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    Leia a íntegra da entrevista com o presidente do grupo Odebrecht

    DAVID FRIEDLANDER
    DE SÃO PAULO
    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    EDITORA DE "MERCADO"

    01/04/2016 02h00

    Marisa Canuto/Valor
    25.07.2001 -EMPRESAS Leilao da Copene arrematada pelo grupo Odebrecht.Marcelo Odebrecht e Newton de Souza,vice-presidente da Odebrecht S/A FOTO: MARISA CAUDURO/VALOR 25.07.2001 -EMPRESAS Leilao da Copene arrematada pelo grupo Odebrecht,Francisco Sa, diretor do Pronor, petroquimica ligada ao grupo Mariani FOTO; MARISA CAUDUTO/VALOR ***FOTO DE USO EXCLUSIVO FOLHAPRESS***
    Newton de Souza, presidente do Grupo Odebrecht (dir.), com Marcelo Odebrecht

    Pressionada pelas acusações de corrupção da Operação Lava Jato e por dívidas de R$ 90 bilhões, a Odebrecht colocou à venda um pacote de empresas na tentativa de levantar R$ 12 bilhões ao longo do ano.

    "Com o aperto monetário, a contração de crédito e a Lava Jato, iniciamos um programa de alienação de ativos, diz Newton de Souza, presidente do grupo Odebrecht. "Achamos que esse valor nos dará tranquilidade para atravessar o furacão".

    O executivo assumiu o posto em junho do ano passado depois da prisão de Marcelo Odebrecht, que foi condenado a mais de 19 anos de prisão por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro.

    Souza não quis falar sobre a Operação Lava Jato nem das tentativas de acordo para que a companhia e seus principais executivos colaborem com as investigações.

    Reconhece, no entanto, que a situação dificulta as atividades da companhia, que já demitiu 70 mil pessoas. Ele diz que os acordos de delação [dos executivos] e de leniência [das empresas] podem ajudar a "criar as bases para iniciar o um novo ciclo" e assim levar a vida adiante.

    "Da mesma maneira que a gente superou crises anteriores, estamos abertos aos aprendizados desta. Com certeza vai dar para virar a página", afirmou o executivo.

    Apesar das dificuldades, o próximo balanço vai mostrar que o faturamento cresceu de R$ 107 bilhões em 2014 para R$ 130 milhões em 2015. Boa parte do resultado se deve à desvalorização do real, já que 61% da receita da companhia vem das atividades no exterior.

    Nesta entrevista, a primeira desde que a Odebrecht caiu na rede da Lava Jato, Souza estava acompanhado por Marcela Drehmer, vice-presidente financeira do grupo.

    *

    Folha - Com recessão, Lava Jato e uma dívida de mais ou menos R$ 100 bi, como pagar essa conta?

    Newton Souza - Esse conceito de que há uma dívida de R$ 100 bilhões a ser paga pela holding, isso não existe.

    A Odebrecht é um conglomerado de negócios, com uma cultura de descentralização. Não olhamos números consolidados, mas negócio a negócio.

    A higidez [saúde] financeira é daquele negócio em particular. Se ele tiver um project finance [modelo de financiamento em que a receita futura do projeto serve como garantia], no começo há investimento sem geração de caixa, mas o credor sabe que haverá no futuro. É uma dívida que rapidamente cabe dentro do sapato daquele projeto.

    Mas a dívida está em R$ 100 bilhões?

    Não. Aliás, o último número divulgado, de 2014, nem era R$ 100 bilhōes, era R$ 85 bilhões de dívida bruta e R$ 63 bilhões de dívida líquida.

    [Marcela Drehmer - A dívida tem que ser olhada em cada negócio, e é preciso olhar o caixa e os vencimentos, o que é de curto prazo e o que é de longo. Porque este é o estresse, o de ter que refinanciar.]

    A holding era avalista de alguns desses negócios?

    Não, não há nenhuma garantia da holding, nem como avalista.

    A empresa cuja dívida precisamos reestruturar é a Agroindustrial, e estamos muito perto de finalizar tanto o alongamento da dívida quanto o aporte.

    Será nesta semana?

    [Marcela: Está mais para o iniciozinho da semana que vem.]

    Vai ter garantia da Braskem?

    Não tem garantia da Braskem nenhuma. Operacionalmente a Agro está entregando um desempenho operacional muito acima do que foi planejado, e isso deu conforto aos bancos para que chegássemos a um alongamento da dívida, para que a empresa ficasse em situação confortável.

    Em contrapartida, a Odebrecht aportou os ativos de energia renovável, de biomassa, o que representou uma capitalização de mais ou menos R$ 2 bilhões, o que vai aumentar a geração de caixa.

    E há também um aporte em dinheiro.

    Os R$ 2 bilhões incluem a capitalização em dinheiro?

    Não, são R$ 2 bilhões mais dinheiro, que vamos divulgar quando fecharmos a negociação.

    Os credores estão mentindo quando falam em ações da Braskem?

    Não estamos atrelando nada. Ativos estão disponíveis para levantar financiamento.

