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    Morte em imóvel do Airbnb gera questões de responsabilidade judicial

    RON LIEBER
    DO "NEW YORK TIMES"

    30/11/2015 17h00

    Monica Almeida - 12.nov.2015/The New York Times
     Zak Stone perdeu o pai em um acidente em imóvel alugado pelo Airbnb
    Zak Stone perdeu o pai em um acidente em imóvel alugado pelo Airbnb

    Não existe maneira melhor —ou mais triste— de explicar como o pai de Zak Stone morreu em um imóvel de férias do que aquela que seu filho usou há algumas semanas em um texto para a revista on-line "Matter" que começava assim:

    "A balança feita de corda parecia convidativa. Foram as fotos dela no Airbnb que levaram minha família àquele bangalô no Texas.

    Pendurada no galho de uma árvore, casual como um par de jeans confortáveis, a balança era a essência do lazer, da hospitalidade sulista, da fuga.

    Quando meu pai decidiu experimentar a balança, na manhã do dia de Ação de Graças, o tronco da árvore em que ela estava pendurada quebrou, e metade dele caiu sobre a cabeça de meu pai, pondo fim imediato à maior parte de sua atividade cerebral".

    Qualquer morte é devastadora, mas ninguém deveria se chocar com esse tipo de caso. Como qualquer outra grande operação de hotelaria, os proprietários de imóveis para locação do Airbnb estão recebendo tantas pessoas a cada noite que acidentes fatais são quase inevitáveis.

    Mas o incidente —e uma segunda morte que Stone revelou no artigo para a "Matter", parte do serviço editorial Medium— causa questões importantes quanto a seguros e segurança no Airbnb, seu concorrente HomeAway e nos hotéis mesmo —ao mesmo tempo em que o Airbnb começa a oferecer mais proteção aos seus locadores.

    Arquivo Pessoal
    Zak Stone and seu pai, Louis, em 1993
    Zak Stone and seu pai, Louis, em 1993

    Comecemos pelo seguro. Um ano atrás, os locadores do Airbnb estavam por conta própria quando o assunto fosse responsabilidade judicial por acidentes, e a maioria deles provavelmente presumia que seu seguro residencial ofereceria cobertura suficiente se um hóspede se ferisse, ou pior.

    Mas a maioria das apólices de seguro residencial exclui explicitamente casos relacionados a atividades comerciais.

    O Airbnb começou neste ano a oferecer cobertura secundária gratuita e automática aos locadores, caso sua apólice de seguros negasse cobertura.

    No mês passado, o Airbnb transformou essa cobertura em primária. Continua a ser gratuita, e cobre até US$ 1 milhão de indenização em caso de acidente.

    Não está claro, ainda, como funcionará o processo de solicitação de pagamento. Depois da morte de Louis, o pai de Stone, a família dele chegou a um acordo com a seguradora de seu locador, não com o Airbnb e a seguradora dele.

    De acordo com Stone, o locador tinha uma apólice de seguro que cobria explicitamente atividades comerciais.

    Ele afirmou em seu artigo que o Airbnb pagou os US$ 2 milhões de indenização pela segunda morte reportada, um caso de envenenamento por monóxido de carbono em Taiwan.

    O HomeAway, adquirido pela Expedia há algumas semanas por US$ 3,9 bilhões, adota uma abordagem diferente quanto aos seguros.

    Em lugar de oferecer cobertura gratuita em caso de responsabilidade judicial, insta os locadores a obter cobertura mais extensa de outra seguradora.

    A apólice recomendada inclui danos ao imóvel e seu conteúdo, e por perda de negócios, além da responsabilidade judicial.

    O HomeAway ganha uma comissão de marketing quando os locadores adquirem uma apólice da CBIZ, a seguradora recomendada por ela.

    SEGURO GRÁTIS: POR QUE NÃO?

    Por que a HomeAway não oferece cobertura grátis como o Airbnb? Em parte porque seria caro demais oferecer uma apólice abrangente como a que proprietários prudentes de residências provavelmente deveriam ter. Mas o negócio da HomeAway é outro.

    Ela faz a ponte entre locadores e locatários e se compara a um site de classificados de viagem.

    Embora a companhia não o afirme especificamente, é possível que acredite que esse posicionamento a proteja contra possível responsabilidade judicial e cancele a necessidade de oferecer cobertura automática aos locadores que listam imóveis em seu site.

    Scott Wolf, presidente da divisão de imóveis e lesões corporais da CBIZ, declarou em entrevista que não sabia calcular de que modo todos os clientes do Airbnb poderiam ser cobertos.

    Ele apontou para o limite anual declarado de US$ 10 milhões na apólice do Airbnb, que poderia ser exaurido com 10 indenizações de US$ 1 milhão.

    O executivo estimou que cada apólice paga em média US$ 100 em seguros a cada ano (ainda que o total de pagamentos em geral seja composto de pequeno número de casos que resultam em grandes indenizações).

    Se o Airbnb tiver em média 500 mil imóveis em oferta (ainda que em muitas noites do ano o número de imóveis ocupados seja mais alto), isso significa a possibilidade de US$ 50 milhões em reivindicações, ou US$ 40 milhões a mais que o valor da apólice.

    Uma possibilidade pode ser que o Airbnb, cujos usuários incluem muita gente que viaja sozinha e ocupa apenas um quarto por períodos curtos, simplesmente não venha a precisar tanto de sua seguradora quanto acontece com os viajantes do HomeAway.

