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    Volkswagen admite fraude em emissão nos EUA, mas nega na Europa

    DANNY HAKIM
    DO "NEW YORK TIMES", EM LONDRES

    22/01/2016 14h46

    A Volkswagen está preparando uma resposta agressiva à sua crise quanto a testes de emissões na Europa, onde a maior parte dos veículos em questão foi vendida, e pretende essencialmente afirmar que "não trapaceamos aqui".

    O sistema da empresa para iludir, ou manipular, os sistemas de teste de poluição, que a montadora admitiu ter instalado em milhões de veículos em todo o mundo, "não constitui um dispositivo manipulador" proibido, sob as regras europeias quanto a emissões, declarou um porta-voz da empresa ao "New York Times".

    Essa determinação, proveniente do conselho da empresa, contraria afirmações das autoridades regulatórias da Europa e dos Estados Unidos. No mês passado, as autoridades regulatórias da Alemanha afirmaram que a Volkswagen usou um dispositivo manipulador ilegal.

    Executivos da Volkswagen já admitiram o uso de software ilegal para trapacear em testes de emissões nos Estados Unidos, onde os regulamentos são mais duros. Cerca de 500 mil veículos diesel portadores do dispositivo foram vendidos no mercado norte-americano. Mas a Europa abriga mais de 8,5 milhões dos carros afetados pelo escândalo, o que acarreta o risco de processos judiciais e sanções regulatórias potencialmente dispendiosos.

    Fraude da Volkswagen
    Empresa tentou esconder poluição
    Poster do "Greenpeace" com o personagem mentiroso Pinocchio e o logo da Volks

    A posição da Volkswagen esclarece a maneira pela qual a companhia encara o escândalo como um todo. Embora prometa que vai reparar os veículos afetados não importa onde tenham sido vendidos, está preparada para admitir delitos apenas nos Estados Unidos.

    É uma posição que dificilmente apaziguará compradores como Stephen Larkin, que dirige carros da Volkswagen desde que comprou um Volkswagen Derby em 1988. Semanas atrás, não muito depois que estourou o escândalo, ele vendeu seu Passat diesel 2014 e contatou um escritório de advocacia sobre como aderir a um potencial processo coletivo contra a empresa.

    "Eles sempre fizeram questão de ressaltar suas credenciais ambientais, mas não acho que realmente se preocupem com o meio ambiente", disse Larkin, 47, engenheiro civil que vive no norte da Inglaterra. "Estou muito desiludido".

    A afirmação da Volkswagen de que não trapaceou na Europa deve reavivar as questões sobre o poroso sistema regulatório europeu, que permite que montadoras controlem e manipulem os testes de emissões em benefício próprio. Os países da Europa e o governo central da União Europeia, em Bruxelas, estão envolvidos em uma contenciosa batalha sobre a reforma do sistema regulatório.

    O escândalo começou em setembro, quando a Volkswagen admitiu ter instalado o software manipulador em 11 milhões de veículos diesel em todo o mundo; o sistema é capaz de detectar quanto um carro está sendo testado em laboratório, e de reduzir as emissões de óxidos de nitrogênio, um poluente mortífero associado a diversos problemas de saúde. As autoridades regulatórias dos Estados Unidos determinaram que as emissões de poluentes nas ruas são até 40 vezes maiores do que as demonstradas em testes. A Volkswagen controla também as marcas Audi e Porsche, e a SEAT e Skoda, na Europa.

    A Volkswagen admitiu ter trapaceado nos Estados Unidos, ainda que na semana passada o novo presidente-executivo da montadora, Matthias Müller, tenha complicado a questão ao negar em entrevista de rádio que a empresa tivesse mentido aos fiscais norte-americanos, declaração que ele contradisse, em parte, em entrevista subsequente.

    Ainda assim, em carta divulgada pelo Parlamento britânico na semana passada, Paul Willis, que comanda as operações da Volkswagen no Reino Unido, disse que a empresa "aceita que um dispositivo manipulador foi usado nos Estados Unidos em certos modelos". Mas Willis também declarou que "não acreditamos que seja possível usar a mesma determinação legal definitiva com relação a software instalado em veículos de configuração diferente no Reino Unido e União Europeia". Ele reconheceu, em seguida, o potencial de que "essa questão venha a ser debatida judicialmente".

