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    o impeachment

    É preciso respeitar as instituições brasileiras, diz presidente da BRF

    TATIANA FREITAS
    DE SÃO PAULO

    19/03/2016 02h00

    Joel Silva - 16.mar.2016/Folhapress
    O presidente da BRF (dona da Sadia e Perdigão), Pedro Faria, durante entrevista à Folha
    O presidente da BRF (dona da Sadia e Perdigão), Pedro Faria, durante entrevista à Folha

    Principal diferencial do Brasil entre os países emergentes, a força das instituições deve ser preservada durante a crise política. A opinião é de Pedro Faria, presidente global da BRF, gigante de alimentos dona das marcas Sadia e Perdigão.

    O executivo prefere não comentar os últimos acontecimentos políticos e não revela sua posição sobre o impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas manifesta uma preocupação em relação a esse processo.

    "Tudo deveria ser feito num respeito às instituições muito grande. Não podemos ter um desequilíbrio de poder, em que o Judiciário de repente virou o vetor do que se faz ou se deixa de fazer. Por outro lado, também não podemos ter um Legislativo de conveniência", disse Faria à Folha.

    Ao lado de Abilio Diniz, presidente do conselho de administração, Faria é responsável pela transformação da BRF desde 2013, incluindo o processo de internacionalização. O maior desafio, diz ele, foi criar uma identidade para a empresa que nasceu da fusão de duas rivais.

    Faria revelou que a companhia deve investir cerca de R$ 2 bilhões neste ano, com foco em inovação e na expansão internacional, o que deve incluir aquisições.

    Folha - Como a BRF está sendo afetada pela crise?

    Pedro Faria - O primeiro ponto que eu acho importante colocar é que a BRF é uma empresa consciente, que vai buscar ser protagonista numa agenda positiva de investimentos. Mas tem o lado do instinto de sobrevivência, que fica bem aguçado. Apertamos o cinto ainda mais.

    Foi preciso demitir?

    Temos um processo de ganho de produtividade que começou em 2013 ou 2013. Não fizemos demissão em massa e não fechamos fábrica. Os nossos movimentos foram muito claros de ganho de eficiência. Esse instinto de sobrevivência tem a ver com o caixa. Não estamos num momento em que podemos fazer um monte de coisas, embora a empresa seja hoje um dos créditos mais sólidos do Brasil. Manteve o grau de investimento quando o rating soberano caiu várias notas. Mas o meu CEP é do Brasil, então estou sujeito a tudo isso.

    Qual é a sua opinião sobre o momento político atual?

    A minha maior preocupação como cidadão e líder empresarial é que não podemos arriscar com as instituições que temos. Estamos num limiar muito tênue de começar a rasgar esse respeito às instituições, e isso, para mim, não volta.

    Você é a favor de uma mudança no governo?

    Cada um tem a sua opinião e eu tenho a minha. Independentemente disso, acho que tudo deveria ser feito num respeito às instituições muito grande. Não podemos ter um desequilíbrio de poder, em que o Judiciário de repente virou o vetor do que se faz ou se deixa de fazer. Por outro lado, também não podemos ter um Legislativo de conveniência. No auge da nossa novela, do nosso "House of Cards" interno, a gente perde essa noção de que isso é um passo de perdermos a credibilidade.

    O Brasil sempre teve um bastião muito forte. Não é o país que mais vai crescer, não é o país que tem o maior bônus demográfico, não é o país que embarcou numa transformação industrial... Agora, como instituições, estamos muito à frente dos Brics [grupo formado por Índia, Rússia, China e África do Sul, além do Brasil] e comparáveis. Eu me sinto responsável como líder empresarial de preservar isso. De que, no afã do exagero da mudança ou da continuidade, não se rasgue isso. Se você não rasgar isso, temos um futuro muito bacana.

    Em janeiro, você completou um ano à frente da BRF. Ao lado de Abilio Diniz, implementa uma reestruturação na companhia desde 2013. Essa reestruturação acabou?

