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    "Você pode queimar carvão ou usar o vento e sua poesia", diz empresário

    BRUNO VILLAS BÔAS
    DO RIO

    13/03/2016 02h00

    Diego Padgurschi /Folhapress
    SAO PAULO, SP, BRASIL - 29-02-2016: Mario Araripe, presidente da Casa dos Ventos. Ele está investindo de R$ 3,5 bilhões a R$ 4 bilhões em energia eolica. E um dos poucos setores que ainda crescem no país (Diego Padgurschi /Folhapress - MERCADO) *** EXCLUSIVO ***
    Mario Araripe, presidente da Casa dos Ventos, está investindo de R$ 3,5 bi a R$ 4 bi

    Quando vendeu a montadora de carros Troller para a Ford, em 2007, o empresário cearense Mário Araripe, 61, tinha o suficiente para se aposentar e garantir o futuro das próximas gerações da família. Mas ficar parado estava fora dos planos.

    Naquele ano, fundou a Casa dos Ventos, que investe na construção de usinas de energia eólica. Desde então, desenvolveu no Nordeste o equivalente a meia Itaipu.

    Foi no início deste ano que o empresário deu a maior tacada do setor, ao vender dois complexos de usinas para a britânica Cubico por R$ 2 bilhões. Mas Araripe decidiu investir tudo de novo.

    A Casa dos Ventos está agora construindo três usinas eólicas no Nordeste, a um custo de R$ 3,5 bilhões a R$ 4 bilhões. Poucos estão investindo tanto num momento de severa crise econômica.

    O fato é que o setor é um dos poucos que crescem. Para ele, isso acontece porque a natureza foi generosa: os ventos do Nordeste são os melhores do mundo. Os financiamentos do BNDES, claro, deram um belo empurrão.

    Araripe diz, nesta entrevista, que o setor tem muitos desafios, mas deve continuar crescendo se o governo tiver "juízo" e não suspender os leilões de energia de reserva (que fica disponível para momentos de escassez).

    *

    Folha - Por que o sr. decidiu investir na energia eólica?

    Mário Araripe - Depois de vender a Troller, eu queria ir para um setor longe do comportamento do consumidor, o que nunca entendi bem. Queria infraestrutura, como energia elétrica. Foi então que a ideia da eólica surgiu numa conversa com o Odilon [Camargo, engenheiro]. Ele é um estudioso. Ele certifica o vento, digamos assim. Isso foi há dez anos. E percebi que o setor tinha potencial.

    Você pode queimar carvão ou pode usar o vento, que tem mais poesia.

    Mesmo com a recessão, o setor cresceu 57% em 2015. Como isso foi possível?

    Em termos energéticos, raras são as regiões da Terra com ventos tão fortes e constantes como no Nordeste do Brasil. Além da latitude certa, ele está no lado certo do continente em relação à rotação da Terra. Não tem furacão, tufão, ciclone. A produtividade da usina eólica no Nordeste é a maior do mundo. O preço é muito competitivo.

    Também conseguimos suporte financeiro, que envolve BNDES, bancos comerciais e fundos de investimento.

    O senhor vai continuar investindo, apesar da crise?

    Temos projetos de 14 mil megawatts. Estamos construindo agora 700 megawatts. Desses, 400 megawatts estarão prontos daqui a três meses, e o restante, daqui a 14 meses. São projetos que somam de R$ 3,5 bilhões a R$ 4 bilhões. Podemos vender ou operar essas usinas ao fim da construção. Como temos outros projetos, às vezes vendemos para investir mais em outro. Como desenvolvedores, somos atualmente o maior do setor no país.

    E quais as expectativas para o setor nos próximos anos?

    Quando fundamos a Casa dos Ventos, mapeamos o potencial de energia eólica no país. O resultado são 21 gigawatts em projetos competitivos. Um terço disso está em operação ou construção, o que equivale a meia usina hidrelétrica de Itaipu.

    Mesmo assim, a energia eólica representa hoje só 6% na matriz elétrica do país. Na Dinamarca, são 39%.

    Eu acredito que a meta do Brasil deveria ser instalar 2,5 gigawatts por ano. Em dez anos, a eólica seria 20% da matriz. Poderíamos poupar mais água nos reservatórios das usinas hidrelétricas.

    E o que impede isso?

    Os fornecedores que se instalaram no país têm capacidade para atender a uma demanda de 3 gigawatts por ano. O desafio é outro. As distribuidoras tendem a não comprar energia porque existe queda no consumo.

    Imaginava-se que o consumo de energia ia crescer 4% ao ano, mas ele está caindo de 1% a 2%. Então, a cadeia se estruturou e precisa que o governo tenha juízo e mantenha os leilões de contratação de energia de reserva pelos próximos dois a três anos. É só o governo não atrapalhar.

    Como o senhor vê a crise pela qual o país está passando?

    O país vive várias crises juntas, por isso é muito séria. Tem a crise que vem de fora, com a desaceleração da China e a queda de preços das commodities. Mas tem a crise doméstica, que é política e fiscal. Essa é "made in Brazil". O modelo econômico dos últimos anos vendia o futuro para comprar o presente. E agora chegou o futuro.

    É a maior depressão da história documentada do país. Você não sabe quando vai parar de piorar. A dívida bruta do país era de 51% do PIB em 2013. No ano que vem, deve chegar a 82%. Precisamos da reforma fiscal. É preciso responsabilidade, urgência.

    Quais seriam as consequências do impeachment para a economia?

    Piorar [o quadro econômico] é difícil. Eu acho que o impeachment é uma opção, mas é uma opção se tiver toda a natureza do comportamento democrático.

    Se ficar claro que a saída via impeachment não arranha a democracia, é uma opção. Tem que ter motivo.

    -

    RAIO-X Mário Araújo Alencar Araripe

    Nascimento: 20.dez.1954 (61 anos), no Crato (CE)

    Formação: engenharia, pelo ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica)

    Carreira: fundou a montadora Troller, vendida para a Ford, e a Casa dos Ventos, maior desenvolvedora de usinas eólicas do país

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