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    Petróleo em baixa obriga Venezuela a vender ouro para pagar dívida

    SAMY ADGHIRNI
    DE CARACAS

    29/01/2016 02h00

    Em seu discurso anual de informe de gestão, no último dia 15, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tratou com inusual sinceridade da situação econômica no país: ele a definiu como "catastrófica".

    Com o país à beira do abismo, Maduro solicitou ao Parlamento que aprovasse um decreto de emergência econômica para aumentar o controle estatal -o pedido foi negado- e até lançou um apelo aos empresários.

    Rompendo tabu, ele também disse que aumentará em breve o preço da gasolina, a mais barata do mundo.

    Castigado nas urnas na eleição parlamentar de dezembro, quando a oposição arrebatou a Assembleia Nacional pela primeira vez em 17 anos, o governo chavista finalmente ensaia reação para pôr fim à espiral de desabastecimento generalizado, inflação de três dígitos e recessão que inferniza a vida dos venezuelanos.

    Mas os esforços para reerguer a economia esbarram numa realidade que praticamente inviabiliza solução de curto ou médio prazo: a degringolada do preço do petróleo, fruto da combinação entre oferta saturada e demanda retraída pela desaceleração chinesa.

    Raio-x Venezuela

    Em média, o barril vale hoje 70% menos do que em junho de 2014. Nem a escalada das tensões no Oriente Médio foi suficiente para amenizar a queda.

    Isso representa um desastre para a Venezuela, um país rentista que tem na exportação de petróleo sua virtual única fonte de dólares e que depende destes mesmos dólares para importar quase tudo que consome e financiar subsídios e programas sociais.

    O barril venezuelano, mais barato por exigir maior refino, fechou a semana em US$ 21,63 -quase US$ 3 a menos do que na sexta-feira anterior.

    Com custo de produção em US$ 18, a Venezuela hoje obtém apenas US$ 3,63 por barril exportado para pagar dívidas e manter o país funcionando. O país exporta cerca de 2,5 milhões de barris diários.

    Caracas, que detém as maiores reservas petroleiros do mundo, pressiona outros produtores a elevar preços. O presidente da estatal petroleira PDVSA, Eulogio Del Pino, defendeu na semana passada um barril a US$ 60. Mas, por razões geopolíticas ou de estratégia de mercado, a maioria dos grandes exportadores prefere o status quo.

    Ao contrário do Irã, por exemplo, a Venezuela não diversificou sua economia nem acumulou reservas. Hoje, todos os indicadores venezuelanos estão no vermelho.

    "O presidente Hugo Chávez [1999-2013] estava convencido de que o petróleo iria subir indefinidamente e não só não alimentou fundos especiais como gastou tudo e se endividou a níveis impressionantes", diz o economista José Toro Hardy, ex-diretor da PDVSA.

    Caracas deve pagar até o fim deste ano US$ 9,5 bilhões em títulos da dívida soberana. O governo está a algumas semanas de um primeiro vencimento de US$ 2 bilhões.

    Os cofres do banco central, porém, contêm apenas US$ 15 bilhões, o que significa que, se o governo usar seus escassos dólares para pagar a dívida, haverá ainda menos capacidade de importar e, consequentemente, maior escassez de alimentos e remédios.

    Para piorar, a maior parte das reservas do banco central está em ouro, não em dólar. Isso obrigou Venezuela a vender parte de seu estoque em ouro para transformá-lo em dinheiro.

    Na semana passada, produtores de laticínios bloquearam estradas no Uruguai para exigir que a Venezuela pague por dezenas de milhões de dólares em produtores importados. O governo venezuelano acabou reembolsando metade da dívida, mas credores já vislumbram um default "cada vez mais difícil de evitar", segundo relatório do Barclays.

    Maduro parece apostar numa outra frente de endividamento, com a China, para aliviar momentaneamente o rombo enquanto não cumpre sua promessa de trocar o modelo rentista pelo produtivo.

    Reduzir subsídios à gasolina, que custam US$ 12,5 bilhões ao ano, e os envios de petróleo a países aliados são outras cartas na manga do governo para aliviar a pressão.

    Para o economista José Manuel Puente, o problema é o mau governo, não a queda petroleira.

    "Foram US$ 900 bilhões em arrecadação petroleira nestes 17 anos de revolução. E o país acaba com uma situação muito mais vulnerável e com maior número de pobres do que em 1999. Há risco de colapso generalizado", diz.

    PETRODEPENDÊNCIA DA VENEZUELA

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