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    Engenheiro brasileiro diz como chegou ao Google e por que decidiu deixá-lo

    DEPOIMENTO A
    FERNANDA EZABELLA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE SÃO FRANCISCO (EUA)

    25/10/2015 02h00

    Divulgação
    Thiago Robert Santos, 34, conta como entrou em uma das empresas americanas mais desejadas
    Thiago Robert Santos, 34, conta como entrou em uma das empresas americanas mais desejadas

    Thiago Robert Santos, 34, engenheiro de software, passou quase dez anos no Google, incluindo o então projeto secreto dos óculos Glass e o site de vídeos YouTube.

    Formado em ciência da computação em SC, deixou o país em 2005 por causa da mulher, americana, e atrás de uma vaga na meca da tecnologia.

    Apenas o emprego ficou, não sem os altos e baixos de uma das firmas mais valiosas do Vale do Silício. Leia abaixo o seu depoimento.

    *

    Completar dez anos de Google foi uma grande motivação para eu sair da empresa. Sentia falta de um desafio, estava acomodado. E pensar que, quando falei para meus amigos que estava indo morar nos EUA e ia arranjar um emprego no Google, todos riram. Até eu achava que era brincadeira.

    Minha primeira experiência nos EUA foi num resort de ski na Califórnia. Ajudava a colocar o pessoal na cadeirinha do teleférico, cavava neve, cortava lenha. Foi quando conheci minha ex-mulher, uma americana que mais tarde viria estudar no Brasil, onde nos casaríamos.

    Morávamos em Florianópolis e tínhamos uma vida confortável quando decidimos passar uma temporada nos EUA, em 2005. Larguei o emprego de engenheiro de software na Motorola e mandei currículos para mais de cem empresas do Vale do Silício.

    Já tinha duas propostas de emprego quando o Google me fez uma oferta. Foram dois meses de processo e dez entrevistas com eles. O salário era menor, um cargo inferior, mas era meu sonho trabalhar lá. Na época, o Google ainda tinha uma aura bastante positiva, não era a gigante de hoje com essa conotação ruim de usar as informações de todo mundo.

    No meu primeiro ano e meio, passei deslumbrado e trabalhando 11 horas por dia. Até que eles começaram a focar muito em dinheiro e aquilo era incongruente com a visão de fazer o bem. Resolvi escrever um e-mail para os fundadores e para o presidente-executivo Eric Schmidt.

    Falei que tinha notado a mudança de foco da empresa e propus encontros com grupos de funcionários para que a gente pudesse conhecê-los melhor. Ou eu seria demitido ou absolutamente nada aconteceria, certo?
    Mas, três minutos depois, Schmidt me respondeu e disse que achava a ideia boa.

    O almoço aconteceu e hoje eventos de tipo são parte da cultura do Google. Passei dois anos na equipe de telefonia móvel e quatro anos no grupo de busca.

    Quando estava na área de mercados emergentes, fiquei sabendo de um projeto secreto do Google e, mais uma vez, fui impulsivo. Mandei um e-mail para um amigo que descobri estar trabalhando lá e pedi um emprego na lata.

    O projeto era o Glass, e eu não podia falar nada para ninguém até três meses depois de ser contratado, quando apresentamos oficialmente aos funcionários. Recebemos três minutos de aplausos de pé, foi um dia memorável.

    Fiquei chateado que o Glass não fez sucesso, mas depois de um ano deu para perceber que o projeto caminhava para algo que nós, engenheiros, não acreditávamos.

    Queriam fazer do Glass um Rolex, um símbolo de status, um artigo de luxo de moda. Meus dois anos por lá foram estressantes, longas horas e finais de semana de trabalho. Meu chefe dizia que tinha mais orgulho do Glass do que de seu filho de seis anos.

    Passei meu último ano de Google fora da sede, no YouTube, onde o ambiente era melhor e as pessoas sorriam. O problema é que a empresa não sai do lugar, tudo demora anos para acontecer por lá. Há poucos engenheiros de software negros no Google, mas a comunidade se organiza e realiza eventos, como encontros com CEOs negros.

    Ao contrário do Brasil, nunca passei por preconceito nos EUA, com exceção de um bêbado que tentou arranjar briga comigo num bar. O preconceito sempre foi parte da minha vida, principalmente quando deixei São Paulo para ir morar no Sul.

    Estudei em escola particular em Joinville e era o único negro da minha classe na faculdade. Você acaba criando uma casca grossa e, hoje, com meus dreadlocks de 13 anos, já me acostumei com o pessoal olhando diferente.

    Os brasileiros também têm seu grupo próprio no Google. Ao contrário dos indianos, que falam sim para tudo, e dos japoneses, que são mais fechados, o brasileiro tem confiança e é extrovertido. Não tenho um estilo de vida ostensivo, moro com um amigo e pagamos aluguel. Economizo bastante, faço investimentos e gosto de fazer trabalho voluntário.

    Foi no Google que conheci a fundadora da Nayah Solutions, uma ONG de educação e tecnologia para países africanos. Em 2013, paguei a viagem e consegui 25 dispositivos Android para dar um curso na Universidade de Zanzibar que ajudou a criar uma das cadeiras do programa de ciência da computação.

    Em julho, saí de vez da bolha. Gostaria de abrir minha própria empresa e preciso ter desenvoltura como engenheiro para não ficar limitado às ferramentas do Google. Comecei numa startup de vídeo chamada Periscope e, apesar de sentir falta das mordomias de antes, meu foco é outro. Aqui posso ter um impacto muito maior e não sou apenas uma engrenagem num motor gigante.

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