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    o impeachment

    Análise

    Economistas e governo cavam ativamente o fundo do poço

    FERNANDO RUGITSKY
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    29/02/2016 02h00

    Demanda fraca nos mercados externo e interno, desconfiança de consumidores e de investidores, alto nível de endividamento das famílias e das empresas, dúvidas sobre a situação fiscal do país, incertezas no cenário político, erros na condução da política econômica...

    São muitas as razões que levam especialistas a acreditar que a crise pode se aprofundar ainda mais antes de a economia iniciar uma retomada, não vislumbrada para os próximos meses. Para Carlos Kawall Leal Ferreira, economista-chefe do Banco Safra, a demanda fraca não sugere uma recuperação do país nos próximos meses.

    Leia, abaixo, a análise de Fernando Rugitsky, professor da FEA/USP e doutor em economia pela New School for Social Research (EUA).

    *

    Os brasileiros estão à procura de um fundo do poço, da esperança de que a economia está prestes a se recuperar da assombrosa queda que atravessa. Poderão os economistas oferecer esse consolo? Ou será mais plausível concluir que estamos a cavar o nosso próprio poço?

    É verdade que a dinâmica de uma crise pode criar por si alguns impulsos para a recuperação. A desvalorização cambial, por exemplo, torna as exportações mais competitivas, enquanto a produção nacional ganha espaço no mercado interno, estimulando o aumento da produção.

    Para que tais efeitos sejam significativos, contudo, é necessário que os mercados absorvam tal produção. Uma economia internacional desacelerando e um mercado doméstico encolhendo rapidamente tendem a enfraquecer esse impulso positivo.

    Outro potencial impulso criado pela dinâmica da crise está relacionado ao investimento. A queda dos salários pode recuperar as margens das empresas e levar, consequentemente, à recuperação do investimento.

    Esse argumento costuma subestimar o desincentivo dos elevados estoques e da ociosidade que acompanham as crises. Um resultado empírico robusto é que o investimento reage muito mais a variações na demanda do que na sua rentabilidade.

    A aposta em tais impulsos para que as crises se revertam está relacionada à ideia de que os mercados tendem automaticamente a se equilibrar. Há, porém, compreensões alternativas da dinâmica econômica. Uma delas, formulada pelo economista sueco Gunnar Myrdal, indica que as economias tendem a descrever trajetórias explosivas.

    Um processo de crescimento, uma vez iniciado, tende a acelerar continuamente, enquanto uma recessão tende apenas a se aprofundar. O aumento no desemprego leva à queda no consumo, que, por sua vez, derruba o investimento. Segue-se outra onda de demissões que reduz ainda mais o consumo e o investimento. Segundo essa lógica, não há nada que possa criar um fundo do poço.

    Alguém poderia argumentar que não se observam historicamente trajetórias explosivas. Isso é verdade. O equívoco é atribuir a relativa estabilidade aos mercados.

    Diante da crise de 1929, a maior parte dos países construiu travas institucionais que lograram colocar freios às oscilações econômicas. Quando tais freios não foram suficientes, a política econômica foi mobilizada para impedir o desemprego em massa.

    O problema atual do Brasil é que não apenas o sistema político está girando em falso como as iniciativas anunciadas enfraquecem as travas à derrocada econômica. São os caso das metas de crescimento dos gastos públicos e da reforma da Previdência.

    Ávidos por trazer ao Brasil um mistificado liberalismo econômico, economistas convencionais e os membros do governo que foram convencidos por eles defendem políticas que aceleram a trajetória explosiva, em vez de se contrapor a ela. Estão cavando ativamente o fundo do poço.

    FERNANDO RUGITSKy é professor da FEA/USP e doutor em economia pela New School for Social Research (EUA).

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