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    David Bowie inspirou Wall Street a tentar criar dinheiro com coisas estranhas

    LIZ MOYER
    DO "NEW YORK TIMES"

    12/01/2016 09h47

    David Bowie, que morreu no domingo (10) aos 69 anos, vítima de câncer, era conhecido por sua capacidade de se reinventar. Mas ele também ajudou a inspirar um segmento de atividade em Wall Street que tenta criar dinheiro com base em coisas estranhas como receita de locação de outdoors, aluguel de espaço para torres de telefonia móvel e coleções de livros ou filmes.

    Em 1997, Bowie agrupou quase 300 gravações de sucesso e direitos autorais em uma emissão de títulos no valor de US$ 55 milhões que pagava ao comprador —a seguradora Prudential Insurance— 7,9% de taxa anual por dez anos, com base em sua renda de royalties e vendas de música, e no licenciamento de suas canções para o cinema ou outros usos.

    Os chamados "Bowie bonds" estiveram entre os primeiros em uma onda de transações de títulos lastreados por ativos esotéricos de propriedade intelectual, que inclui uma transação mais recente envolvendo o acervo de filmes da produtora Miramax, entre os quais "Pulp Fiction " e "O Paciente Inglês". Os bancos de investimento também desenvolveram títulos cujo lastro eram as receitas das cadeias de restaurantes franqueados Sonic e Chuck's Chicken, entre outros.

    Os compradores de títulos, nessas transações negociadas privativamente pelos bancos que organizam as emissões, tendem a ser fundos de hedge especializados ou grandes instituições capazes de negociar termos com os bancos. Investidores individuais jamais puderam adquirir um Bowie bond, porque a Prudential não colocou nenhuma porção de seu pacote no mercado.

    Um porta-voz da Prudential se recusou a comentar.

    Na época, a emissão foi considerada um bom negócio para Bowie. Ele recebeu dinheiro adiantado pelo equivalente a uma década de royalties e receitas de licenciamento sem ter de abrir mão da propriedade de suas canções.

    Originalmente classificados como A3 pela Moody's Investor Service, os Bowie bonds foram posteriormente rebaixados à classificação Baa3, que fica apenas um grau acima da faixa de investimento especulativo. Pelo começo dos anos 2000, o compartilhamento de arquivos pela Internet se havia tornado um fator importante, e os músicos estavam gerando menos receita por conta do declínio na venda de álbuns.

    Ainda assim, a colaboração entre Bowie e Wall Street inspirou outras celebridades a tentar tirar dinheiro dessas oportunidades enquanto elas ainda existiam. Edward Holland, Brian Holland e Lamont Dozier, trio que compôs muitos dos sucessos da gravadora Motown, organizou uma emissão de títulos semelhante, e James Brown e Rod Stewart fizeram o mesmo. Em 2002, a produtora de cinema DreamWorks SKG entrou em um acordo semelhante, em valor de US$ 1 bilhão, envolvendo seu catálogo de filmes.

    A maioria dos títulos lastreados por ativos são garantidos pela receita gerada por aluguéis, financiamentos por cartões de crédito e financiamentos de automóveis. Mas os títulos lastreados por hipotecas abalaram a reputação do setor durante a crise financeira, e os investidores abandonaram esse tipo de transação, por algum tempo.

    As emissões de títulos lastreados por ativos caíram em 16,6% no ano passado, para US$ 184 bilhões, com forte recuo nas emissões garantidas por financiamentos de cartões de crédito, de acordo com a Associação do Setor de Valores Mobiliários e Mercados Financeiros dos Estados Unidos.

    Transações lastreadas por ativos incomuns respondem por cerca de 10% do mercado de títulos lastreados por ativos, e atraem investidores que procuram rendimentos mais altos e estão dispostos a assumir mais riscos.

    "Existe um aspecto não analítico nessas transações que as torna mais arriscadas", diz Sylvain Raines, fundador da R&R Consulting, que foi funcionário da Moody's na época que os Bowie bonds estavam recebendo sua classificação inicial.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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