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    Crise brasileira não pode ser subestimada, diz diretor-geral da OMC

    RAQUEL LANDIM
    DE SÃO PAULO

    20/03/2016 02h00

    Sérgio Lima - 3.mar.2015/Folhapress
    O diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC) Roberto Azevêdo
    O diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC) Roberto Azevêdo

    O diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), o brasileiro Roberto Azevêdo, diz que a crise política e econômica brasileira não pode ser "subestimada" e que afeta a percepção internacional
    sobre o país.

    Ele avalia que, quando "esse momento difícil for superado", Brasil voltará a ser um "centro de atenção" global. "O potencial do Brasil não desapareceu", disse à Folha.

    Azevêdo chega para uma visita ao país na quinta-feira (24), depois de dois dias na Argentina. Segundo ele, o país vizinho atribuiu um papel mais importante à inserção global depois da mudança de governo e que "nada disso passa despercebido".

    O diretor-geral refuta as críticas feitas sobre a falta de resultados concretos da OMC. "Quem continua criticando, está desatualizado", afirmou, ressaltando entendimentos selados nos últimos anos como o
    fim dos subsídios à exportação agrícola nos países ricos e o acordo de facilitação de comércio.

    Ele reconhece, no entanto, que a Rodada Doha precisa ser "redesenhada" e diz que não acredita que um grande acordo global de comércio, que inclua todos os temas em negociação, seja alcançado no
    curto ou médio prazos. A seguir trechos da entrevista.

    *

    Folha – O senhor viaja para Brasil e Argentina nesta semana. Como a crise afeta a percepção internacional sobre o Brasil?

    Roberto Azevêdo – Até poucos anos, o Brasil despertava enorme interesse da comunidade internacional. Esse interesse existia pelo reconhecimento do potencial de desenvolvimento do país. Esse potencial não desapareceu.

    O que existe é uma crise econômica e política que não pode ser subestimada.

    As incertezas hoje prejudicam o Brasil, mas superado esse momento muito difícil, a percepção externa tenderá a mudar gradualmente. O Brasil voltará a ser um dos centro de atenção mundo afora.

    A presidente Dilma tentou abrir algumas frentes de negociação no segundo mandato. O Brasil ainda é visto como um país protecionista?

    Tenho notado aspectos novos na agenda comercial brasileira. Começo a ouvir com mais frequência a importância da inserção em cadeias de valor e a necessidade de contar com os insumos mais
    competitivos mesmo que importados. Essa visão pode ajudar a superar a polarização simplista de que as exportações são boas e as importações são ruins.

    Outro ponto que merece destaque é o foco na simplificação do comércio. Há um alinhamento entre Executivo, Legislativo, setor privado e opinião pública sobre a necessidade de reduzir custos
    desnecessários. Além disso, o país assinou acordos de facilitação de investimentos na África e na América Latina.

    Com a entrada do presidente Macri, mudou a imagem da Argentina no exterior e sua postura protecionista?

    Vejo sinais positivos de que a nova administração atribui um papel importante ao comércio e à inserção econômica global. Passos importantes foram dados. Nada disso passa despercebido.

    O comércio global tem crescido bem menos, o que dificulta a recuperação de países como o Brasil. Com várias nações retomando produção local para gerar empregos, está em curso uma
    "desglobalização"?

    Sem dúvida, a retomada do comércio está mais lenta e não vemos um crescimento robusto no curto prazo, mas não creio em desglobalização. Estamos estudando porque o comércio desacelerou.

    Há várias explicações como a mudança no modelo de crescimento chinês (está mudança de exportação para mercado local), a retração das economias importadoras emergentes, e a situação na Europa,
    que tem peso desproporcional do comércio.

    Especialistas dizem que a OMC está paralisada. Que resultados a entidade obteve?

    Quem continua criticando, está desatualizado. Nos últimos dois anos, a OMC chegou a resultados importantíssimos. O primeiro deles foi o acordo de facilitação de comércio global.

    É um acordo gigantesco que, quando for implementado, terá um impacto maior do que a eliminação de todas as tarifas de importação globais. Nossos cálculos apontam que vai significar uma expansão de
    comércio de US$ 1 trilhão - e é uma estimativa conservadora.

    Esse acordo já foi fechado há dois anos, mas ainda faltam países importantes para ratificá-lo, como a Índia. Você acha que vai conseguir implementá-lo e em quanto tempo?

    Não tenho a menor dúvida. A Índia está terminando seu processo de ratificação no Congresso. O Brasil também e está ratificando muito rápido para os padrões de processos desse tipo. Em vários países,
    demora mesmo.

    Mais de 70 países ratificaram, ou seja, caminhamos dois terços da distância. É difícil prever o tempo que falta. Gostaria de colocar o acordo em vigência até o fim do ano, mas depende dos países.

    Que outros resultados a OMC conseguiu?

    Na reunião de Bali em 2013, tivemos um importante acordo sobre administração de cotas tarifárias e avanços para países preocupados com segurança alimentar.

    Em Nairobi neste ano, eliminamos os subsídios à exportação para produtos agrícolas nos países desenvolvidos. É muito importante para açúcar, carne suína, lácteos..

    Também tivemos um acordo de tecnologia da informação que cobre um comércio de US$ 1,3 trilhão. O Brasil não é signatário, mas se beneficia desse acordo.

    *Os acordos que o senhor citou foram negociados de forma isolada. Quando a Rodada Doha foi lançada, a ambição era fechar um grande acordo global de comércio, incluindo todos os temas para beneficiar
    a todos. Isso ainda é possível?*

    É improvável conseguir um acordo que envolva todos os temas ao mesmo tempo como estava inicialmente previsto por vários motivos.

    Até 2004 ou 2005, os mercados emergentes não cresciam na velocidade atual e eram considerados periféricos. Hoje alguns países em desenvolvimento passaram a ser centrais.

    Na área agrícola, por exemplo, antes eram só os ricos que concediam apoio doméstico aos produtores rurais. Hoje vários países emergentes subsidiam significativamente sua agricultura.

    Isso significa que a Rodada Doha deve ser abandonada?

    Ou redesenhada. Os temas discutidos na Rodada são muito importantes e duvido que sejam abandonados. Mas há dificuldades pontuais muito fortes.

    Se for possível desenvolver uma metodologia que torne possível resolver tudo junto, ótimo. Mas vai demandar muito diálogo, conversa e diplomacia.

    Repito: não vejo isso acontecendo no curto e médio prazo, mas não é uma falha do modelo (rodadas de negociação). É uma dificuldade econômica e política que existe hoje de fechar a Rodada nos termos
    em que foi concebida.

    As negociações Estados Unidos - União Europeia e a Aliança Transpacífica são boas ou ruins para a OMC?

    São muito boas, porque favorecem a liberalização comercial e ajudam o processo na OMC. Não se esqueça que muitos pontos não avançam dentro da OMC por causa de divergências entre países que
    negociam esses acordos bilaterais. Se encontrarem uma solução entre eles, facilita a conversa na OMC.

    Mas é uma pena que não vão levar a resultados em setores que só poderiam ser discutidos globalmente, como subsídios agrícolas, e não incluem todos os membros, já que são acordos limitados
    geograficamente.

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