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    Opinião

    Em Hogwarts, há a mágica; no mundo real, vale a lógica

    ALEXANDRE SCHWARTSMAN
    COLUNISTA DA FOLHA

    05/12/2015 02h00

    Dr. Bellezza é imune à razão. É a única conclusão que posso tirar de sua tentativa de seguir alegando que são os juros nominais (que incluem a inflação), e não os juros reais (que a excluem), os responsáveis pela elevação da relação dívida-PIB.

    Ele diz: "A dívida bruta equivalente a 57% do PIB em setembro de 2014, somada ao deficit nominal de 9% do PIB no período de 12 meses, responde pelos 66% do PIB de dívida bruta de setembro de 2015". Só que não...

    Embora nesse período em particular a variação da dívida seja quase igual ao resultado nominal (para variar, os números estão errados: a variação da dívida foi 8,4% do PIB, e o deficit nominal, de 9,3% do PIB), em praticamente todos os demais estes números não coincidem. Em 2013, por exemplo, a dívida bruta caiu 1,5% do PIB e o deficit nominal foi 3,1% do PIB.

    Isto deveria ser óbvio: o setor público no Brasil jamais registrou um superavit nominal; no entanto, de 2009 a 2013 a dívida bruta caiu, o que já deveria acender uma luz da alerta para quem diz que a variação da dívida-PIB equivale ao deficit nominal.

    E o motivo é matemático, caso os 18 leitores me permitam um pouco de álgebra.

    Vamos chamar a dívida hoje de Dt e a dívida ontem de Dt-1. De forma simplificada, a dívida hoje nada mais é do que a dívida ontem, capitalizada pela taxa nominal de juros (i) e deduzido o superavit primário, H:

    Dt = (1+i)Dt-1 - Ht

    Como estamos interessados na relação entre a dívida e o PIB, temos que dividir os dois lados da equação pelo PIB nominal de hoje, resultado da multiplicação entre preços, Pt, e PIB real, Yt.

    Dt/PtYt= (1+i)Dt-1/PtYt - Ht/PtYt

    O termo acima à esquerda é a relação dívida PIB hoje (dt=Dt/PtYt), mas o primeiro termo do lado direito não é a relação dívida-PIB de ontem (dt-1=Dt-1/Pt-1Yt-1), pois compara a dívida ontem com o PIB hoje.

    Isso pode, contudo, ser resolvido: preços de hoje são os de ontem acrescidos da taxa de inflação (p), enquanto o PIB real de hoje é o de ontem capitalizado pelo crescimento real (g), isto é, Pt=(1+p)Pt-1 e Yt=(1+g)Yt-1.

    Usando essas definições, PtYt= Pt-1Yt-1(1+g), e podemos exprimir a relação dívida-PIB hoje como:

    dt = dt-1[(1+i)/(1+p)(1+g)] - ht

    Deixando de lado por um segundo o superavit primário (h) e o crescimento real do produto (g), é fácil ver que a variável relevante para a elevação da dívida-PIB é a diferença entre a taxa nominal de juros (i) e a inflação (p), ou seja, a taxa real de juros.

    Não é uma conclusão inusitada, mas requer um raciocínio analítico, passível de ser expresso de forma matemática, que simplesmente não faz parte das escolas adeptas do pensamento mágico. Em Hogwarts, "razões humanitárias" justificam qualquer coisa; já no mundo real valem a lógica e os dados.

    ALEXANDRE SCHWARTSMAN, ex-diretor do BC, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia

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