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    Índia já cresce mais que China, mas tem dificuldade em criar empregos

    DO 'FINANCIAL TIMES'

    05/03/2016 02h00

    Danish Siddiqui/Reuters
    Primeiro-ministro da Índia fala durante cerimônia; país tem crescido mais que China no último ano
    Primeiro-ministro da Índia fala durante cerimônia; país tem crescido mais que China no último ano

    O cenário estava preparado para o triunfal relançamento da campanha Make in India, o grande esforço do premiê Narendra Modi para transformar seu país em uma potência industrial–bem, pelo menos até o momento em que o palanque pegou fogo.

    Não houve vítimas fatais, mas a fuga apressada dificilmente pode ser vista como o início sonhado por Modi, especialmente porque surgiu a informação de que o palanque era um produto indiano.

    As porções restantes de seu evento de lançamento, no mês passado, concebido como uma forma de estimular os esforços do setor industrial indiano, funcionaram melhor, com centenas de empresas estrangeiras participando de uma festa em Mumbai.

    Amitabh Kant, responsável pela campanha, parecia otimista e afirmava já ter obtido US$ 219 bilhões em acordos industriais. "A Semana Make in India de Mumbai foi um sucesso fenomenal."

    Modi só podia concordar. "Make in India se tornou a maior marca que a Índia já criou", disse. "Queremos fazer da Índia um polo da indústria mundial."

    É difícil subestimar a importância dessa meta. A economia indiana está crescendo em 7% ou mais a cada ano. Ela ultrapassou a China e se tornou o país grande de mais rápido crescimento, superando com facilidade rivais como Brasil e África do Sul.

    No entanto, a maioria dos analistas concorda em que as esperanças da Índia de acelerar seu crescimento para perto da meta de 8% a 10% anuais na próxima década, e com isso conseguir o salto de economia pobre para economia de renda média, requerem mudanças muito maiores –a começar por uma reformulação da indústria.

    FONTE DE DEMANDA

    Para a economia mundial, há muito em jogo. Com a desaceleração do crescimento mundial, muita gente espera que a Índia possa se tornar fonte muito maior de demanda. Mas, do ponto de vista do governo, a solução do enigma da indústria depende de um superar um dilema ainda maior: criar empregos.

    Quase 120 milhões de pessoas ingressarão na força de trabalho nos dez anos até 2024, já que a Índia está desfrutando de, ou talvez tendo que suportar, uma bolha demográfica sem precedentes.

    A maior parte desses trabalhadores será formada por jovens sem capacitação profissional ou por trabalhadores rurais transferidos para as cidades e buscando empregos no tipo de fábrica que emprega grande volume de mão de obra com baixa capacitação técnica, exatamente o fator que propeliu a ascensão da economia chinesa.

    Se Modi não conseguir criar esses empregos, terá de encarar impopularidade eleitoral e talvez distúrbios.

    "Essa é a grande questão econômica que a Índia enfrenta", disse Rajiv Kumar, pesquisador no instituto Centro de Pesquisa Política. "Se Modi acertar, isso poderá mudar o país."

    Será uma tarefa difícil. A indústria vem mantendo a mesma participação no PIB indiano há décadas, da ordem de 15%, bem abaixo da China e de outras economias asiáticas. O pior é que essa participação vem caindo, recentemente, com as exportações também caindo por causa da desaceleração mundial.

    Modi dificilmente poderia ter escolhido um momento mais complicado para lançar uma campanha pela expansão da indústria puxada pela exportação.

    DISPUTA COM ROBÔS

    Os problemas da Índia são claros, especialmente na criação de empregos. No mês passado, o grupo sueco Ericsson revelou planos para uma segunda fábrica no país, mas é um projeto pequeno, como custo de US$ 15 milhões.

    Mas Paolo Colella, o diretor regional da empresa, diz que ainda assim se trata de um projeto significativo, e diversificará para fora da China a produção de equipamento de telecomunicação de alta tecnologia. "Queremos que a Índia se torne um polo de exportações", ele disse.

    Outras empresas estrangeiras também demonstram otimismo. "Hoje nossos investimentos na Índia são de metade do que investimos na China, mas a tendência nos próximos cinco anos é de que a Índia seja pesadamente favorecida", diz Ed Monser, presidente-executivo da Emerson Electric, empresa americana que produz sistemas de controles para fábricas.

    Ele afirmou que a Emerson gastará US$ 500 milhões nos próximos anos, acrescentando quatro fábricas às suas atuais 17.

    Investimentos como esse parecem impressionantes, mas há um porém: embora a Ericsson empregue 22 mil pessoas na Índia – número maior do que em qualquer outro país–, apenas cerca de mil desses trabalhadores estarão envolvidos em fabricar produto na nova unidade.

    Os outros postos de trabalho que a empresa tem no país requerem alta capacitação e dificilmente seriam adequados para trabalhadores jovens e destreinados. Boa parte do trabalho da fábrica será executada por robôs.

    Modi espera que outras empresas sigam o exemplo da Foxconn, grupo taiwanês que monta os iPhones da Apple e no ano passado anunciou que construiria uma dúzia de fábricas na Índia, criando até um milhão de vagas.

    Mas a probabilidade de desenvolvimento de grande número de instalações semelhantes é baixa, argumenta Colella. "A indústria moderna opera com grau elevado de automação, e isso significa que ela não necessariamente promove o emprego."

    O investimento estrangeiro direto na Índia bateu recorde no ano passado e deve continuar crescendo neste ano, mas Modi certamente está ávido por mais investimento. "Meu amistoso conselho aos industriais: não esperem. Não relaxem. Há imensas oportunidades na Índia."

    Mas os desafios são formidáveis, e começam pelo programa Make in India mesmo. Até as pessoas que se deixaram impressionar pela festa da indústria em Mumbai admitem que estão confusas quanto aos objetivos do programa de Modi.

    Será ele apenas um esforço de marketing para atrair investidores, realçado pelo logotipo que mostra um leão caminhando? Ou será um plano mais amplo para convencer os servidores civis e os governadores dos Estados a produzir reformas que facilitem a vida da indústria?

    "Esse negócio é claramente ótimo para empresa capazes de produzir estátuas de leões feitas de porcas e parafusos", brincou um líder industrial estrangeiro. "Mas será que o programa conseguirá obter resultados maiores? Quanto a isso, o veredicto ainda não saiu."

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