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    Preocupação com desaceleração da China é exagerada, diz economista

    MARCELO NINIO
    ENVIADO ESPECIAL A PEQUIM

    26/12/2015 02h00

    Li Gang - 9.set.2015/Xinhua
    (150909) -- DALIAN, Sept. 9, 2015 (Xinhua) -- Daokui Li, director of Tsinghua University's Center for China in the World Economy, speaks at the 2015 New Leaders Meeting of the World Economic Forum in Dalian, northeast China's Liaoning Province, Sept. 9, 2015. The three-day meeting will last from Sept. 9 to 11.(Xinhua/Li Gang) (lfj) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    O economista Li Daokui fala em evento na China

    A preocupação mundial com a desaceleração da China é "exagerada", fruto do desconhecimento sobre a transformação que o país atravessa. É o que pensa Li Daokui, 52, um dos mais influentes economistas do país e ex-membro do comitê de política monetária do BC local.

    Professor da Universidade Tsinghua e organizador de uma conferência anual sobre o grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), Li afirma que a transição chinesa abre oportunidades econômicas para o Brasil.

    Por isso, acha contraproducente a demanda da indústria brasileira de não reconhecer, em 2016, a China como economia de mercado, sob a alegação de que isso facilitaria práticas desleais nas importações chinesas.

    *

    Folha - A economia chinesa dá sinais ambíguos. O que está acontecendo?

    Li Daokui - Uma combinação de três fatores e todos serão revertidos nos próximos seis meses. O primeiro é o mercado imobiliário, que está numa fase de ajustes. O total de construções de novas moradias só está crescendo 4% neste ano, enquanto o normal é mais de 10%.

    O segundo fator é internacional. A demanda por produtos chineses está menor e as exportações caíram 5% neste ano. O terceiro fator tem algo em comum com o Brasil. A China passa por uma campanha muito dura contra a corrupção, numa escala bem maior que no Brasil. Por isso, muitas autoridades estão com medo e deixando investimentos de lado. Isso mudará em seis meses, eu espero, porque a liderança sabe do risco de uma desaceleração maior da economia.

    Dois eventos neste ano elevaram a preocupação com a China: a desvalorização da moeda e a queda na Bolsa de Valores. O que elas dizem sobre a economia?

    Falando francamente, o governo ficou chocado. Demorou a reagir e não foi decisivo. De agora em diante as decisões serão muito mais cuidadosas, levando em conta as reações internacionais.

    Por isso eu acho que no próximo ano a política cambial será reformada, enquanto a estabilidade da moeda continua sendo um prioridade. O yuan se tornou tão importante mundialmente que até uma volatilidade da moeda pequena repercute além da medida nos mercados.

    Qual será o impacto da inclusão do yuan na cesta de moedas do FMI, anunciada recentemente?

    A importância é no longo prazo. No curto prazo, não acredito que haverá uma desvalorização do yuan. No longo, haverá mais interesse na moeda chinesa entre bancos centrais. Além disso, mais dinheiro fluirá da China para os mercados financeiros e do exterior para a China.

    O senhor entende os temores mundiais com a China?

    Acho que a preocupação é exagerada. O mundo não entende que a China está operando num modo diferente. A economia conta mais com novos setores, como serviços, internet, e indústrias voltadas para o consumo, como turismo e entretenimento. A economia chinesa está menos dependente de setores tradicionais como ferro, aço, alumínio e construção.

    O mundo não tem sido muito preciso ao interpretar o novo desenvolvimento da economia chinesa. O reequilíbrio está acontecendo, como mostra a parcela crescente do consumo no PIB.

    Outro ponto importante é que a renda da população rural aumenta mais rapidamente que a urbana. Há crescimento maior de setores como serviço do que dos setores tradicionais. Mas é um processo doloroso, porque significa a liquidação de empresas dos setores antigos. O governo por enquanto tem resistido a estímulos fáceis, porque sabe que a dor é necessária. Mas deveria deixar as empresas não rentáveis quebrar e estimular mais as novas.

    Alguns apontam o alto endividamento na China como uma bomba-relógio. O que o sr. acha?

    Reconheço que há necessidade de reestruturar a dívida, especificamente a divida corporativa, que é muito alta. A divida dos governos locais também é relativamente alta, mas a do governo central é de apenas 15% do PIB, muito baixa. É preciso reestruturar a dívida, mas não vejo perigo de endividamento muito alto.

    Na verdade, eu diria que o total da dívida é baixo demais em relação ao PIB, porque a China é um país com alto nível de poupança. E os governos têm as estatais, que são uma garantia da dívida.

    A perda de fôlego do Brasil significa uma queda no valor estratégico do país para a China como parceiro dos Brics?

    O Brasil é tão importante como antes, talvez até mais. África do Sul e Rússia também enfrentam problemas.

    É uma oportunidade para a China cooperar mais com esses países. Por exemplo, a China deveria trabalhar com o Brasil num plano de construção de siderúrgicas ao longo da costa, e assim importar mais minério de ferro. Isso é um investimento de longo prazo. Mais do que nunca os Brics têm de discutir uma cooperação mais profunda e de longo prazo. Já houve conversa demais. Agora é o momento de colocá-las em ação.

    A CNI [Confederação Nacional da Indústria] está em campanha contra o reconhecimento da China pelo Brasil como economia de mercado. Isso pode afetar as relações?

    É o momento de cooperar de forma mais profunda. Há mais oportunidades para os dois países que perdas potenciais. Entendo que algumas empresas brasileiras estejam preocupadas em ser prejudicadas se houver o reconhecimento. Mas é preciso ver o quadro de forma mais ampla, pode haver mais exportação e muitas empresas brasileiras podem ganhar. Temos de deixar de lado as questões menores e focar o que importa.

    No começo do ano, o senhor disse que a China estava no ponto baixo de crescimento, 7%. Desde então, o país passou por algumas turbulências. O senhor mantém o otimismo?

    Mantenho a previsão de que a economia está no ponto baixo, em torno de 7%. Esse será o PIB nos próximos dois ou três anos. Depois disso, creio que a economia tem potencial para crescer mais, no mínimo 7%, entre 2018-2022.

    O país ainda tem muitas áreas pobres, esperando para ser desenvolvidas. Além disso, a mudança da política de filho único [permissão para ter o segundo] terá impacto rápido e dará ao PIB um acréscimo de 0,2 ponto percentual a 0,3 ponto.

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