    Essa jornada se renova todo dia. Eu não tenho uma resposta porque, a cada etapa vencida, outra se abre. A verdadeira transformação que a companhia fez foi a organizacional/cultural, na maneira como ela engaja seus funcionários. Sinto que pegamos uma história muito multifacetada, cheia de camadas. De repente, com um pouco de fogo, derretemos aquelas camadas e tornamos isso uma coisa bem uniforme.

    Acabou aquela rivalidade que existia entre as equipes de Sadia e de Perdigão?

    Acho que hoje não tem mais essa coisa de Sadia e de Perdigão. Não tem a coisa do velho e do novo, do internacional e do Brasil, do mercado e da fábrica. O meu principal desafio é fazer a empresa, que tem uma cadeia muito longa, sentir que ela é menor, compacta, mais íntegra. Não dá para dizer que está tudo feito. É um trabalho que tem de estar focado o dia inteiro.

    A internacionalização se tornou foco na nova gestão da BRF. Como está o processo?

    Construímos a nossa primeira fábrica fora do país, em Abu Dhabi, e já preparamos a expansão dela neste ano. Fizemos 12 aquisições no exterior em 2014 e em 2015. Mas, ao mesmo tempo em que queremos a globalização, queremos chegar perto do consumidor.

    Isso é difícil globalmente?

    Parece difícil porque o legado que temos das duas empresas é muito fabril. É um legado rico, sem o qual a companhia não existe. Mas essa aventura de trazer a empresa inteira, e não simplesmente quem está na ponta do mercado, para perto do consumidor é tão importante quanto. Globalizar no entendimento anterior da companhia era: eu exporto para 150 países. Acho fantástico, mas a estratégia que nós trouxemos é: além de exportar para 150 países, eu quero ser local.

    Como a BRF pretende construir uma marca global?

    Não sei, estamos descobrindo. Mas, no ramo de alimentos, a Sadia hoje é a maior marca do mundo. Eu não consigo descobrir no portfólio da Nestlé, da Unilever, da Kraft, da Tyson uma única marca que tenha um faturamento global que se aproxime da ordem de US$ 5 bilhões como o da Sadia. Já cheguei quase lá, a Nutella é um negócio de € 3,5 bilhões.

    Mas a resposta para a sua pergunta depende muito de cada local. Na Argentina, estamos fazendo as duas coisas, a Sadia convive com as marcas locais que adquirimos. A Perdigão, no Brasil, é outro exemplo. Mas, se a gente conseguir ser uma marca global reconhecida, para mim, será um legado fantástico.

    Quanto vão investir em 2016?

    Em 2015 investimos pouco mais de R$ 2 bilhões e neste ano vamos praticamente manter esse valor, mas com um vetor maior de crescimento. Tem um investimento tremendo em inovação. Eu gostaria que 2016 ficasse marcado como um ano em que aceleramos na inovação. Estamos preparando a renovação do nosso portfólio.

    Faria fala sobre a volta da Perdigão às gôndolas

    Após anos de suspensão pelo Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] em algumas categorias, a marca Perdigão voltou em meados do ano passado às gôndolas. Já foi possível recuperar participação de mercado?

    Na relação custo/benefício, a Perdigão está muito bem posicionada. Com a volta da Perdigão, a BRF como um todo cresceu 18% na categoria de presunto cozido e 10% em linguiça no segundo semestre do ano passado, enquanto o mercado ficou mais ou menos estável. Então, para mim, a reintrodução de Perdigão foi fantástica.

    Quais são as expectativas para as vendas em 2016, considerando o cenário de retração no consumo e inflação?

