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    TCU vê omissão da Infraero em contratos de aeroportos

    RICARDO GALLO
    DE SÃO PAULO

    05/11/2015 02h00

    Um relatório sigiloso do TCU (Tribunal de Contas da União) aponta que a Infraero permite às concessionárias de aeroportos das quais é sócia contratar empreiteiras do mesmo grupo ao qual pertencem por valores acima do mercado, o que pode causar perdas à própria estatal.

    Obtido pela Folha, o documento alerta para o risco "potencial" de que contratações nessas condições sirvam para elevar o lucro dos acionistas privados em aeroportos concedidos à iniciativa privada, em prejuízo da Infraero.

    São R$ 8 bilhões em contratos com empresas ligadas aos acionistas controladores nos aeroportos de Guarulhos, Brasília, Viracopos e Galeão –que firmaram compromissos com OAS, Engevix, UTC e Odebrecht, respectivamente, todas envolvidas na Operação Lava Jato. Confins, o outro dos cinco concedidos, não mantém contratos do tipo.

    Como funciona a contratação questionada pelo TCU

    O lucro com essas contratações, diz o TCU, pode se dar à custa de recursos federais, via "aportes da Infraero acima do necessário", diz trecho do documento, versão preliminar de relatório sobre a Infraero, de 73 páginas e concluído em julho.

    A estatal tem 49% desses aeroportos e, a cada contratação, investe proporcionalmente à sua fatia. Sem seus aeroportos mais lucrativos, a empresa teve prejuízo de R$ 4,9 bilhões em 2013 e 2014.

    RISCO

    A contratação de empresas ligadas ao acionista controlador é prevista na concessão. Mas, diante do risco de proporcionar ganho indireto às concessionárias dos aeroportos, foi estabelecido um poder de veto à Infraero.

    Cabe à estatal verificar as condições do contrato, antes de ele ser realizado, de modo a atestar se os gastos de fato correspondem aos reais.

    GUARULHOS

    É isso o que a Infraero não tem feito, aponta o tribunal.

    Na prática, a estatal se limita a aceitar como verdadeiros o que dizem pareceres de consultorias contratadas pelas próprias concessionárias, sem examinar a consistência.

    Ao analisar os preços das contratações, o tribunal identificou obras acima do valor de mercado: a diferença entre o orçamento da concessionária e o do TCU foi de R$ 399 milhões em Guarulhos, de R$ 123 milhões em Brasília e de R$ 752 milhões em Campinas.

    No Galeão, não houve comparação pois a Infraero não enviou a documentação, diz o TCU; a estatal nega.

    A avaliação dos preços foi feita por meio de referência de obras aeroportuárias da Infraero e de dados dos contratos das concessionárias.

    GALEÃO

    O tribunal diz não ser possível checar superfaturamento em nenhum caso, devido à insuficiência de informações –isso exige dados que não constavam nos documentos recebidos, como composição de preços unitários e detalhamento da quantidade de material usados.

    As concessionárias disseram cumprir as regras dos contratos (leia texto ao lado).

    'BOA-FÉ'

    De acordo com o TCU, a Infraero afirmou não exercer o poder de veto porque "supõe que a execução contratual se fará regularmente segundo o princípio da boa-fé". Disse ainda desconhecer remuneração a mais e que a responsabilidade pelos contratos é dos administradores privados.

    "As constatações (...) indicam que contratações efetuadas pelas concessionárias podem estar possibilitando extração indevida de ganhos da concessionária para favorecer partes relacionadas, com a criação de mecanismos indiretos dos grupos econômicos dos acionistas privados."

    O documento, enviado ao presidente da Infraero, Gustavo do Vale, propõe que a estatal não participe de novas concessões até corrigir os problemas. O sigilo permanece até o processo ser analisado pelos ministros do TCU, o que ainda não tem previsão de ocorrer.

    BRASÍLIA

    OUTRO LADO

    A Infraero discorda das conclusões apontadas em relatório do TCU. A estatal diz que os procedimentos que adotou são os mais adequados ao modelo de concessões.

    Afirmou ainda que os apontamentos estão "em relatório preliminar ainda não examinado de forma conclusiva pelos ministros" e que já prestou esclarecimentos que espera serem acolhidos no julgamento final do caso.

    Acrescentou que o documento reflete "opiniões e juízos exclusivos da equipe técnica do tribunal de contas".

    A Secretaria de Aviação Civil diz esperar a posição final do TCU para falar –o mesmo respondeu a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

    As concessionárias Inframérica (Brasília), GRU Airport (Guarulhos), Aeroportos Brasil Viracopos e RIOgaleão disseram cumprir todas as regras dos contratos de concessão e de governança.

    VIRACOPOS

    A Inframérica acrescentou que todas as condições dos aditivos listados pelo TCU foram submetidas a auditoria independente e seguiram normas de compliance (boa conduta).

    A contratação de empresa do mesmo grupo, disse, foi aprovada pelo conselho de administração, integrado, entre outros, pela Infraero e pela Secretaria de Aviação Civil. A Aeroportos Brasil Viracopos afirmou desconhecer "relatórios e informações relativos à fiscalização do órgão federal".

    A BH Airport (Confins) disse não ter contratado obras e serviço de engenharia de empresa ligada ao controlador.

    Entre as empreiteiras citadas, a Engevix (Brasília) e a UTC (Viracopos) não se manifestaram. O consórcio construtor Galeão (Odebrecht e MPE) disse seguir a lei trabalhista atual. A OAS (Guarulhos) não respondeu.

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