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    CVM defende multas mais pesadas a quem violar regras do mercado

    DANIELLE BRANT
    DE SÃO PAULO

    18/01/2016 17h24

    Karime Xavier - 14.jan.2016/Folhapress
    Leonardo Pereira, presidente da CVM, em entrevista à Folha
    Leonardo Pereira, presidente da CVM, em entrevista à Folha

    A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) quer multas mais pesadas para empresas ou pessoas que infringirem as regras do mercado. O objetivo é "orientar" e "desincentivar" os participantes de violarem as instruções que vigoram no país, afirma Leonardo Pereira, presidente da autarquia, em entrevista exclusiva à Folha concedida na última quinta-feira (14).

    "As penas ficaram desatualizadas. Queremos aumentar as multas para ficar mais proporcional", diz. "Não é para multar ninguém demais ou de menos: é para poder multar adequadamente", complementa.

    Outro foco da atuação da CVM até o final do mandato de Pereira, em julho de 2017, será o tema educação financeira. Para ele, o assunto é fundamental para solucionar alguns temas espinhosos do mercado financeiro, como gargalos envolvendo governança corporativa —sistema de boas práticas que dão transparência à gestão de uma empresa e que se mostrou falho no caso da Petrobras.

    Leia os principais pontos da entrevista abaixo:

    *

    MULTAS

    A Lei das S/A [do mercado de capitais e que completou 50 anos em 2015] tem pontos que têm que ser mexidos, mas tem que tomar cuidado para você não mexer nas coisas boas. Eu acho que, como tudo na vida, pede reflexão de vez em quando, senão você começa a não atualizar algumas coisas que viram hábitos, que poderiam ser melhores.

    Nós temos um projeto que não é na Lei das S/A, mas do mercado de capitais, que é a questão das penas, que ficaram desatualizadas. Queremos aumentar as multas para ficar mais proporcionais. Até porque multa tem dois papéis, o papel orientador e o papel de desincentivar as pessoas a fazerem as coisas erradas. Então esse projeto vai muito nessa linha. Independentemente de qual o modelo regulatório, é importante você ter multas que sejam condizentes e proporcionais. Não é para você multar ninguém demais ou de menos. É poder multar adequadamente.

    Hoje temos planos de supervisão baseados em riscos, que estão no quarto biênio. Todas as áreas da CVM que lidam com o mercado diretamente e fazem supervisão estão dentro desse plano. A gente fala das nossas prioridades de fiscalização e riscos que a gente vê no mercado, como a CVM está vendo o ambiente regulatório. E outra coisa é a parte sancionadora. Nós fizemos um plano estratégico em 2013 e uma das coisas que a gente percebeu que tinha que prestar muita atenção era a parte sancionadora. Tem que ter mais qualidade, celeridade, você não pode julgar hoje uma coisa que aconteceu em 2000. E se você não tomar cuidado você acaba fazendo isso.

    Então nós colocamos metas na CVM para essas coisas. E hoje, para você ter uma ideia, até o próprio colegiado tem metas. O colegiado do ano passado teve que julgar tudo que tinha chegado no colegiado antes de 1º de janeiro de 2013. Por que? Porque a gente acha que entre o tempo que acontece alguma coisa e o julgamento tem que ter coerência. Não vai ser seis meses, porque você tem que ter o processo de investigação, mas você tem que ter. No caso X [das empresas de Eike Batista], entre o que aconteceu e o começo do julgamento foram 18 meses.

    A estrutura é o grande desafio para dar celeridade. Tem que ter mais gente, é sempre um grande desafio. Hoje em dia você tem recursos mais limitados. Até por isso no nosso documento de supervisão a gente falou sobre isso. Sobre os riscos de recursos. Acho que um dos principais riscos é esse, ter pessoas capacitadas e adequadas e na quantidade suficiente para entregar para a sociedade o que a gente tem que entregar.

    CRISE

    Eu acho que afasta o investidor, mas acho que, como afasta, ele também volta. É isso que a gente tem visto na CVM. Há uns dois anos nós fizemos a instrução 476 [de ofertas públicas de valores mobiliários restritas a poucos investidores]. Lembro que a gente ficou se perguntando se ia dar certo ou não, eu mesmo questionei: nós estamos fazendo isso no meio dessa crise. Qual foi minha surpresa? No ano passado, quatro empresas já usaram a 476, e uma fez IPO [oferta inicial de ações] dentro da 476. Estamos monitorando, tem empresas que vão usar a 476. E realmente o Brasil está passando por um momento de transição e de discussão bastante sério. E o que a gente quer? Que certamente o Brasil saia melhor disso, nenhuma sociedade passa por uma discussão dessas e não sai melhor.

