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    Corretoras esquecem economia e voltam atenção ao noticiário político

    MARIANA CARNEIRO
    DE SÃO PAULO

    21/03/2016 02h00

    Marcus Leoni/Folhapress
    Pedro Afonso, head comercial da mesa de operações da Corretora Gradual
    Pedro Afonso, head comercial da mesa de operações da Corretora Gradual

    China? A última da Janet Yellen (presidente do banco central dos EUA)? Juros negativos na Europa? Esqueça, você só ouvirá falar de impeachment, PMDB e foro privilegiado nas conversas de operadores do mercado financeiro.

    Desde o início do mês, quando o ex-presidente Lula foi levado a depor pela Polícia Federal em condução coercitiva, o mercado tem reagido com mais vigor ao noticiário político do que a qualquer informação econômica.

    Quando cresce a probabilidade de impeachment, a Bolsa sobe e dólar cai. O contrário ocorre quando diminuem as chances de saída antecipada da presidente do cargo.

    Dessa forma, de canais de TV e monitores de notícias financeiras, a audiência se ampliou à TV Câmara. Jornais, blogs políticos e manuais na web sobre a lei brasileira passaram a leitura obrigatória.

    "Paramos de operar fundamentos econômicos e passamos a operar notícias. Qualquer novidade nessa área acaba impactando o preço dos ativos", diz Pedro Afonso, head comercial da mesa de operações da corretora Gradual.

    Raphael Figueiredo, da corretora Clear, diz que leu tudo o que podia sobre rito de impeachment, assunto que se tornou frequente na conversa com os clientes.

    "O estresse é parecido com o de outros momentos de crise, estamos acostumados com isso. Mas a importância que o noticiário político ganhou sobre os movimentos de mercado nunca vi igual", disse Figueiredo, 34 anos, 16 de mercado financeiro.

    É verdade que o Brasil passou por profundas crises políticas e econômicas, mas o mercado financeiro de hoje movimenta mais recursos e tem mais investidores.

    No dia em que Lula foi levado a depor, foram movimentados R$ 17 bilhões na Bolsa, o dobro do movimento de um dia normal.

    A política também mexeu com o mercado durante a corrida presidencial de 2014, quando o sobe e desce de dólar e Bolsa estava ao sabor das pesquisas e das chances de Dilma Rousseff ou Aécio Neves ganharem a disputa.

    Mas agora um novo ingrediente adicionou emoção ao trabalho já agitado nas mesas de operação financeiras: os movimentos jurídicos.

    "O país não está nem mais 'tradando' [jargão que significa negociar, operar] notícias, e sim legislação. Cada hora surge uma ação legal nova, liminar, interpretação de lei, desvio de propósito... Ontem à noite [referindo-se à quarta, 16] passei a madrugada lendo quais poderiam ser as próximas manobras legais, se poderia haver liminar no Supremo [contra a nomeação de Lula]", diz Afonso.

    O operador diz que, das 12 horas rotineiras de trabalho, as leituras extras têm estendido a jornada para 16 horas.

    "Estou acordando mais cedo, porque as operações da PF costumam acontecer no início da manhã. Normalmente, preparamos uma reunião matinal com os investidores em que falamos sobre a situação dos mercados lá fora ou algum fundamento econômico. Agora, gasto mais tempo lendo páginas policiais e de política dos jornais, que sei que terão impacto nos preços [dos ativos]", conta Figueiredo, da Clear.

    MERCADO PARA O MERCADO

    "A probabilidade de impeachment caiu hoje [quarta, 16] para 55%", dizia um executivo de um grande banco enquanto checava as notícias frescas no celular. Naquela manhã, veio a confirmação de que o ex-presidente Lula aceitara um cargo no governo Dilma. Ao mesmo tempo, ganhava força um burburinho sobre a saída de Alexandre Tombini do comando do BC.

    Lula tomou posse, mas ainda não levou. A Justiça congelou a nomeação. O rumor da saída de Tombini desinflou. Tudo isso se desenrolou em um único dia, que acabou com a revelação das conversas gravadas entre Dilma e Lula. No fim do expediente, a única aposta do executivo: "Haverá um rally [corrida de compra de ativos] amanhã".

    De tão relevante o cenário político, bancos, corretoras e gestoras de investimentos (assets) passaram a contratar o serviço de consultorias para orientar os negócios.

    Há pelo menos três consultores ouvidos, segundo disseram à Folha alguns de seus clientes: Luciano Dias (CAC Consultoria), Alberto Almeida (Instituto Análise) e Murillo de Aragão (Arko).

    Na esteira dos gigantes do mercado, os menores seguem. Pela estratégia do "tape reading" [leitura de fita, na tradução literal], as casas pequenas têm métodos para captar e seguir esses movimentos.

    "O objetivo é ler o comportamento dos maiores participantes do mercado e acompanhar a sua tendência", afirma Figueiredo.

    A dificuldade de enxergar um desfecho para a crise política, porém, afeta tanto grandes quanto pequenos investidores, que só têm à vista a mesma previsão: mais altos e baixos pela frente.

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