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    Os 12 suspeitos pelo tumulto atual dos mercados financeiros no mundo

    JOHN AUTHERS
    DO 'FINANCIAL TIMES'

    14/02/2016 02h00

    Rungroj Yongrit/Efe
    Operador analisa números de Bolsas na Ásia; mercados financeiros enfrentam crise
    Operador analisa números de Bolsas na Ásia; mercados financeiros enfrentam crise

    Nesta mais grave onda mundial de vendas nos mercados financeiros desde a crise de 2008, há pelo menos 12 suspeitos.

    Aviso de spoiler: vou entregar neste texto o final do clássico mistério "Assassinato no Expresso do Oriente", de Agatha Christie.

    A investigação vai mostrar que agora, como no livro, todos participaram do crime.

    1

    Foi a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep)
    A recusa de limitar a oferta de petróleo permitiu que os preços da commodity continuassem despencando, a níveis para os quais quase ninguém havia planejado. Sim, isso é vantagem para os consumidores e para qualquer país que importa petróleo, mas o impacto de curto prazo sobre todo mundo mais, e especialmente sobre a economia dos Estados Unidos, que passou a depender do setor de energia para seu crescimento, foi horrendo.

    2

    Foram os fundos nacionais de investimento
    Esse tipo de fundo foi criado principalmente com a riqueza gerada pelos petrodólares. O declínio nos preços do petróleo pode bem ter obrigado muitos deles a começar a vender ativos. E essas vendas em geral começariam pelos seus investimentos mais líquidos, aqueles que mostram lucros, por exemplo ações japonesas ou norte-americanas. No Japão, a liquidação de ações promovida pelos fundos nacionais de investimento vem sendo acusada abertamente pela onda de vendas.

    3

    Foi o mercado chinês de ações
    A queda súbita das ações chinesas tipo A, depois de uma bolha, despertou preocupação no ano passado; o fato de que as autoridades tentassem conter a queda, sem sucesso, transformou a preocupação em alarme. Qualquer indicador de má saúde na China continua a ser motivo de preocupação —assim, o ressurgimento dos problemas das ações tipo A, este ano, prejudicou a todos.

    4

    Foi o câmbio chinês
    Sim, a China pode argumentar com razão que suas desvalorizações toscas com relação ao dólar em agosto de 2015 e de novo no mês passado tinham por objetivo simplesmente manter a estabilidade de sua moeda diante de uma cesta de moedas de parceiros comerciais. Mas a velocidade com que as reservas cambiais do país estão sendo consumidas e a aparente avidez dos chineses por tirar seu dinheiro do país estão gerando alarme real. Uma desvalorização forçada da moeda chinesa seria um ponto de inflexão.

    5

    Foi o Fed
    Essa é fácil. De 2009 para cá, os avanços do mercado de ações acompanharam de perto o inchaço no balanço do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos). Todo mundo estava apavorado quanto ao que aconteceria quando o Fed por fim começasse a elevar os juros. Mas o Fed hesitou demais para fazê-lo, e começou a elevar os juros quando os avanços no emprego começavam a ratear e o acúmulo de estoques indicava que o ciclo econômico corrente estava se aproximando do final nos Estados Unidos. Assim que o Fed elevou os juros, em dezembro, os ativos de risco de todo o planeta se revoltaram.

    6

    Foram os resultados das empresas
    As notícias sobre os lucros das empresas norte-americanas ficaram perdidas em meio ao barulho das últimas semanas. Isso não teria acontecido caso os resultados tivessem sido bons. Mas foram terríveis. Em sua mais recente avaliação, a Thomson Reuters estimou que as empresas que compõem o índice S&P 500 estavam a caminho de uma queda de 4,1% em seus lucros, no quarto trimestre do ano passado. Depois das projeções sombrias que as companhias mesmas anunciaram, o trimestre atual parece destinado a ser igualmente ruim, e as estimativas para o ano como um todo estão sendo reduzidas.

    7

    Foram os juros negativos
    Os juros negativos adotados pelo Japão, que seguiu o exemplo do Banco Central Europeu (BCE) e foi por sua vez seguido pelo Riksbank, o banco central da Suécia, tinham por objetivo demonstrar zelo no combate à deflação. Em lugar disso, a mensagem recebida foi a de que os bancos centrais estavam dispostos a tesourar os lucros dos bancos, ainda que estes jamais tenham se recapitalizado devidamente depois da crise, especialmente na Europa. Seguiu-se uma derrocada nas ações dos bancos. Isso por sua vez convenceu muita gente de que a munição dos bancos centrais está basicamente esgotada —se os juros negativos não funcionam, o que mais eles poderiam fazer?

