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    Brasil e Argentina vivem ciclos similares, diz empresário de mídia

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES

    20/11/2015 02h00

    Mariana Eliano - 17.dez.2011/Folhapress
    O empresário Jorge Fontevecchia, cofundador do Grupo Perfil
    O empresário Jorge Fontevecchia, cofundador do Grupo Perfil

    Os dois candidatos que disputam neste domingo (22) o segundo turno da eleição argentina, Daniel Scioli (FPV) e Mauricio Macri (PRO), estiveram recentemente juntos na inauguração das instalações do Grupo Perfil, uma das principais empresas multimídia do país.

    Para o publisher e cofundador do conglomerado, Jorge Fontevecchia, 60, tratou-se de um momento exemplar das mudanças que devem ocorrer na Argentina após a votação. Afinal, o período do kirchnerismo (2003-2015) foi de grande enfrentamento do poder com os meios independentes, como "La Nación", Grupo Clarín e Grupo Perfil.

    Fontevecchia, que comprou em junho sete revistas da editora Abril (já havia comprado outras dez recentemente), disse ser otimista quanto à recuperação econômica do Brasil e da Argentina, e um futuro "de longa vida aos meios impressos, com as novas plataformas".

    Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

    *

    Folha - O que significou a vinda de Daniel Scioli e Mauricio Macri à festa de inauguração da Redação do Grupo Perfil? É um novo momento para a imprensa na Argentina?

    Jorge Fontevecchia - Sim, os anos do kirchnerismo foram muito difíceis para nós. O enfrentamento do governo com o "Clarín" e o "La Nación" dura seis anos, mas com o "Perfil" a guerra começou muito antes, no primeiro dia do governo de Néstor Kirchner, em 2003. Fomos os primeiros a não temer fazer críticas à sua gestão.

    Diferentemente do "Clarín", o "Perfil" ganhou uma causa contra o governo na Justiça.

    Sim, entramos com um processo porque o governo se recusava a destinar verba de propaganda ao "Perfil", éramos o único jornal a não receber nada. Outra dificuldade foi que, em 2004, Néstor Kirchner decidiu que, para cada publicação do Grupo Perfil, haveria concorrência específica, e forneceu subsídios a empresários para que se criassem publicações rivais.

    O que crê que ocorrerá com o enorme conglomerado de meios governistas criados nos últimos anos?

    Depende. Existem dois tipos. Os que foram criados com financiamento do Estado, com subsídios diretos, como os do grupo Szpolski [publica os jornais "El Argentino" e "Tiempo Argentino", possui a emissora CN23 e mais de 20 outros meios], não terão como subsistir.

    Já os que são mantidos por empresários kirchneristas que têm muitos recursos, como Cristóbal López [dono de rede de cassinos, hotéis, da emissora C5N, rádios, entre outros], serão uma outra história, pois o caso deles dependerá de um realinhamento político que não sabemos ainda como vai ser.

    O que o sr. acha da Lei de Meios [para diminuir a concentração dos grupos de mídia], que o governo Cristina Kirchner aprovou em 2009?

    O diagnóstico a partir do qual foi elaborada é correto, pois é ruim para a democracia que qualquer empresa tenha uma posição dominante no mercado, como ocorria com o Grupo Clarín [com jornal, TV a cabo e aberta, provedor de internet e rádios].

    A terapia aplicada, porém, foi errada. O que deveria ter sido feito era muito simples: uma lei de defesa da competição em que ninguém pudesse ter mais de 25% do mercado de comunicação.

    Ao final, elaborou-se legislação com o objetivo de prejudicar apenas a um grupo específico, o "Clarín" [que foi obrigado a desinvestir, abrindo mão de alguns meios].

    Crê que Macri vá ganhar as eleições no próximo dia 22?
    Sim, acho que o que vai acontecer corresponde à lógica das corridas de cavalo: aquele que alcança ganha. Achava-se que não era possível antes do primeiro turno. Agora, há um movimento de mudança que não deve ser interrompido.

    Mariana Eliano - 17.dez.2011/Folhapress
    O empresário Jorge Fontevecchia, cofundador do Grupo Perfil
    O empresário Jorge Fontevecchia, cofundador do Grupo Perfil

    E o que essa mudança significará para a Argentina com relação ao Brasil?

    Creio que vivemos ciclos parecidos. Essa mudança aqui talvez tivesse ocorrido também na última eleição brasileira, caso ocorresse alguns meses depois. Brasil e Argentina vivem um mesmo ciclo que está sendo encerrado. O que está ocorrendo aqui não é nada mais que a expressão tardia do que vem acontecendo no Brasil desde a eleição de Dilma, quando há um mal-estar crescente visível.