    Afinal, as pessoas que usam o HomeAway muitas vezes viajam com suas famílias para grandes casas de aluguel, com piscinas escorregadias e trampolins precários.

    Mas Wolf disse que sua experiência no seguro a proprietários de pousadas sugere que os proprietários moradores em pousadas estavam mais sujeitos a solicitar cobertura de seguros do que os ausentes.

    Afinal, não se pode acusar um anfitrião por água derramada que causou um tombo se o anfitrião não está lá.

    O Airbnb não quis entrar em detalhes sobre como paga por seus seguros e sobre os termos exatos da apólice. Mas o porta-voz da companhia, Nick Papas, afirmou que desde que ela começou a oferecer cobertura por responsabilidade judicial, em 8 de janeiro, 8 milhões de pessoas se hospedaram com locadores do Airbnb nos Estados Unidos, e que menos de 50 locadores solicitaram cobertura de seguro.

    "Estamos muito confiantes nas finanças subjacentes de nosso programa", ele afirmou por e-mail. "Quando buscamos expandi-lo, recebemos múltiplas ofertas competitivas de diferentes seguradoras. Os números mostram o quanto são baixos os fatores de risco, e elas estão ansiosas por trabalhar conosco".

    Quanto às questões de segurança, essa parecia a perfeita oportunidade para deslindar de vez se alugar pelo Airbnb e HomeAway é mais perigoso que recorrer a um hotel.

    Bastava perguntar a todos qual é o número de mortes por 100 milhões de quartos/noites e comparar as respostas.

    Mas isso só funciona se as empresas se dispuserem a responder. A HomeAway forneceu seu número de imediato: zero morte, até onde a empresa sabe.

    Stone revelou duas mortes no Airbnb, e a companhia não quis comentar mais sobre o assunto.

    A Associação Americana de Hotéis e Hospedagem não registra números setoriais. Uma porta-voz da Hyatt não revelou o número e nem explicou sua recusa em divulgá-lo, e um porta-voz do InterContinental Hotels Group se recusou a comentar.

    Os grupos Best Western e Starwood disseram não dispor desses dados. Felicia McLemore, porta-voz dos hotéis Marriott, e Christine Miller, porta-voz dos hotéis Hilton, não responderam a repetidos pedidos de comentários sobre o índice de fatalidades nos hotéis de suas empresas.

    Reprodução
    O site do serviço Airbnb
    Site do serviço Airbnb, onde pessoas oferecem quartos e casas para hospedagem

    Sem bons dados, só podemos nos basear em informações incidentais. Comecemos pelos hotéis que não quiseram revelar dados: em duas ocasiões separadas, em intervalos de algumas poucas semanas em 2013, três pessoas morreram de envenenamento por monóxido de carbono no mesmo hotel Best Western, na Carolina do Norte.

    Uma investigação do jornal "USA Today" no mesmo ano revelou 8 mortes e outras 170 pessoas tratadas por casos de envenenamento por monóxido de carbono em hotéis, nos três anos anteriores. O grupo Best Western disse que a companhia agora emprega o melhor sistema de detecção de monóxido de carbono e alarme do setor.

    No campo dos incêndios, houve em média 3,7 mil por ano em hotéis e motéis de 2006 a 2010, de acordo com a Associação Nacional de Proteção contra Incêndio, resultando em média anual de 12 mortes (de pessoas não envolvidas no combate a incêndios) e ferimentos em 143 pessoas.

    Sabemos menos sobre o Airbnb e o HomeAway, mas uma coisa de que estamos certos é que seus locadores não precisam seguir o emaranhado de regulamentos sobre saídas de emergência, portas corta-fogo e alarmes que se aplicam aos hotéis e motéis.

    As empresas poderiam inspecionar cada imóvel para verificar sua segurança, mas não o fazem.

    De acordo com Liz Krueger, senadora estadual por Nova York que frequentemente confronta as companhias de locação online, seria melhor que alguém mais o fizesse.

    "O setor mesmo fiscalizaria suas condições, e não seria necessária uma entidade governamental", ela disse. "Se alguém disser que defendo mais governo, defendo, mesmo, mas acredito que haja motivo para querer que terceiros conduzam a avaliação, em lugar de partes interessadas que teriam motivo para não documentar corretamente as coisas".

    Ainda assim, é difícil saber se um inspetor do governo teria detectado a árvore morta que matou o pai de Stone, ou o aquecedor de água supostamente responsável pela morte em Taiwan.

    Pagar a desconhecidos por hospedagem em suas casas requer assumir algum risco, e o mais simples seria aceitarmos que jamais saberemos exatamente que risco.

    Se você é locador, de sua casa ou um quarto, informe à sua seguradora residencial mesmo que acredite que o seguro do Airbnb lhe oferece a maior parte da cobertura de que necessita.

    Afinal, o advogado do locatário deve querer processar sua seguradora, se alguém se ferir em sua propriedade. Garanta que o locatário saiba como sair em caso de emergência e que sua casa disponha de alarmes suficientes e esteja livre de riscos desnecessários.

    Os locatários pagantes deveriam verificar as baterias dos alarmes de incêndio e monóxido de carbono, tomar cuidado com equipamentos de cozinha ou brinquedos externos que não estejam acostumados a usar, e ficar de olho em coisas que possam ferir crianças pequenas.

    Mas ainda assim é preciso dar o merecido crédito aos novos jogadores no mercado da locação para férias: oferecer mais cobertura de seguros é melhor do que oferecer menos, e instar as pessoas a conhecer os riscos que enfrentam representa uma evolução bem vinda na maneira pela qual essas empresas operam.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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