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    Economistas discutem se ainda está nas mãos do BC conter a inflação

    GUSTAVO PATU
    DE BRASÍLIA

    23/10/2015 02h00

    Sergio Lima/Folhapress
    Fachada do Banco Central, em Brasília
    Fachada do Banco Central, em Brasília

    Não deveria ser motivo de surpresa o anúncio, feito na linguagem cifrada do Banco Central, de que o cumprimento da meta de inflação está adiado para um futuro incerto. Trata-se, afinal, da prática seguida desde 2011.

    Mas há novidade, sim, em torno do comunicado do BC desta quarta (21), quando se decidiu manter a taxa de juros em 14,25% anuais, a despeito da piora inflacionária.

    "A manutenção desse patamar da taxa básica de juros, por período suficientemente prolongado, é necessária para a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante da política monetária", diz o documento.

    INFLAÇÃO - As expectativas para 2016 aumentam continuamente, sem que o BC aja (Projeção central para o IPCA, em %)

    O ineditismo não está no texto, que repete expressões adotadas nos últimos anos de hesitação entre fazer o essencial para reduzir a inflação a 4,5% ao ano —elevar os juros— e o temor de deprimir ainda mais a economia.

    "Período suficientemente prolongado", por exemplo, significa todo o tempo que se possa aguardar até a tomada de uma decisão. "Horizonte relevante", como se nota em atas de reuniões passadas, é algo como dois anos.

    Interpretou-se, portanto, que o BC desistiu da promessa, tornada pública no final de 2014, de fazer o necessário para atingir a meta inflacionária em 2016; a "convergência" ficou para 2017.

    Desta vez, entretanto, a procrastinação acontece sob um novo contexto: as dúvidas não se limitam mais à determinação e à autonomia do BC; agora, a discussão é se a tarefa está a seu alcance.

    Ou, em outras palavras, se uma alta adicional dos juros, já exorbitantes, seria eficaz em conter os preços —ou, até, se produziria o efeito oposto.

    DÍVIDA - Com o ajuste fiscal empacado, a dívida pública está em alta acelerada (Segundo estimativas do FMI, em % do PIB)

    Estáveis até o final de agosto, as expectativas de investidores e analistas para a inflação de 2016 saltaram, nas últimas semanas, de 5,5% para 6,1%, e a tendência ainda é de aumento. Mesmo assim, o BC ficou imóvel.

    Ao menos parte da explicação é que a piora das previsões foi impulsionada pela escalada das cotações do dólar, fenômeno global pelo qual a política de juros não tem responsabilidade.

    Elevar os juros é eficaz para dificultar o crédito e o consumo; para segurar o encarecimento de produtos importados, não. Por isso, subir as taxas para reduzir uma inflação contaminada pelo câmbio seria impor um sacrifício exagerado ao país.

    DÓLAR - As expectativas de uma disparada do dólar em 2016 arrefeceram (Projeção central para o câmbio ao final do ano, R$)

    A PIOR DAS HIPÓTESES

    Uma hipótese mais assustadora passou a ser debatida por acadêmicos e operadores: as contas do governo já teriam se degradado a ponto de tornar o BC impotente.

    Por esse raciocínio, uma alta dos juros agravaria a disparada da dívida pública; com medo de calote, investimentos migrariam dos títulos federais para o dólar, cujas cotações subiriam ainda mais, alimentando a inflação.

    Na teoria econômica, chama-se tal situação de dominância fiscal. A experiência, incluindo a do Brasil nas décadas de 1980 e 1990, mostra que um endividamento público insolúvel pode acabar em hiperinflação.

    DÓLAR - As cotações do dólar subiram fortemente no ano (Cotação média do mês, R$)

    O diagnóstico para o presente está longe de ser consensual entre os economistas. O Banco Central, inclusive, indica que uma alta futura dos juros não está descartada ("a política monetária se manterá vigilante", afirma o comunicado).

    De concreto, porém, a política monetária é refém da fragilidade do governo Dilma Rousseff, incapaz até agora de aprovar no Congresso um ajuste orçamentário que dê previsibilidade à dívida pública. É o que o ex-presidente do BC Gustavo Loyola chama de "dominância política".

    DÍVIDA - A dívida pública está em patamares inferiores aos do início da década passada (Segundo cálculos do FMI, em %)

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