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    Após um ano, ninguém foi acusado por tragédia em navio-plataforma no ES

    JOSÉ MARQUES
    DE BELO HORIZONTE

    25/02/2016 17h02

    Mais de um ano depois da explosão de um navio-plataforma no Espírito Santo que deixou nove mortos e 26 feridos, ninguém foi acusado pelo incidente e os trabalhadores que estavam na embarcação ainda aguardam propostas de indenização.

    Em vez disso, a empresa norueguesa BW Offshore, que operava o navio FPSO Cidade de São Mateus, arrendado pela Petrobras, ofereceu um plano de demissão voluntária que obriga os trabalhadores que o aceitarem a abdicarem de ações contra a empresa.

    Até agora, apenas a Polícia Federal indiciou, em dezembro, quatro funcionários da BW, todos estrangeiros. Dois superintendentes e um operador estão sob suspeita de homicídio culposo (sem intenção de matar) e o gerente geral, de homicídio doloso (com intenção).

    No dia do acidente, 11 de fevereiro de 2015, três equipes foram enviadas à casa de bombas apesar de o comando do navio estar ciente de um vazamento de material inflamável. Quando o terceiro grupo estava no local, ocorreu a explosão.

    Um relatório da ANP (Agência Nacional do Petróleo) divulgado em dezembro passado afirma que, mesmo antes do vazamento, tanto a BW como a Petrobras cometeram falhas gerenciais, relacionadas à segurança, que resultaram no incidente.

    A conclusão do inquérito foi enviada ao Ministério Público, que ainda investiga o caso e estuda a apresentação de denúncias à Justiça.

    Uma das pessoas que depôs à Marinha e à ANP contra a empresa é Vitor Marques, 56, ex-tripulante do FPSO Cidade de São Mateus e membro da comissão interna de prevenção de acidentes.

    Segundo ele, a BW sabia que o local do acidente tinha problemas, mas "não quis voltar ao estaleiro e parar a produção porque seria muito caro". "Foi uma tragédia anunciada e podia ter sido evitada", afirma.

    Marques trabalhou na BW entre 2013 e 2015, mas, no dia da tragédia, estava em outra embarcação da empresa. O ex-funcionário conta que um vazamento em dezembro de 2013, no mesmo local, deixou um trabalhador ferido. A BW contesta. Diz que durante uma inspeção técnica à casa de bombas, o profissional "sofreu um pequeno edema na perna".

    PLANO DE DEMISSÃO

    No contrato do plano de demissão voluntária dos trabalhadores do Cidade de São Mateus, a BW Offshore diz que precisa adequar seu quadro de empregados devido ao acidente e também porque a embarcação saiu de águas brasileiras para reparos.

    A empresa afirma no texto que quem aceitar a proposta quitará "todas as verbas decorrentes do extinto contrato de trabalho ou do acidente" e abdicará de "ações trabalhistas pendentes de sentenças transitadas em julgado".

    A rescisão de quem aceitou o plano só será feita no próximo mês, mas o presidente do Sinditob (Sindicato de Trabalhadores Offshore), Amaro Luiz, diz que as cláusulas são irregulares e só homologará "se cada trabalhador fizer uma carta de próprio punho dizendo que aceitou aquelas condições".

    Sob condição de anonimato, a Folha conversou com sete trabalhadores e ex-trabalhadores da empresa que estavam no FPSO Cidade de São Mateus durante a explosão. Mesmo os que aceitaram o plano reclamam da empresa e pretendem entrar com ações judiciais contra a BW.

    Um técnico químico que foi arremessado a seis metros de distância na explosão disse que foi "praticamente forçado" a aceitar o plano de demissão voluntária. Segundo o funcionário, a empresa o deixou em segundo plano durante todo o ano, embora esteja em condições de trabalhar.

    Ele aceitou o plano, mas diz que já conversou com advogados e entrará com um processo por danos morais.

    Outro funcionário, um operador, afirma que está com estresse pós-traumático e não consegue mais entrar em embarcações. Ele reclama que a BW não ofereceu assistência psicológica adequada e que teve apenas algumas sessões para emissão de um laudo.

    Já os familiares dos mortos receberam seguro e verba rescisória, mas alguns também estudam entrar com ações por danos morais. É o caso do representante comercial Renato Rodrigues, 51, pai do mecânico João Victor Rodrigues, 23, cujo corpo foi encontrado 18 dias após o acidente.

    OUTRO LADO

    A BW Offshore disse, em nota, que lamenta o acidente, "o primeiro com fatalidades registrado em seus mais de 34 anos de atuação com 38 plataformas (FPSOs e FSOs), e reitera sua colaboração com os órgãos reguladores e autoridades brasileiras".

    Segundo a BW Offshore, os pagamentos das verbas rescisórias e seguro às famílias das vítimas foram feitos em 2015.

    A empresa diz que o plano de demissão está "em linha com os critérios estabelecidos pela legislação brasileira" e teve adesão de 90%. "Os trabalhadores que não optaram pelo PDVI poderão ser alocados para atividades onshore, mas as possibilidades estão sendo discutidas caso a caso", informa.

    A empresa ainda afirma que tem oferecido suporte psicológico aos funcionários e familiares nos últimos 12 meses.

    Já a Petrobras afirma, também em nota, que participou da investigação interna junto à BW e, com base no resultado das apurações, foram adotadas medidas específicas para o Cidade de São Mateus e ações preventivas para as demais unidades de produção.

    "Não houve responsabilização de funcionários da Petrobras no inquérito da Polícia Federal. A segurança do trabalho e a direção técnica dos serviços é de responsabilidade da empresa operadora, conforme prevê a legislação aplicável", diz a estatal.

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