• Mercado

    Wednesday, 01-May-2024 18:53:05 -03

    Crítica

    Desigualdade freia avanço dos EUA, afirma sociólogo

    ELEONORA DE LUCENA
    DE SÃO PAULO

    13/02/2016 02h00

    Justin Lane - 20.set.2013/Efe
    Fila aguarda abertura de loja da Apple em Nova York para comprar novos modelos de iPhone
    Fila aguarda abertura de loja da Apple em Nova York para comprar novos modelos de iPhone

    Os Estados Unidos experimentaram um avanço excepcional entre o fim da Guerra Civil (1861-1865) e 1970. Inovações revolucionaram a forma de viver e políticas públicas criaram uma pujante sociedade de consumo de massas, com inclusão social.

    Foi um feito único, sem paralelo na história mundial e não se repetirá.

    Desde então, porém, o crescimento perdeu o ímpeto. A desigualdade astronômica freia o desenvolvimento. Há regressões, pioras em indicadores de qualidade de vida, empregos ruins, educação cambaleante, saúde cara e precária, pobreza crescente.

    Um exemplo: mulheres brancas sem diploma universitário perderam cinco anos na sua expectativa de vida entre 1990 e 2008 –um declínio comparável ao que viveram as russas quando acabou a União Soviética e o caos tomou conta do país. A mortalidade feminina cresce em mais de 40% dos distritos norte-americanos.

    Para enfrentar seus problemas, o país terá que reduzir as desigualdades: taxar os mais ricos, aumentar os salários, investir em políticas públicas e discutir temas como a legalização das drogas e o rígido sistema de encarceramento –que dilacera especialmente as famílias mais pobres.

    É o que defende o sociólogo Robert J. Gordon em "The Rise and Fall of American Growth" [ascensão e queda do crescimento americano]. É um trabalho de muito fôlego, recheadíssimo de estatísticas, com referências culturais e sem medo de atacar ícones, como o das maravilhas da sociedade digital.

    Para ele, a chamada terceira revolução industrial, essa que trouxe os computadores, celulares e quejandos, tem importância menor do que a segunda. Essa, sim, desde o final do século 19, modificou definitivamente o modo de viver, com a eletricidade, água encanada, o automóvel, o telefone, o avião.

    Apesar da avalanche cotidiana de novos produtos, a mudança que veio com a digitalização tem um ritmo mais lento, menos abrangente, mais concentrado em entretenimento e comunicação, defende o autor. "Queríamos carros voadores, mas, em vez disso, temos 140 caracteres" –já disse o empresário norte-americano Peter Thiel.

    Ou, como afirmou o jornalista Robert Cringely, "se o automóvel tivesse seguido o mesmo desenvolvimento que o computador, um Roll Royce custaria hoje US$ 100, rodaria um milhão de milhas com um galão e explodiria uma vez por ano com todo mundo dentro".

    Com toques assim de crítica, ceticismo e bom humor, o livro vai do campo de batalha da Guerra Civil, onde os soldados experimentaram inovações como o leite condensado, até o lançamento do último iPhone. O foco do autor, professor de ciências sociais da Universidade de Northwestern, é o cotidiano.

    Da moda dos vestidos importados da Europa –como os de Scarlett O'Hara nos primórdios de "...E o Vento Levou"– ele salta para as vendas de catálogo –embriões de megacadeias varejistas–, passando pelas oficinas de trabalho análogo à escravidão.

    Vestuário, habitação, saúde, alimentação, educação, transporte, entretenimento, jornalismo –uma variedade de temas é esmiuçada. Há dados para todos os gostos: sobre consumo de calorias, horas trabalhadas, tempo gasto com lazer, viagens de trem e de avião. Por vezes, o leitor se sente quase afogado em tantos números.

    A obra tem uma face quase enciclopédica, relatando, por exemplo, a história das principais invenções. Mas também traz um tom analítico. Gordon avalia que o New Deal, de Franklin Roosevelt, e a Segunda Guerra Mundial desempenharam um papel vital para a emergência da economia norte-americana.

    Ressalta a importância dos investimentos estatais –em infraestrutura (estradas, oleodutos, pontes), educação pública e em fábricas. Um só dado: o número de máquinas-ferramenta dobrou nos EUA entre 1940 e 1945 _"e quase todos esses novos equipamentos foram pagos pelo governo", conta o sociólogo.

    A narrativa abre algum espaço para conflitos cruciais na história do avanço norte-americano. Rememora como, no início do século 20, eram deploráveis as condições sanitárias da produção industrial de alimentos –como reportou Upton Sinclair no seu clássico "The Jungle" (1906).

    Foram protestos de mulheres, exigindo controle estatal sobre a qualidade da comida, que provocaram a criação do embrião da agência do setor, a Food and Drug Administration –que hoje estabelece padrões de fabricação e consumo.

    Sem desprezar os enormes avanços na área científica, especialmente na medicina, Gordon observa como a maioria da sociedade está à margem das melhorias: o sistema de saúde é caríssimo, está mercantilizado e oferece baixa cobertura à população.

    Abrangente e audacioso, o livro tem mais vigor quando trata do passado, antes da década de 1970. Mesmo sem uma análise mais contundente em alguns aspectos (o sistema financeiro é um ponto cego no trabalho), a obra traça um panorama diversificado e preocupante sobre o líder mundial.

    The Rise and Fall of American Growth
    AUTOR Robert J. Gordon
    EDITORA Princeton University Press
    QUANTO R$ 92 na amazon.com.br (784 págs.)
    AVALIAÇÃO Muito Bom

    Edição impressa
    [an error occurred while processing this directive]

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024