    8

    Foi a economia dos Estados Unidos
    Quando o ano começou, boa parte das más notícias mencionadas aqui já estavam incorporadas aos preços —mas a opinião convencional era a de que a economia dos Estados Unidos não estava de modo algum próxima a uma recessão, e que isso limitaria quaisquer surpresas associadas a resultados piores que os esperados. Os indicadores divulgados depois disso vêm sendo anêmicos, o que desafia essa suposição.

    9

    Foi o mercado de títulos
    O mercado de títulos, especialmente, vem transmitindo um clássico sinal de recessão, via atenuação na curva de rendimentos —os títulos de prazo mais longo agora têm ágio de rendimento muito menor diante dos títulos de prazo mais curto, e esse historicamente talvez seja o mais confiável indicador de que uma recessão está chegando. Isso causou alarme ainda maior.

    10

    Foi a exuberância irracional
    Um argumento chave para os norte-americanos que viam os mercados com otimismo era o de que a longa alta que perdurava desde 2009 era odiada —pouca gente confiava nela. Isso implicava que houvesse mais a subir antes de o mercado atingir o seu pico real. Mas indicadores confiáveis de avaliação de longo prazo sugerem que há supervalorização muito alta nas ações dos Estados Unidos, e que o mercado estava sob o domínio de uma exuberância irracional. Assim que o mercado virou se tornou evidente que pouca gente via papéis convincentemente baratos e que ninguém queria comprar. (Esse argumento, porém, não se aplica à Europa ou aos mercados emergentes, que entraram nos últimos meses parecendo indubitavelmente baratos).

    11

    Foi a Lei Dodd-Frank
    Um culpado muito popular. O aperto da regulamentação financeira, pós-crise, teve sucesso em dissuadir os grandes bancos de fazer apostas com o dinheiro de seus depositantes e eles deixaram de ser formadores de mercado nas áreas de títulos e crédito. Isso faz com que os bancos apresentem menos risco, mas priva esses mercados de liquidez, o que significa que quando as vendas começam, pode ser difícil encontrar compradores —e disso decorrem volatilidade e quedas assustadoras.

    12

    Foi todo mundo!
    Os eleitores estão apavorando os pobres investidores. Quer a ameaça seja colocar na presidência dos Estados Unidos um socialista como Bernie Sanders, um adepto do padrão ouro como Ted Cruz ou um sujeito como Donald Trump, quer ela seja tirar o Reino Unido da União Europeia ou levar ao poder a miríade de movimentos populistas que crescem na Europa, a sensação de que o povo está cansado não para de crescer. Isso é altamente compreensível. Mas nada reconfortante para os mercados de capitais.

    Estranhamente, desta vez ninguém está tentando culpar as vendas a descoberto. Há sujeitos vendendo a descoberto em algum lugar, e eles presumivelmente estão se saindo bem. Mas ao contrário de 2008 ou da Grande Depressão, ninguém está tentando culpá-los por derrubar todo mundo.

    Perceba, igualmente, que concluí a lista sem mencionar as palavras 'Síria' —talvez a mais grave crise humanitária e geopolítica do planeta em décadas— ou 'Grécia', que seis meses atrás apavorava todo mundo. O mercado de ações da Grécia apresenta o pior desempenho do planeta este ano, e a questão da Grécia na zona do euro não foi resolvida. Mas a situação trágica nesses países nada teve a ver com o alarme que tomou os mercados mundiais nos últimos seis meses.

    Mais intrigante é ainda outro suspeito que passou em geral despercebido. Para citar ainda outro clássico romance de detetives inglês, é como o cachorro famoso por não latir, em um caso de Sherlock Holmes. Até agora, ninguém está culpando os governos por não estarem usando o dinheiro dos contribuintes para combater os problemas.

    É a falta de qualquer tentativa de política fiscal ativa —nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha ou Japão— que forçou os bancos centrais a ocupar o vácuo. Agora a política monetária parece ter perdido a eficácia, e talvez seja hora de os políticos concordarem quanto a medidas como a recapitalização dos bancos europeus ou a reconstrução da infraestrutura dos Estados Unidos.

    Já que os governos que estão no poder tendem a ser apeados dele depois que as pessoas perdem dinheiro no mercado, os políticos precisam pensar sobre isso rapidamente. Ou se tornarão alvos das facas desembainhadas.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Edição impressa
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