    O mercado brasileiro não está fácil para ninguém. Em 2015, a gente ainda conseguiu crescer, enquanto várias outras empresas de consumo caíram em volume. Alguma coisa a gente fez certo. Este ano, só não decrescer eu já vejo como uma grande vitória. É claro que não vamos conseguir manter volumes em todas as categorias, mas precisamos crescer pelo menos em algumas para melhorar o mix. Temos algumas alavancas para isso, como não ter problemas em distribuição, capacitar a força de vendas, a inovação... Você pode inovar numa categoria estável, com uma apresentação diferente, para um outro público-alvo, para um outro momento de consumo, explorar um espaço diferente na loja... Tem gente que trabalha para comer e tem gente que come para trabalhar. Entre esses dois mundos tem uma infinidade de possibilidades. Na linha de pratos prontos, por exemplo, estamos introduzindo porções família.

    Essa decisão tem alguma relação com a crise, com o fato de as pessoas estarem consumindo menos fora do lar?

    Tem várias coisas que estão acontecendo ao mesmo tempo. É essa riqueza de oportunidades na crise que é interessante acompanharmos. Não tem nenhum segmento hoje de consumo no Brasil tão resiliente como o premium. O que está sendo feito na categoria de sorvetes, de cervejas ou mesmo na nossa empresa, na categoria de presunto especial [Parma ou Royale], são exemplos disso.

    Mas isso não acontece porque a classe A é mais resiliente à crise?

    Não. A minha opinião é que existe um sistema de compensação no ser humano, o que é muito bacana. Não vou viajar, mas vou comer um pouco melhor. Eu preciso de um momento de indulgência. É isso o que está acontecendo e não é muito diferente do que se viu no mercado americano na crise de 2008 e de 2009.

    Desde 2013, quando a BRF passou para a gestão Abilio Diniz, a 2015, a margem líquida da empresa subiu de 3,5% para 9,7%. A margem Ebitda aumentou de 10,3% para 17,8%. São números que mostram uma significativa melhora nos resultados. Vocês estão chegando aonde pretendiam no balanço financeiro?

    Não chegamos. A primeira coisa que a gente precisa entender é que o nosso negócio está sujeito a ciclos, melhores e piores. Na margem, o nosso resultado de 2015 foi muito difícil no Brasil, mas tivemos uma compensação no exterior, com taxa de câmbio etc. Quando você olhar o resultado no próximo trimestre, é preciso tirar esses ciclos para achar a tendência. Eu tenho certeza de que a BRF tem capacidade de ter um resultado bem superior ao que a gente tem hoje -e que já é um resultado bem superior ao da BRF que eu encontrei quando cheguei em 2011. Num ciclo tão ruim como o que estamos hoje, principalmente no mercado externo, facilmente nós viríamos resultados negativos. Mas eu tenho expectativa de ter resultado negativo agora, porque o ciclo está ruim. Tem uma parte do ganho que eu trouxe que não vai embora.

    Já a valorização das ações da empresa não foi tão significativa no mesmo período. O mercado esperava mais dessa nova gestão?

    Os investidores sempre esperam mais. Acho que o valor das ações realmente não reflete tudo o que fizemos. Isso ficou evidente inclusive porque fizemos uma série de recompras de ações. Ao mesmo tempo, sei que tem o problema do endereço errado. E tem até um fenômeno interessante: o ranking relativo da BRF em relação às principais empresas do Brasil também cresceu, e isso está inclusive refletido no índice Ibovespa. Vamos trabalhar direitinho porque, quando o investidor voltar a olhar o Brasil, ele vai começar uma lista das maiores empresas e vai chegar na BRF. O sabor do mercado oscila e não desvia o nosso foco no longo prazo. Tem um lado que é a nossa jornada, saber comunicar cada vez melhor. Mas, no fundo, não estamos querendo ser unanimidade. A gente gostaria que a nossa estratégia fizesse sentido para alguns investidores, talvez não faça para outros, mas a vida segue.

    -

    Raio-X Pedro Faria

    Idade

    41 anos

    Formação

    Administrador de empresas pela FGV com MBA pela Universidade de Chicago

    Carreira

    Membro do conselho de administração da BRF de abril de 2011 a novembro de 2013, quando se tornou presidente internacional. Em janeiro de 2015, assumiu a presidência global. Foi um dos fundadores da gestora de investimentos Tarpon, em que foi diretor-presidente e de relações com investidores

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