• Mercado

    Tuesday, 07-May-2024 06:44:12 -03

    Análise

    Anos 1990 são chave para entender queda na desigualdade

    SERGIO FIRPO
    JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    30/03/2016 02h00

    Renato Alves/Folhapress
    LIGHTBOX REAL BRASÃLIA, DF, 01-07-1994: Plano Real: O presidente da República Itamar Franco troca notas de cruzeiros reais por novas cédulas de real (nova moeda brasileira) na agência do Banco do Brasil, no Palácio do Planalto, acompanhado de Rubens Ricupero, ministro da Fazenda, e Alcir Calliari, presidente do Banco do Brasil. (Foto: Renato Alves/Folhapress) ORG XMIT: AGEN1107012210575034
    O ex-presidente Itamar Franco no dia do início do Plano Real, em julho de 1994

    O espetáculo do crescimento não veio. Ao governo restou a narrativa das conquistas sociais e da diminuição da desigualdade. Elas são inegáveis. Mas de quem foi o mérito? Que políticas foram mais eficazes para essa trajetória?

    Entre 2003 e 2013, o índice de Gini, principal medida de desigualdade, caiu de 58 para 53 pontos (quanto mais próximo de zero, mais equânime é a distribuição de renda), queda de 8,6%.

    Queda extraordinária? A narrativa governista diz que sim. Afinal, o desempenho foi melhor do que nos governos FHC. Entre 1993 e 2002, o índice foi de 60 para 58, recuo de apenas 3,3%. A narrativa do antes e depois é sedutora pela simplicidade. Mas há uma linha tênue entre simplicidade e simplismo.

    Os emergentes foram expostos aos mesmos bons ou maus ventos externos. Os emergentes, incluindo o Brasil, sofreram crises de balanço de pagamentos nos anos 1990. Houve abertura comercial em muitos países durante os anos 1990. Nos anos 2000, os ventos sopraram a favor: commodities em alta, financiamento externo abundante. Sem exceção, o mundo emergente cresceu mais nos anos 2000, expansão que, em quase todos os casos, beneficiou os mais pobres.

    Portanto, os bons ares comuns aos países sugerem olhar para fora, e a pergunta crucial é: como evoluiu nossa desigualdade de renda em relação a países comparáveis? A disponibilidade de dados permite analisar o período 1993 a 2013, o que inclui os governos FHC, Lula e boa parte de Dilma 1.

    A queda da desigualdade brasileira, em relação aos países comparáveis –sejam todos os emergentes ou só a América Latina–, começa em meados dos anos 1990. Com poucas exceções, entre elas Brasil e México, a desigualdade aumentou na América Latina nos anos 1990. E o fato raramente trazido ao debate público que os dados mostram claramente é que, em relação a países comparáveis, a desigualdade brasileira caiu mais fortemente nos anos 1990 do que nos anos 2000.

    Comparada com a queda absoluta observada nos 2000, a desigualdade dos 1990 pode parecer irrelevante. Mas, quando contrastada com o que aconteceu com o resto do mundo e sobretudo com conjuntos de países similares ao Brasil, a queda da desigualdade de renda nos 1990 mereceria mais atenção principalmente para o diagnóstico de que políticas poderiam nos colocar novamente nessa rota.

    Uma razão por trás disso foi a diminuição nos retornos salariais à educação nos anos 1990. Ao estudar mais, o trabalhador tem um aumento de remuneração. Esse é o chamado retorno salarial à educação. Em países nos quais a desigualdade educacional é grande, os retornos salariais da educação são elevados porque a demanda por profissionais qualificados supera muito a oferta.

    Nos anos 1990, dois fatores principais impulsionaram a queda nos retornos educacionais. O primeiro esteve ligado à da educação. A correção de fluxo e a diminuição de evasão escolar, que se iniciaram no fim dos anos 1980, começaram a surtir efeito no mercado de trabalho na década seguinte, gerando um aumento de trabalhadores mais qualificados.

    Conforme o acesso à educação melhora, a oferta de trabalhadores qualificados sobe. Esse processo reduz a desigualdade de renda porque um número maior de profissionais passa a receber salários mais altos e a disparidade entre as remunerações diminui.

    O segundo canal foi via a demanda. Estudos estabelecem que a abertura comercial do fim dos 1980 e começo dos 1990 diminuiu relativamente o emprego nos setores intensivos em mão de obra altamente qualificada, ainda que tenha aumentado, em todos os setores, a participação de trabalhadores com ao menos o ensino médio completo.

    Esse processo reduz a desigualdade de renda porque há um crescimento nos setores com trabalhadores com baixa escolaridade, gerando uma procura maior por trabalhadores com esse perfil, que passam a receber salários relativamente mais altos.

    Mas, interessantemente, a abertura comercial gerou outras mudanças importantes nos anos 1990 que impactaram a desigualdade de renda para além da redução nos retornos à educação. Ao ser submetido a um aumento de concorrência de importados, o empregador precisa diminuir sua margem, o que o impede de pagar salários, ao menos no mesmo nível anterior, com base em características demográficas, como gênero, cor e região de origem.

    Se compararmos pessoas com o mesmo nível de educação, a diferença de rendimentos entre gêneros, raça e regiões cai desde os anos 1990, explicando boa parte da queda da desigualdade no Brasil.

    Mas essa é a narrativa dos 1990. E a dos os 2000? Essa é bem mais conhecida. Nos anos 2000, a América Latina cresceu mais do que nos anos 1990. Viveram-se o boom de commodities e a expansão dos programas de transferência condicionadas de renda, como o Bolsa Família.

    O crescimento possibilitou aumentos de salário mínimo que não causaram desemprego. Aprendeu-se com experiências bem-sucedidas e com fracassos. O resultado? Caiu muito a desigualdade no Brasil. Mas caiu no resto do continente também. Um pouco menos, mas caiu.

    Ainda não há dados para estender a análise comparativa para os anos de 2014 e 2015. Mas tudo indica que pioramos muito em relação aos nossos pares. Afinal, em 2015 a desigualdade no Brasil piorou depois de muitos anos.

    Como seguir evoluindo? A combinação de franquia democrática, reabertura comercial e crescimento econômico nos retornará à trajetória de diminuição da desigualdade. O crescimento econômico permite, por exemplo, aumentar salário mínimo sem causar desemprego, como nos 2000. Para crescer, é crucial aumentar a produtividade, o que se consegue abrindo a economia. Mas a profunda recessão em que o país está mergulhado tem nos desviado dessa rota.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024