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    Mercado 'geek' prova que tem escala no Brasil, diz curador de livraria

    FERNANDA PERRIN
    DE SÃO PAULO

    22/11/2015 02h00

    O guarda-roupa de Igor Oliveira, 37, responsável pela implementação das lojas Geek.etc.br, da Livraria Cultura, será posto à prova. Até a estreia do novo filme "Star Wars", em 17 de dezembro, ele pretende usar camisetas da saga todos os dias, sem repetir.

    Essa obsessão, que também se reflete na disposição em gastar altas somas em produtos que vão desde roupas a brinquedos, é um dos traços marcantes do mercado "geek". Formado por fãs de quadrinhos, videogames e tecnologia, o segmento foi uma das apostas da livraria em 2012, quando abriu a seção voltada para "nerds".

    Para o ano que vem, Oliveira espera "desafios grandes", em razão do momento econômico. Por outro lado, acredita no potencial do mercado de games e coleções de livros.

    Bruno Santos/Folhapress
    Igor Oliveira, 37, na loja Geek.etc.br, em São Paulo
    Igor Oliveira, 37, na loja Geek.etc.br, em São Paulo

    Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Oliveira à Folha.

    *

    Folha - Quais são as diferenças entre o nerd e o geek?
    Igor Oliveira - A definição mais comum é que o geek tem um viés mais de tecnologia, fazendo referência ao Steve Jobs e ao Bill Gates, enquanto o nerd tem de cultura pop. Eu gosto de usar essa terminologia para me referir a uma obsessão saudável pelas coisas. Se eu curto determinado quadrinho, eu vou até o fim: quero saber quem escreveu, desenhou, ler outras histórias desse personagem.

    Quando os "geeks" viraram um mercado consumidor?
    Igor Oliveira - A popularidade do seriado "The Big Bang Theory" chamou atenção para isso. As pessoas se reconheceram naqueles personagens, por mais estereotipados que fossem. Ao mesmo tempo, vieram os filmes de super-heróis da Marvel. E aí, falando mais de Brasil, vivemos um momento bem prolífico no mercado de videogames, que foi inclusive nosso gatilho para pensar o projeto das lojas Geek. Antes, faltava mostrar que o país tinha escala para isso.

    O seriado "The Big Bang Theory" popularizou o estilo geek no Brasil?
    Não foi só ele, porque a popularidade dos super-heróis da Marvel também é bem forte. O projeto da Marvel, principalmente enquanto empresa do grupo Disney, faz toda a diferença. É uma atuação de décadas cuidando das coisas dessa forma, fazendo 360 [lançando itens variados de uma mesma marca] com suas franquias de produtos. É o que está acontecendo com Star Wars agora, que nunca aconteceu no Brasil antes. Onde você entra, fica inundado de coisas de Star Wars.

    Qual é o perfil do "geek"?
    Faixa etária dos 18 ao 35 anos, cerca de 70% homens e 30% mulheres. É um público muito seletivo, que gosta de se segmentar. Tem guetos neste mundo que você tem quase que passar por uma prova de conhecimento para frequentá-los. Há um público, por exemplo, que chama o novos geeks de 'bazingueiros' [da expressão 'bazinga', utilizada pelo personagem Sheldon Cooper, de "The Big Bang Theory"], de modo pejorativo. E, apesar de ser uma concentração menor de pessoas, eles consomem muito mais, e o tempo todo.

    Essa relação também faz com que os consumidores estejam mais dispostos a gastar com suas "paixões".
    E ainda gastam uma nota fazendo 'cosplay' [fantasia de personagem] para ir em uma convenção. Neste sentido, é um aspecto positivo. Acho que as pessoas tinham que ter um pouco mais esse tipo de relação com as coisas, de não deixar passar batido na sua vida um livro que te transformou. Essa coisa inspiracional tem muito a ver com mitologia, e todos esses universos 'geeks' são construídos ao redor de uma mitologia muito forte.

    Quais são as dificuldades?
    Você tem que entender esse mundo e gostar dele. Quem faz meio artificial, só para entrar na onda, nasce hoje e morre amanhã.
    O mercado de games, por exemplo, trabalha muito com datas mundiais de lançamento, e existe uma ansiedade tremenda do cara que quer comprar e ir para casa jogar. Mas às vezes tem alguns atrasos, o fornecedor não consegue cumprir a data por algum motivo. Aí o cara fica desesperado para jogar de qualquer jeito.

    O que motivou a livraria a investir no segmento, em 2012?
    Nós começamos a trabalhar com games em 2009 e, como o mercado estava muito aquecido, quisemos aproveitar. Aí tivemos uma reunião em que eu falei 'cara, vamos fazer uma loja de nerd, não só de game'.
    Não fizemos um estudo formal de mercado porque essa área é muito difícil. Não tinham informações segmentadas sobre livros. O mercado de licenciáveis era pequenininho, o de games era incipiente em termos de dados.

    O que mudou de lá pra cá?
    O que mais cresceu foram os produtos licenciados, como camiseta, papelaria. No segmento de brinquedos, além das estátuas, o que cresceu muito foi a parte de jogos de cartas e tabuleiros. Um dos campeões de venda é o Zombicide [Galápagos, R$ 329,90], de apocalipse zumbi.

    Esses segmentos superaram os de livros e de games?
    O mercado editorial é mais ou menos estável há alguns anos, mas ele cresceu este ano com a chegada dos livros de "Star Wars". Os caras mais radicais dizem que só leem no original em inglês, importado de fora, mas é notório que as pessoas estão lendo mais publicações nacionais

    Ficção científica e fantasia também entram nessa onda?
    A ficção científica tem um público mais específico. Não é todo mundo que está lendo Star Wars que vai ler o Isaac Asimov. Talvez um dia. Existe um público que lê, mas os volumes são muito maiores, as tiragens são completamente diferentes. A fantasia vive um outro movimento de muitos novos autores brasileiros optando por ela, e menos pela ficção científica. Os que são muito lidos hoje são Affonso Solano, Carolina Munhóz, Raphael Draccon.

    Mas é um nicho que ainda sofre muito preconceito no meio literário. Não é todo dia que você vê emplacando um George R. R. Martin [autor da série "As Crônicas de Gelo e Fogo", sobre a qual se baseia o seriado "Game of Thrones"], com pessoas falando que a escrita desse cara é boa. Dizem que isso não é literatura. Isso é uma bobagem. Nas distopias adolescentes como "Jogos Vorazes" [de Suzanne Collins], por exemplo, se você olhar as últimas bienais do livro, lotadas de adolescentes atrás desses autores. Tem coisa boa e coisa ruim nisso. Essas pessoas precisam em algum momento, conforme forem crescendo, tomarem contato com outros autores.

    Qual é o futuro do mercado?
    Ano que vem no geral está se configurando como um ano de desafios grandes. Nos últimos dois anos, o mercado de games passou por uma barrigada, porque foi a troca das gerações de consoles e o dólar subiu muito, mas acho que em 2016 ele volta a engrenar. Em termos de quadrinhos e livros, foi impressionante o crescimento neste último ano das coleções, como da Marvel. O colecionismo é uma característica muito forte desse segmento.

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