa. Isso não funciona.

    Deveríamos nos adaptar à ideia de que, num caso assim, o melhor é apenas publicar o link da história original.

    A internet não recompensa aqueles que fazem igual. A internet premia a personalização.

    Meu lema é "faça só o que você faz melhor e passe o link do resto".

    É isso que a internet pede.

    Mas se a pessoa clicar nesse link, sairá da nossa página. Isso não é ruim?

    Não. Por que presumir que só há uma única chance de manter um leitor? Se um veículo faz um bom trabalho todos os dias, as pessoas voltam no dia seguinte.

    Como vê os Instant Articles, que algumas publicações como o "New York Times" estão fazendo no Facebook?

    Acho bons. É preciso deixar que o conteúdo vá embora, levando anúncios, informações sobre assinantes, links e marca. Se o que oferecemos é bom, as pessoas voltarão buscando mais.

    Mas isso pode funcionar bem em comunidades idiomáticas grandes, veículos que publicam em inglês, espanhol, árabe ou chinês. No caso de um meio em português ou de um idioma falado por uma população menor, há mais obstáculos para essa viagem que propõe, não?

    Sim, pode ser. Mas é uma saída para jornais brasileiros, por exemplo, publicarem coisas em conjunto com meios portugueses. Sou a favor de mais compartilhamentos, creio que todos têm a ganhar. A saída está em compartilhar mais, não em encerrar-se, e essa saída pode incluir aqueles que eram antes nossos tradicionais rivais. Pode parecer loucura, mas, nessa nova situação, já não é.

    Restrições orçamentárias estão diminuindo verbas gastas com viagens, com correspondentes. Essa é uma tendência?

    O trabalho dos correspondentes é importante. Mas também creio que há ineficiência nesse sistema e a nova situação digital pode ajudar a reformar isso.

    Por exemplo, outro dia reclamei que o "Los Angeles Times" tinha abandonado Los Angeles, mas tinha um correspondente na Ásia para enviar o noticiário diário de lá.

    Mas como uma pessoa pode cobrir toda a Ásia? É absurdo. Pelo mesmo orçamento, poderiam contratar quatro pessoas que sejam multilíngues em Los Angeles para lerem a imprensa e a internet desses países.

    Mas cobrir a Ásia desde uma Redação na Califórnia também parece absurdo...

    Para a maioria dos casos não é. Você pode ter uma pessoa na Ásia de vez em quando, que vá para fazer algumas matérias exclusiva, com verba e tempo para realizá-las. E só. Que essa pessoa agregue, trazendo algo de alto valor e qualidade.

    O que quer dizer quando afirma que os veículos precisam buscar "comunidades"?

    É preciso detectar os grupos que compartilham interesses, mesmo estes sendo variáveis ou até efêmeros. É preciso saber onde os leitores moram, se têm filhos, se estão doentes, como se divertem. E servir diretamente esses interesses.

    Não só com notícias, mas com informações úteis, aplicativos, indicação de profissionais, de tratamentos, de educação sobre o assunto, sobre o mercado de trabalho em suas áreas. E, principalmente, oferecer a possibilidade de compartilhar sua experiência com outros. Não é uma questão de opção. Os meios não têm opção, terão de fazer isso. Agora a internet nos oferece saber mais sobre as pessoas, precisamos usar isso de forma inteligente.

    Você dá pouca importância à preocupação com privacidade?

    Estamos exagerando no medo. Quando surgiu a máquina fotográfica, as pessoas ficaram em pânico, achavam que aumentaria a pornografia, que segredos de segurança nacional seriam vazados. E o que aconteceu? Houve discussão, negociação, e estamos todos aqui.

    O que o ex-agente Edward Snowden revelou [que o governo dos EUA espionava cidadãos] não o choca? Em seu livro sobre o caso ("No Place to Hide"), Glenn Greenwald diz que mesmo informações nossas que não nos importam que sejam conhecidas podem ser usadas contra nós.

    A denúncia de Snowden é importante. Mas não podemos nos paralisar por causa do medo do que "poderia" acontecer. Se tivermos medo de tudo, não teríamos saído das cavernas.

    Snowden apresenta o governo como um inimigo da privacidade, e eu concordo com ele. Mas pedir uma regulamentação da informação, criar obstáculos para que seja pública é um absurdo. Temos de aprender a viver num mundo em que outras pessoas sabem muito sobre nós.

    A outra alternativa é pedir leis restringindo obtenção e controle de informação. Leis que, portanto, irão contra o exercício do jornalismo e da liberdade de expressão.

    Não podemos apoiar quem pede isso, é um retrocesso.

    A internet nos dá algo muito rico que é uma ótima ferramenta para compartilhar. E eu não quero perdê-la por causa da paranoia. Há muito mais benefícios que podem vir dela.

    Você diz que existem maneiras novas para que o jornalismo continue sendo viável do ponto de vista financeiro. Quais são?

    O paywall (sistema de cobrança pelo conteúdo digital) vai fracassar. A ideia de cobrar por conteúdo funciona no caso de um filme para o cinema ou de um programa para a televisão, onde é preciso criatividade.

    A informação é diferente. Seu valor não é o mesmo de uma obra artística, porque perde a importância muito rápido. É valiosa apenas até ela ser entregue ao leitor. Assim que ele a recebe e entende, puf!, Seu valor se perde.

    Como convencer as pessoas a pagarem pela informação?

    Defendo um sistema de associação que seja diferente de uma assinatura. Precisamos desenvolver uma estratégia de relacionamento que nos aproxime das pessoas. É necessário criar produtos para grupos menores e não para um país todo. E aceitar que os valores pagos pela informação não necessariamente virão em forma de dinheiro.

    Por exemplo?

    Pode-se estabelecer que, se um sócio traz dez membros, daremos a ele o caráter de gratuito. Se esse sócio tuíta ou posta o conteúdo do veículo nas redes sociais, receberá prêmios adicionais, como acesso a jornalistas ou a tomada de decisões. Isso fará com que as pessoas queiram merecer serem sócias e aportarão algo mais do que dinheiro, em visibilidade, em compartilhamento, coisas que podem ajudar a chamar anunciantes.

    Mas alguns veículos cobram por conteúdo e vão bem, como o "Financial Times" e a "Economist".

    Mas essas são publicações excelentes. Se você realmente é bom como elas, se você é único e eu não puder encontrar suas coisas em nenhum outro lugar, aí sim, pode cobrar. Se você está cobrindo as notícias do dia a dia, então não dá, porque todo o mundo está fazendo isso.

    A jornalista viajou a convite da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano

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