    As sociedades se cansam, não se trata apenas de uma questão política, mas sim sociológica. Foi um erro do PT aspirar uma continuidade que não é humana. Depois de tanto tempo, as pessoas desejam algo diferente.

    O kirchnerismo e o petismo se espelharam muito. Um dos derrotados nesse primeiro turno argentino foi Lula. O mesmo Lula, que, por sua vez, influenciou Eduardo Duhalde, em 2002, para que se criassem aqui planos de assistência social como os do Brasil. Esses planos eram necessários naquele momento, foram importantes numa Argentina que vinha golpeada pela crise [de 2001] e passou a ver a pobreza aumentar.

    O sr. crê que esses ciclos dos dois países estão associados?

    Vivi no Brasil no fim dos anos 80 e no começo dos anos 90. Creio que os dois países estão num constante jogo de "efeito Orloff" sinergético. Como era aquela propaganda? "Eu sou você, amanhã"? Compartilhamos experiências e nos alimentamos um do outro. Foi assim nas ditaduras, nas hiperinflações, no retorno à democracia.

    A mudança que ocorre na Argentina não pode ser vista de forma isolada da questão regional. Tem a ver com o fato de que os dois países passaram por um ciclo de crescimento movido pela venda de matéria-prima e agora passam por outro momento.

    Há certo descontentamento no Brasil, principalmente entre empresários, com relação ao rumo que a Argentina tomou. O que acha?

    Estou ciente das críticas ao Mercosul, e de muita gente que preferiria que o Brasil não estivesse tão ligado à Argentina, à Venezuela. Mas acho que isso vai mudar logo. A Argentina não é a Venezuela e é um mercado importante para o Brasil. Passamos um momento ruim agora, os dois países, mas teremos um primeiro semestre de 2016 complicado, um segundo semestre de recuperação e um 2017 de crescimento.

    Aqui na Argentina observa-se uma polarização excessiva da sociedade. Crê que o futuro presidente poderá amenizar isso?

    Acabar com a "grieta" [fenda] é o grande desafio do próximo governo. Sou otimista, creio que sim. Vivemos um processo parecido ao que ocorreu na Espanha depois da Guerra Civil (1936-39). A ferida era profunda, mas o tempo se encarregou, porque as pessoas envolvidas foram envelhecendo e morrendo.

    Quem quer que ganhe a eleição na Argentina agora já será alguém com menos de 60 anos, ou seja, que não tem mais o envolvimento com a ditadura [1976-83] que as gerações anteriores tiveram. Essa "grieta" vai se fechar, não tenho dúvidas.

    O sr. comprou recentemente sete publicações da editora Abril ["Placar" e "Contigo", entre outros] e segue investindo no mercado brasileiro, que vive um momento de pessimismo por causa da redução da verba publicitária. Por quê?

    Creio que o pessimismo é exagerado. Entendo que se associe a queda publicitária com a crise econômica, e ambos são problemas reais. Porém, creio que o Brasil sairá fortalecido dessa crise, com instituições mais sólidas. Depois do período e da retomada do crescimento, não tenho dúvida de que haverá mercado para jornais, TVs, revistas e meios digitais.

    Os empresários da mídia argentina não parecem tão preocupados com queda de circulação dos jornais ou a redução da publicidade. Por quê?

    Somos duas culturas diferentes. O Brasil olha muito para os EUA, o mercado argentino está mais identificado ao europeu, onde essa urgência de migrar para o digital não é tão grande. O Brasil sempre foi mais televisivo, a Argentina, mais habituada à imprensa escrita.

    Vejo um retorno ao papel agora, pois a publicidade on-line tem imensa dificuldade de se expandir. Dito isso, porém, concordo que as empresas jornalísticas terão de ser cada vez mais multiplataforma. Caminhamos para a multissegmentação, é inevitável. Tem a ver com o redesenho de modelos aos hábitos de leitura e aos tempos da audiência. Se antes havia mais leitura de segunda a sexta, hoje é de sexta a domingo.

    Comparo o que ocorre com as transformações atuais por causa da internet com o teatro aqui na Argentina. Nos anos 1920, havia salas para 3.000 pessoas, com duas sessões diárias, orquestra, mais de 50 atores no palco. Hoje há muito mais salas, mas com apenas 300 poltronas, quatro atores e sessões de quinta a domingo. Há menos teatro? Não, apenas mudou o modo como se apresenta e é consumido.

    Como o teatro, o meio gráfico tem um fetiche, algo que não vai se extinguir, por mais que a internet seja uma maravilha e represente um salto quântico na história da humanidade.

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