    MERCADO DE CAPITAIS

    Se você for ver nossa agenda regulatória, ela é muito isso, uma agenda desenvolvimentista nesse sentido. Ao mesmo tempo que estamos batendo muito nessa questão de proteção ao investidor, a gente quer ter uma agenda que propicie esse crescimento. Apesar de todas essas questões que a gente está passando, temos algumas coisas que estão acontecendo.

    Numa situação de equilíbrio fiscal e você tendo o Brasil com inflação no centro da meta, é natural que as taxas de juros caiam e o mercado de capitais é a saída natural para as empresas se financiarem. Eu acredito nisso. Aí todo mundo fala: ah, o mercado de capitais está morto? Não, ele está passando por uma fase e é uma oportunidade. Acho que está sendo interessante essa oportunidade de reflexão sobre governança que está tendo.

    BOAS PRÁTICAS

    Nós estamos trabalhando para ter um código brasileiro de governança corporativa, um código único. É importante, porque hoje mais de 50 países têm um código único, e o Brasil ainda não tem. Acho que do jeito que o mercado está tentando construir é muito bom. Os agentes desenhando o código. Acho que isso aí é uma solução natural de quem está no meio do jogo. Então acho que é um grande desafio, mas é o caminho certo.

    Acho que as discussões de governança vão estar sempre evoluindo. Hoje, o papel dos conselhos de administração é diferente de quando você compara com dez anos atrás ou mesmo cinco anos atrás. E provavelmente toda essa reflexão vai fazer com que daqui a cinco anos você veja de uma forma melhor.

    Tem um ponto que é importante, que é a questão de identificação de risco e controles internos. Porque risco é um negócio que ninguém acha que tem, todo mundo acha que está bom. Mas se você não identifica o risco, você não consegue fazer um planejamento adequado. E aí acontece a questão da Petrobras. Por que aconteceu na Petrobras e não aconteceu em outra empresa tão grande quanto a Petrobras? É questão de compliance, como o americano chama em inglês. A gente usa conformidade.

    É bem isso. Não adianta ter a regra e o checklist. A grande revolução que vamos ter em governança corporativa é as pessoas entenderem que não é o checklist, e sim como trazer isso para a vida real, para a prática. Então eu acho que se você me perguntar qual o desafio nos próximos anos, é trazer a governança mais para a prática. Porque não é fácil.

    Para estatal, a governança é mais desafiadora. Mas para empresas privadas também é, porque tem o controlador. As pessoas estão focando muito em sociedades de economia mista, que têm essa discussão do interesse social. Mas nas sociedades em que há controlador também têm seus desafios. O controlador cresceu aquele negócio, investiu, se empenhou, tem aquela visão, coloca o sangue dele ali. Tem que ser ouvido também. Quando você tem sócio tem regra, tem que ter convivência. Governança é isso, é conseguir chegar nessas grandes discussões e ter algum tipo de equilíbrio que faça as pessoas se sentirem confortáveis.

    O mercado de capitais é isso, é confiança e transparência. Se você não tem confiança nos agentes, aí o mercado fica instável. Ou se você não tem um regime de transparência. Então melhorou muito, e o Brasil é reconhecido por ter melhorado. Agora, o que não pode é você achar que melhorou e que não precisa mais fazer nada. Porque aí piora.

    MINORITÁRIOS

    Eu entendo as pessoas reclamarem se teve uma prática e se houve a desvalorização de ações por causa daquilo, porque isso é que é governança. Por que você quer governança? porque você quer que o valor da empresa aumente, não é isso? Quando você faz um investimento, vai trazer as pessoas para o mercado. Elas compram participação naquela empresa e querem que, no longo prazo, o valor daquela empresa aumente.
    Eu acho que tem que ter equilíbrio no trato do minoritário, mas tem que prestar atenção nele, sim.

    Se eu sou um controlador e quero ter sócios, é porque eu reconheço que isso tem um valor. Então eu tenho que ver quais são as necessidades deles. E é justamente essa saída da minha posição para entender a sua que é o desafio. Ele contribui. E claramente você vê casos em que os minoritários agregam valor, trazem ideias. Eu fui relações com investidores muitos anos, falava com minoritários. E muitas vezes você tinha que levar a opinião do minoritário para o controlador, então é esse o jogo. Acho que para a economia crescer, o mercado de capitais é fundamental. Mas para isso tem que ter regras. E se tem que seguir as regras.

    EDUCAÇÃO FINANCEIRA

    Tem uma história interessante. Como eu fiquei muitos meses me preparando, listei quatro ou cinco pontos que seriam importantes, olhando para o mercado nos próximos anos. Eu achava que tudo era questão de governança corporativa, porque afinal ficou muito importante. A questão da indústria de fundos também era um ponto importante. Ao lado desses tópicos, eu coloquei o seguinte: como se resolveria? E o tema comum era educação financeira, orientação.