    A companhia foi muito mais explícita em uma declaração feita posteriormente ao "New York Times", em resposta a uma pergunta sobre a determinação das autoridades europeias de que o software constituía um dispositivo ilegal. "O conselho de administração mantém a opinião", afirmou a empresa, "de que o sistema não constitui um dispositivo manipulador proibido".

    A decisão de não contestar a determinação feita pelas autoridades alemãs foi "puramente de procedimento", e não significava "abrir mão de nossa posição judicial sobre o assunto. Em lugar disso, no interesse dos consumidores, seu objetivo foi apenas o de cooperar e de trabalhar construtivamente, lado a lado com as autoridades regulatórias a fim de implementar o plano de ação", a empresa declarou. "Não queríamos que uma disputa causasse desgaste quanto a isso".

    Isso não significa que o software em questão tenha sido usado apenas nos Estados Unidos. Willis afirmou que os veículos vendidos na Europa com esse software "não funcionariam sem ele". E acrescentou que o software "claramente contribuía para o cumprimento" dos padrões europeus de emissões.

    Mas os regulamentos válidos na Europa dão às montadoras amplitude para determinar as regulagens de motor usadas durante testes de emissões. E no passado, as autoridades regulatórias já haviam expressado preocupação quanto à possibilidade de que essas regulagens não fossem as mesmas que um veículo emprega em uso normal.

    Advogados que representam queixosos descartaram a distinção que a Volkswagen está tentando estabelecer. "A questão de o software ser ou não um dispositivo manipulador tem muito pouca importância no sentido legal", disse Bozena Michalowska Howells, sócia no escritório de advocacia britânico Leigh Day.

    "Eles removerão o software e o repararão, e para fins regulatórios ele está sendo definido como dispositivo manipulador", ela disse.

    Jacqueline Young, sócia no escritório de advocacia australiano Slater and Gordon, disse que "isso será uma grande questão se as autoridades nacionais começaram a discutir sobre a imposição de multas ou penalidades, mas a caracterização ou não do sistema como dispositivo manipulador não será muito importante para as reivindicações dos consumidores".

    "Os proprietários de carros da Volkswagen não se preocupam com o nome pelo qual o sistema seja definido", ela disse. "Importam-se com o valor de seu patrimônio".

    Embora tenham começado a surgir processos judiciais coletivos nos Estados Unidos tão logo o escândalo estourou, na Europa as ações coletivas são muito menos agressivas. As leis aplicáveis tendem a ser menos hospitaleiras com relação a esse tipo de queixa, ainda que variem de país a país. Uma recente lei britânica facilita esse tipo de processo ao permitir que potenciais proponentes de uma ação coletiva optem por exclusão em lugar de optarem por inclusão, no caso de processos coletivos.

    As potenciais reivindicações judiciais estão em estágios variados em diferentes países, como a Holanda e a Irlanda. No Reino Unido, advogados dizem que estão esperando para ver que ressarcimento a Volkswagen pretende oferecer, antes de decidir se iniciam processos. "Precisamos saber exatamente qual será a solução proposta. Precisamos considerar seu impacto sobre o valor de revenda", disse Howells.

    Um grande processo proposto por acionistas também deve ser aberto nos próximos dias na Alemanha. Nadine Herrmann, sócia no escritório de advocacia Quinn Emanuel Urquhart & Sullivan, disse que o processo teria por base apenas o uso de dispositivos manipuladores nos Estados Unidos. O processo conta com o apoio da Bentham Europe, uma companhia londrina que banca esse tipo de litígio.

    O ponto central da queixa é que o uso dos dispositivos manipuladores "teria de ser revelado, nos termos das leis financeiras alemãs", afirmou Herrmann em resposta por e-mail a perguntas do "New York Times".
    A Comissão Europeia solicitou que a Volkswagen reconsidere sua recusa de pagar pela perda de valor de seus veículos aos proprietários de seus carros vendidos na Europa, algo que ela está fazendo nos Estados Unidos. A Volkswagen argumentou que, porque a regulamentação é diferente nos Estados Unidos, a solução do problema será mais complicada e demorada lá.

    "Eles levantaram as mãos e disseram mea culpa nos Estados Unidos", afirmou Alan Campbell, 57, engenheiro elétrico em Bristol e dono de um Skoda Octavia diesel - um dos carros incluídos no recall. "Pelo que vi na imprensa, teremos uma regra para as pessoas dos Estados Unidos e outra regra para as pessoas do Reino Unido, o que acho errado".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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