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    Rebelde e pop, ex-ministro das Finanças grego escreve para os jovens

    LUCIANA COELHO
    EDITORA DE "MUNDO"

    21/11/2015 02h00

    Alkis Konstantinidis/Reuters
    O então Ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, em Atenas em julho de 2015
    O então Ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, em Atenas em julho de 2015

    O grego Yanis Varoufakis, 54, nunca foi o típico ministro da Economia.

    A aparência vistosa -cabelo raspado, camisas estampadas alternadas a camisetas justas que facilmente o camuflariam nas pickups de um evento de música eletrônica- pode ser o que o distanciará, à primeira vista, de pares como Joaquim Levy, Ben Bernanke, George Osborne.

    Mas à primeira vista é o que menos importa.

    Se por fora Varoufakis destoa dos colegas, algo que lhe valeu lugar cativo diante das lentes dos fotógrafos (a ponto de o jornal britânico "The Guardian" listar um retrato seu entre as melhores imagens de artistas e ídolos do entretenimento no ano), nas ideias ele parece simplesmente vir de outro planeta, mais ainda se comparado aos demais ministros do eurobloco.

    Varoufakis é marxista, algo raro no círculo de poder europeu ocidental, mesmo em sua periferia. Mais raro ainda, é um rebelde em um ambiente que recompensa a conformidade (e a rapidez de adaptação às estruturas).

    Suas declarações sem pruridos acerca do que sempre acusou ser uma campanha europeia contra a Grécia e à eventual incompetência dos compatriotas em administrar dinheiro o alçaram ao palco global, lugar que mantém mesmo após deixar o gabinete, em julho, menos de seis meses após assumir.

    A experiência política rendeu dividendos, mas não um final feliz.

    O Siriza saiu vencedor do referendo em que os gregos rejeitaram as exigências do pacote de crédito montado pela UE e pelo FMI, mas mesmo assim o premiê Alexis Tsipras precisou negociar. Varoufakis, voz mais potente a se opor às condições do pacote, acabou saindo para facilitar o processo.

    Não que ele se veja por baixo por causa disso.

    "Professor de economia, que passou anos escrevendo na surdina sobre textos acadêmicos obscuros até ser jogado aos olhos do público pela inépcia europeia em lidar com uma crise inevitável" é como ele se descreve em sua página na rede social Twitter, onde se mantém superativo.

    E não só ali. Nas muitas entrevistas que continua a dar após deixar o cargo, sobretudo à imprensa europeia e à americana, a toada é igual.

    A descrição reforça o personagem. Varoufakis, para quem a crise grega sempre foi muito mais da Europa do que de Atenas, gosta de ser visto como "outsider", o estranho no ninho. É reconhecido nas ruas, é casado com uma artista. É, definitivamente, pop.

    LIÇÕES DE ECONOMIA

    Pílulas desse seu pensamento aparecem de forma bastante digerível em "Conversando sobre Economia com a Minha Filha", que a Planeta lançou no Brasil em setembro (o original saiu em 2013, quando Varoufakis era professor na Universidade de Austin, Texas, e sua filha, Xenia, vivia na Austrália).

    O livro é um manual de economia para crianças crescidas, em linguagem simplificada e conceitos idem.

    Sua força está na personalidade do autor, e ler o pequeno volume sem enxergar nele Varoufakis -o personagem- não deixa o leitor com mais do que uma visão maniqueísta da teoria econômica.

    Escreve o ex-ministro, por exemplo, que banqueiros são congenitamente maus, a raiz de todas as crises modernas.

    Ou que "Matrix", o filme de 1999 dos irmãos Wachowski, serve de metáfora da sociedade de mercado, que apenas -na descrição de Varoufakis- cria a ilusão de uma vida plena para condenar as pessoas a um servilismo inconsciente, seja para alimentar máquinas, como no filme, ou dívidas que fazem a economia financeira avançar, na teoria do autor.

    O que o economista acabou produzindo, no fim, foi quase uma alegoria de si mesmo, em que vocifera contra o sistema financeiro e o contrapõe a valores maiores, intangíveis e incomercializáveis.

    Ainda assim, em reiterados momentos, Varoufakis ressalta sua paixão por ciência econômica e os paradoxos entre prosperidade e desigualdade dos quais mesmo uma visão reducionista de mundo não pode se desvencilhar, algo que pode bem servir de isca para atiçar curiosidades adolescentes sobre o tema.

    Em seus melhores momentos, quando reconta em anedotas a história econômica do nascimento do dinheiro e dos bancos, da evolução da economia feudal até a de mercado, "Conversando sobre Economia..." chega a lembrar o ultrapop "Mundo de Sofia" (Jostein Gaarder, 1991) em sua empreitada para explicar filosofia a adolescentes.

    Mas, apesar da boa tradução de Maria Andréa e Paulo Ramos, a habilidade narrativa do ex-ministro é restrita (nesse ponto, Varoufakis se distancia das raízes gregas e lembra mais os chatíssimos livros-manuais americanos).

    Como o personagem que Varoufakis criou para si, "Conversando sobre Economia..." é bem melhor em provocar e propor perguntas do que em respondê-las.

    Mas não é assim que os adolescentes são?

    Conversando sobre economia com a minha filha
    AUTOR Yanis Varoufakis
    EDITORA Planeta (2015);
    QUANTO R$ 29,90 (193 págs.)
    CLASSIFICAÇÃO regular

    Edição impressa
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