    Então eu falei: o negócio é o seguinte, é o contrário. A educação financeira é a base de tudo. Acho que a CVM ao longo dos anos fez um trabalho muito interessante. Tem coisas que a CVM é referência internacional. E educação financeira é um desses assuntos. Inclusive no ano passado, pela primeira vez, o Brasil ou um país emergente assumiu a liderança de um dos oito comitês de política da IOSCO [a organização internacional das CVM]. Foi a primeira vez que um país emergente foi escolhido.

    Essa questão da educação financeira é que nem Lego, quando vê tem uma estrutura. Eu sempre falei que educação financeira são coisas que você não vê o resultado no curto prazo. Mas se você não faz, depois de anos você olha para trás e vê o desastre, o buraco que você criou. Eu estou muito confortável com o que a gente está fazendo. São passos pequenos, mas para evitar que daqui a dez anos se fale: poxa, não foi feito nada.

    POUPANÇA

    Uma das atribuições do mercado de capitais é promover a poupança. E eu acho que esse é um grande risco da sociedade. Você está em uma sociedade que vai viver 100 anos e que vai produzir até sei lá, 70, 80 anos. Vai ter um período em que você vai precisar gastar com médicos, e você precisa ter recursos. A sociedade não está pensando nisso. Ninguém se prepara.

    Como reguladores do mercado de capitais, acho que para nós é um tema muito importante. Eu acho que a consciência de longo prazo do brasileiro tem que ser maior, temos que continuar trabalhando.

    Um país que começou a ter bons resultados é a Austrália. Temos conversado bastante com os reguladores australianos. Aqui, a gente não vai resolver os problemas todos. Então você tem que ter a direção e ir resolvendo as coisinhas para manter a direção. É corrida de maratona.

    NOVAS REGRAS DE FUNDOS

    Deu muito trabalho, mas acho que era isso que precisava. Eu achei muito bom, e é essa tradição que a CVM tem e que está se aperfeiçoando de ouvir o mercado, de falar com o mercado, colocar em audiência pública. Depois volta pra casa, para a mesa, discute, documenta tudo.

    Como em qualquer regra, a gente pensou: vamos fazer como a gente acha que é certo. Na hora de implementar a regra, aí você vê. É como comprar sapato, às vezes dói um pouco no princípio, mas aí você vai se adaptando. Não pode é comprar dois números menores nem dois números maiores. É natural que tenha esse período de acomodação.

    METAS

    Esse novo avanço de governança corporativa é importante, a questão do condo hotel [investimento em quartos de hotéis]. Nós estamos estudando. E acho que tem essa consolidação do plano estratégico. Acho que a gente vai ter um bom balanço do que a CVM fez de mudança nisso. A regulação de equity crowdfunding [investimento colaborativo] está na agenda, está dentro da instrução 400 [de oferta pública] e vamos regulamentar. É uma forma de o mercado se financiar. A gente acha que é importante, até seguindo uma harmonização internacional.

    Acho que todo mundo está querendo que o Brasil volte a crescer, e que a gente tenha segurança, que os investidores acreditem nisso e voltem para o mercado. O que tem de empresas de tamanho suficiente para acessar o mercado de capitais é uma realidade, não é número inventado por ninguém.

    A gente fez aquela instrução de pequena e média empresa, aquilo está feito, está pronto para ser usado. É estrutura de confiança. Estou torcendo para nós passarmos por esse período e voltar a crescer porque naturalmente o mercado de capitais voltará a ser uma coisa bastante atraente. E aí nós temos que estar preparados e nós como zeladores do mercado é isso que a gente está tentando fazer.

    SETOR PÚBLICO

    Para mim foi bastante suave essa transição, porque logo que eu cheguei a gente começou a fazer um plano estratégico de dez anos. Aí acho que todo mundo se mobilizou muito, a gente começou a trabalhar junto. Quando vi, as coisas estavam muito parecidas. Teve uma coisa interessante logo que eu cheguei, em 2012. Numa discussão eu saí da CVM às 22h30. Cheguei em casa, estava com o assunto na cabeça ainda, mandei um e-mail para não esquecer, mais de meia-noite. Me responderam. Aí eu levei um susto.

    Então eu saí do setor privado e fui para uma autarquia que tem uma dinâmica de trabalho violenta. Não consegui tirar recesso na semana antes do Natal e no Ano-Novo. Agora quero tirar no Carnaval. A minha vida tem sido tudo menos lenta, previsível.

    Outro dia fiz um levantamento até o final do dia de quantos temas eu tinha visto. Sabe quantos temas diferentes deram? 37. Aí eu decidi separar o que era interessante e o que foi chato. Dos 37, talvez três ou quatro não tenham, sido tão interessantes.

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