Um alto executivo acorda com o barulho do noticiário na TV, sai do quarto e vê hashis usados, pratos sujos, restos de macarrão instantâneo, travesseiros amassados e computadores instalados sobre mesas de carteado.

O cenário, registrado em 2001, poderia ser o de uma república estudantil em qualquer país do mundo, mas se tratava de um alojamento para funcionários da chinesa Alibaba, gigante do comércio eletrônico e uma das companhias mais valiosas do mundo. O detalhe é que essa residência não ficava na China, mas na Califórnia (EUA).

Mais do que uma medida de contenção de despesas de uma empresa que ainda engatinhava, mas ambicionava ser global e precisava fincar seus pés no Vale do Silício, o espírito da casa coletiva faz parte da cultura e da mítica da corporação.

Em "Por Dentro do Alibaba" (editora Benvirá), lançado agora em português, Porter Erisman fala da importância de outros alojamentos: por exemplo, do apartamento de Jack Ma, fundador da companhia, onde ele e 17 sócios criaram o primeiro site do grupo, em 1999.

Funcionários ainda seriam mandados ao apartamento ao menos uma outra vez, em 2002, para criar o Taobao, uma loja virtual que em poucos anos iria desbancar o poderoso eBay na China (entre outros motivos, por adotar o lema de que "grátis é um modelo de negócio" e não cobrar dos vendedores que usavam a plataforma).

Os profissionais saíram da sede da empresa na cidade de Hangzhou para trabalhar secretamente no projeto. Em uma visita à casa de Ma, Erisman encontrou, por exemplo, "dois programadores dormindo no chão ao lado de um par de computadores".

Uma das tentativas do autor, um americano que cuidou das relações públicas da companhia entre 2000 e 2008, é mostrar como a cultura implantada por Ma, baseada no esforço e em ter metas que a princípio parecem irreais, é uma das chaves do sucesso da companhia –que saiu de uma nada sexy plataforma de comércio entre empresas para um conglomerado que hoje inclui serviços financeiros, de logística e até de entretenimento e faturou US$ 5,3 bilhões só no último trimestre de 2015.

"Se vocês não imaginarem acontecendo, nunca vai acontecer", dizia Ma, no relato de Erisman, em uma das muitas frases motivacionais do executivo que aparecem ao longo do livro. "Se você é um lobo perseguindo coelhos, fique de olho em um só coelho. Mude a si mesmo para pegar o coelho, mas não mude de coelho", recomenda ele, sobre manter o foco nos negócios.

DE ONDE VEM A FORÇA

O problema é que Erisman não dá conta de explicar exatamente de onde vem essa força de Ma.

Há algumas pistas: por exemplo, ele ter uma boa história. Em tempos de "storytelling", é imperativo desenvolver uma narrativa sobre si mesmo ou sobre seu negócio, e a dele, o professor de inglês que foi reprovado duas vezes no vestibular e criou uma gigante da internet mesmo sem entender de tecnologia, é inspiradora o suficiente.

Mas como ele conseguiu fazer isso? Como venceu obstáculos como a falta de preparo para a gestão? Como desenvolveu a visão para criar, em tão pouco tempo, sites de comércio voltados a públicos tão distintos? Como inspirou jovens a investir em jornadas excruciantes para concretizar essa visão, além de oferecer bons pacotes de opções de ações e participação acionária? O leitor termina com uma ideia não muito clara.

O autor parece ainda não ter se desligado totalmente de seu papel de relações-públicas. Não analisa a fundo, por exemplo, vantagens que a companhia teve com o controle que a China exerce sobre a web e que já fez com que o Google deixasse de oferecer alguns serviços no país.

Para quem gosta de gestão, entretanto, vale a parte final do livro, em que Erisman tira 40 lições do período em que trabalhou na empresa –os conselhos são válidos, mesmo que os títulos recorram a clichês como "compre um guarda-chuva quando não estiver chovendo".

Por Dentro do Alibaba
AUTOR Porter Erisman
EDITORA Benvirá
QUANTO R$ 34,90
AVALIAÇÃO regular