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    o impeachment

    Brasil terá recessão até acertar arestas políticas, diz ex-diretor do Banco Central

    TONI SCIARRETTA
    DE SÃO PAULO

    28/01/2016 13h19

    O Brasil atravessou recessões pontuais, decorrentes de crises importadas ou domésticas, que mais tarde eram superadas. A atual, no entanto, tem componentes mais resistentes -inflação com juro elevado, falta de previsibilidade, baixa confiança- ligadas às deficiências estruturais da economia brasileira que precisarão ser atacadas como a reforma da Previdência e a desvinculação dos gastos do governo.

    O quadro é do economista Luiz Fernando Figueiredo, gestor da Mauá Capital e ex-diretor do Banco Central à época da desvalorização do real e da adoção das metas da inflação. "Essa é a fotografia de curto prazo. Só vamos sair desse atoleiro quando essas questões forem endereçadas. O problema é que, nesse momento, não há horizonte para isso", disse.

    Leia trechos da entrevista:

    Folha - Como sair do atual atoleiro da economia?

    Luiz Fernando Figueiredo - As perspectivas de curto prazo são bastante difíceis. O que está acontecendo de relevante diz respeito às questões de longo prazo. Um grande fundo soberano me fez a seguinte pergunta: o que garante que o Brasil não vai se tornar uma Venezuela? A diferença é que esses países tiveram um processo de destruição institucional; aqui ocorreu um enfraquecimento, mas as instituições reagiram. São os casos do TCU [Tribunal de Contas da União], da Polícia Federal, da CGU [Controladoria-Geral da União] e do Ministério Público. A discussão do impeachment ocorre porque há dúvidas se o Orçamento foi executado de forma apropriada. Isso tem um valor grande porque os futuros governos -e o atual- vão arrumar as contas para que a execução seja feita de forma apropriada. As práticas que foram feitas na Petrobras dão cadeia. Aquele gestor que está lá hoje sabe que, se fizer errado, pode ser preso. O agente privado que se relaciona com o poder público sabe que, se não agir de acordo com as regras, pode dançar no Brasil.

    E no curto prazo?

    Toda recessão tem um prazo curto e depois volta; não é o caso atual. Passamos a ter uma recessão quase que permanente, estrutural. Precisaremos fazer mudanças estruturais para sair desse ciclo. Hoje a sociedade rejeita aumento de tributo; como se resolve que as despesas obrigatórias do governo cresçam 0,5% ao ano? Vai ter que cortar. A sociedade também passou a rejeitar que uma pessoa se aposente com 50 anos; vamos precisar de uma idade mínima. O país está no final de um ciclo e todas essas questões latentes terão de ser atacadas.

    O que foi feito e o que ainda precisa ser endereçado?

    Esse ciclo em curto prazo dificilmente vai mudar de direção. O Brasil perdeu aquele bônus das commodities, quando pudemos colocar debaixo do tapete muitos problemas. Tínhamos cinco grandes problemas: 1º) o câmbio estava sobrevalorizado, mas o real se depreciou, as exportações reagiram, as importações diminuíram e voltou a entrar recursos [como compra de empresas]; 2º) as tarifas, que estavam represadas, foram ajustadas e afastou o risco de ter de resgatar as empresas de energia; 3º) os bancos públicos, que vinham numa toada de aceleração do crédito, tiveram uma posição comedida sabendo que não poderão contar com aportes adicionais do Tesouro; 4º) na política monetária, o BC fez o trabalho dele e subiu os juros [para 14,25%, em julho de 2015]; claro que para reduzir a inflação de 10% para 4,5% tem um longo caminho e a discussão é se vai precisar subir mais ou não; 5º) é o ajuste fiscal; nesse ponto, não se consegue ver, nem lá na frente, um equilíbrio.

    E quais são as perspectivas?

    A recessão reduziu a arrecadação; há menos condição política de aprovar cortes e aumento de receita. Resolver isso passou a ser central para virar esse ambiente. Sem uma perspectiva de médio ou longo prazo de equilíbrio fiscal, não tem hipótese de sair desse ciclo vicioso.

    Silvia Costanti/Valor
    Para ex-diretor do BC, país tem boas perspectivas em longo prazo apesar de crise política paralisante

    A presidente Dilma e o ministro Barbosa têm essa clareza?

    Não existe dúvida dentro do governo de que precisamos ajustar os gastos e estabilizar a trajetória da dívida; é um consenso. A questão é como fazer isso. Um lado pensa que ajudar a economia crescer vai aumentar a arrecadação e fazer o ajuste. Outra acredita que é preciso fazer um ajuste para que as pessoas vejam um horizonte melhor, daí gera-se confiança e isso cria um ciclo virtuoso. O Brasil tinha espaço sim para estimular o crescimento, mas passamos do ponto que dava para usar isso. Essas medidas tinham sentido em 2009, mas continuaram por mais quatro anos.

    Como se resolve isso?

    Tem que ter um novo arranjo político. A discussão de impeachment aumenta essa dificuldade. A questão é se o governo vai ou não sobreviver; não se o Congresso vai dar ou não o ajuste. Podemos ficar até 2018 nessa situação. É muito difícil ter um ambiente de volta da confiança. Os sinais são de que as incertezas aumentaram.

    O impeachment seria essa luz no fim do túnel?

    A discussão não é se o impeachment é bom ou não. É que a questão fiscal precisa ser atacada. Já estava difícil para o governo, com esse nível de popularidade, fazer isso; agora, ficou mais difícil ainda. O que o impeachment pode gerar, e isso anima o mercado, é um novo governo com uma base mais sólida no Congresso para endereçar essas questões. Mas a discussão do impeachment pode se abortar; vamos ver se o governo sai mais enfraquecido. O impeachment pode também não avançar por uma questão legal. Esse é o pior dos mundos: um governo e um processo questionados. Nossas instituições têm uma clareza do seu papel. O melhor cenário é ter um governo novo com muita força para fazer o que tem de ser feito.

    Como ocorreu no governo Itamar em 1992?

    Esse é um cenário que pode reverter esse processo. Se o governo Dilma tivesse capacidade de fazer um ajuste mais rigoroso, mexendo nas questões estruturais, também seria um cenário. Hoje, parece pouco provável. Falam que o mercado é muito pessimista com o governo Dilma, mas nunca o mercado errou tanto achando que as coisas iriam ser melhores do que foram.

    Um governo Temer não teria as mesmas dificuldades?

    Pode, mas é pouco provável. O impeachment para passar precisa de maioria qualificada. Hoje as pessoas só conseguem ver coisas ruins. Faz um ajuste limitando o aumento de despesas, que já começamos a ver um equilíbrio. É um outro mundo quando se estabiliza a macroeconomia.

    RAIO X

    LUIZ FERNANDO FIGUEIREDO

    IDADE: 52

    TRAJETÓRIA: Fundador da gestora Mauá Capital, conselheiro da BM&FBovespa, diretor da Amec (associação dos minoritários), sócio da Gávea, diretor do BC, tesoureiro do BBA

    FORMAÇÃO: administração pela Faap com especialização em finanças

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