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    Argentina libera despesas em dólar e prevê entrada de até US$ 25 bi

    MARIANA CARNEIRO
    DE BUENOS AIRES

    16/12/2015 21h10

    O novo governo da Argentina colocou fim nesta quarta (16) ao cerco ao dólar, eliminando dessa maneira os controles às despesas em moeda estrangeira.

    Criadas há quatro anos, essas travas tinham como objetivo evitar uma fuga de capitais e, consequentemente, uma sangria nas reservas do Banco Central. Mas acabou freando importações e afugentando investimentos externos, o que estancou a atividade econômica argentina.

    O fim destes controles facilitará o pagamento de despesas no exterior e vai na mesma linha das liberações anunciadas para as exportações e importações, divulgadas no início desta semana.

    Mas terá como efeito colateral uma expressiva desvalorização do peso argentino, o que deverá significar uma perda de poder aquisitivo dos salários.

    A estimativa dos economistas argentinos é que a taxa oficial de câmbio –uma das cinco que estavam em vigor no governo de Cristina Kirchner e que foram unificadas nesta quarta– suba de 9,70 pesos para um valor entre 14 e 15 pesos, o que representa uma desvalorização de 45%.

    INFLAÇÃO

    Além de encurtar os salários, a alta do dólar no mercado interno pode acelerar a já elevada inflação, atualmente ao redor de 25% ao ano.

    O ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, afirmou que o governo está trabalhando para que a desvalorização não chegue aos preços. Nesta terça (15), ele se reuniu com empresários do setor de supermercados e disse que o governo coibirá excessos.

    "Não vamos ser como Moreno [Guillermo Moreno, truculento ex-secretário de comércio argentino, que multava as empresas quando suspeitava de atitudes abusivas]. Mas tampouco será a lei da selva. Usaremos todas as ferramentas para evitar abusos", disse.

    Segundo ele, os que já aumentaram preços prevendo a desvalorização "deverão corrigir" os valores. O governo usará como base os preços que estavam em vigor em 30 de novembro.

    "Os controles não frearam a demanda por dólares e mataram a oferta, as galinhas dos ovos de ouro, que são os setores que geram divisas. Acreditamos que vão aparecer os dólares das exportações e também os que estavam guardados nos colchões", disse Prat-Gay.

    OTIMISTA

    No anúncio, o ministro demonstrou bom humor, fez piadas e pareceu otimista com a mudança.

    Segundo ele, o Banco Central terá poder de fogo para evitar uma desvalorização excessiva do peso. Ele adiantou que está previsto um ingresso entre US$ 15 bilhões e US$ 25 bilhões nas reservas nas próximas quatro semanas.

    Empresas que exportam grãos já se comprometeram em liquidar US$ 400 milhões por dia em exportações nas próximas três semanas. Outras empresas já ofereceram, segundo o ministro, antecipar a entrada de recursos no país, previstas para ocorrer no próximo ano.

    Outra fonte de recursos será por meio da conversão de yuans, em poder do Banco Central, para dólares, o que também ajudará a recompor as reservas do BC.

    Se a projeção se confirmar, as reservas da autoridade monetária, estimadas em US$ 25 bilhões ao fim da gestão Kirchner, poderia chegar a US$ 50 bilhões no próximo mês, dando fôlego para a transição argentina.

    Prat-Gay também adiantou que o Banco Central fará um empréstimo, com financiadores locais, no valor entre US$ 5 bilhões e US$ 7 bilhões. Esse crédito, segundo ele, não implicaria num aumento do endividamento do governo, uma vez que seria uma espécie de aluguel da dívida que o Tesouro tem com o BC, em troca de dólares, a uma taxa de 7% ao ano.

    ESPECULAÇÃO

    A principal dúvida é a que taxa o mercado vai negociar o dólar a partir de amanhã, quando a negociação passará a ser livre.

    Segundo Prat-Gay, o BC vai adotar uma flutuação "suja" do dólar - ou seja, com intervenções para evitar movimentos bruscos.

    Os anúncios de aportes ajudam a acalmar as expectativas, mas não são garantia de que haja especulação altista com o dólar.

    Com o fim dos controles, os argentinos poderão comprar e vender dólares sem restrições, o que era proibido até o momento no país.

    Com o cerco, para comprar moeda estrangeira, os argentinos tinham que pedir autorização à Afip (receita federal argentina) e recebiam aprovação de acordo com a sua renda.

    Prat-Gay informou que esses limites autorizados, que foram encurtando ao longo do tempo dada a severa escassez de dólares no governo de Cristina, serão esticados para o valor que havia antes dos controles: US$ 2 milhões por mês, por pessoa.

    As empresas importadoras também não terão mais limites para comprar no exterior.

    PASSADO

    Um problema que se será resolvido com o tempo, segundo o ministro, são as operações que foram represadas ao longo dos últimos quatro anos.

    Sem dólares, o BC estava limitando os gastos com importações a US$ 50 mil por dia. Valores acima dessa cifra deveriam ter a aprovação do BC, que liberava de acordo com a sua disponibilidade de moeda.

    Muitos importadores compraram e ficaram devendo seus fornecedores, o que se transformou numa bola de neve.

    O ministro da Fazenda disse que a estimativa do BC é que esse represamento signifique um estoque de US$ 5 bilhões, que será liquidado paulatinamente.

    Uma opção é que esses importadores troquem essa dívida por títulos emitidos pelo Banco Central em dólares.

    Segundo Prat-Gay, nenhuma das operações de emissão previstas são alcançáveis pelos chamados fundos abutres, que congelaram qualquer operação externa da Argentina até que se chegue a um acordo sobre o pagamento da dívida externa do país que entrou em moratória em 2001.

    "Levantar as travas sobre a economia será o pontapé para a colocar a Argentina na rota do crescimento", disse o ministro.

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