    Estamos fazendo uma operação financeira com os bancos que envolvem ações da Braskem em garantia. Mas isso é parte de um movimento que estamos fazendo de alienação de ativos importantes da organização.

    Num cenário de crise política, crise econômica profunda, nós já vínhamos maior para aumentar nossa liquidez. Com o aperto monetário, contração de crédito, Lava Jato e tudo isso, iniciamos um programa de alienação de ativos. A operação de financiamento que tem garantia de ações da Braskem vai ser paga num prazo muito curto com os ativos, porque estamos em processo acelerado de venda.

    É só para a Agro?

    Não. É uma operação. [Marcela: "É como se fosse uma garantia-ponte. Enquanto a gente não vende os ativos, usamos temporariamente as ações".]

    Queremos fazer um pacote. Há a venda de ativos de um lado, os recursos que vamos levantar com os ativos que não queremos vender e com isso teremos recursos para atender aos negócios que precisarem.

    Hoje a Odebrecht tem ativos mais que suficientes para pagar suas dívidas. Mas há credores que dizem que a dívida pode crescer muito mais rápido e os ativos não serem suficientes.

    Temos um programa importante de desimobilização de ativos estimado em R$ 12 bilhões.

    E o que entra aí?

    Uma usina hidrelétrica no Peru, uma rodovia no Peru que já está em processo de due dilligence [análise dos números], uma participação em bloco de petróleo em Angola, a participação em mina de diamantes em Angola, ativos de energia eólica no Rio Grande do Sul.

    A Ambiental entra nisso?

    A Ambiental é um dos nossos negócios mais promissores, mais bem montados. Numa situação de crise em que vive o país, é natural que, se há ativos importantes à venda, há interessados loucos para comprá-los. Somos muito procurados, sim, por interessados na Ambiental.

    E vão vender?

    O importante pra nós é o programa de liquidez. Dentro dessas conversas com interessados há desde compartilhamento de controle, venda de participação ou até, dependendo de como as conversas evoluírem, a venda do negócio.

    E no Galeão?

    Estamos negociando com nosso sócio, a Changi [operadora de Cingapura], um cocontrole, para reequilibrar a participação deles.

    Então há este programa de liquidez que já está em andamento...

    ... em andamento em diferentes estágios.

    E é dinheiro para abater dívidas?

    Com certeza, o dinheiro líquido dentro da empresa é sempre disponível e traz de imediato uma redução da dívida líquida. [Marcela: "Além disso, quando se vende um ativo, o financiamento vai junto. Os R$ 12 bilhões são o que entra líquido para a companhia, mas a desalavancagem é maior".]

    E no negócio de óleo e gás e no estaleiro Enseada?

    O negocio de óleo e gás padece da mesma crise de todas as empresas de petróleo do mundo, e ainda agravado pela crise da Petrobras.

    É o negócio mais project finance que temos, sem garantias da companhia. Os bonds que sofreram com a rescisão de um contrato da Petrobras, os credores tem como garantia a própria embarcação.

    A OOG está enfrentando esse problema com esses bonds, mas estamos em negociações com todos os envolvidos para dar continuidade à OOG nesse mar turbulento, que ela consiga continuar por cinco anos, até que o preço do petróleo se recupere. Não há risco para a holding por que é um project finance.

    Não há risco para a holding, mas há para a empresa?

    Mas estamos negociando com todos os credores, pois nossos interesses são comuns.

    Mas, se não tem embarcação, vão ter perdas, certo?

    Nosso espírito não é de impor perdas nem de transferência de valor pra ninguém.

    Mas como vocês vão resolver?

    Se todos têm interesses em comum, alongam-se os prazos, criam-se condições de que a companhia continue operando, até que o preço do petróleo volte a subir e venha o fluxo de caixa num prazo mais longo.

    Como chegaram ao número de R$ 12 bilhões?

    Não é um número mágico. É uma estimativa do necessário para trabalhar com um grau de segurança maior. Achamos que esse valor nos dará tranquilidade para atravessar o furacão. [Marcela: "E estamos prevendo que esse valor vai entrar ao longo de um ano".]

    Já há dados sobre a relação entre o Ebitda e a dívida líquida de 2015?

    Não divulgamos ainda o balanço.

    Mas já há números?

    Continuamos com uma redução tanto em real quanto em dólar. Em 2014, a relação era 4,26. Em 2015, terminamos o ano com 4,17. Houve uma queda, mesmo num momento desafiador. Em dólar, caiu de 3,77 para 3,6.

    Houve um importante aumento do Ebitda, da margem e da receita.

    Qual o número?

    A receita ficou em torno de R$ 132 bilhões. Era R$ 107 bilhões em 2014.

    A receita subiu mesmo com a Lava Jato e a recessão? Como se explica isso?

    Há muito efeito cambial.

    Mudou a participação da receita de fora?

    Sim, aumentou de 49% para 61%.

    Quantas pessoas já foram demitidas desde a Lava Jato?

    Tivemos uma redução bastante relevante em um ano e meio. Ninguém é imune, muito menos nós que estamos no meio dessa crise.

    Mas, se você considerar que a economia do país esta caindo 4% ao ano, é natural que as empresas se contraiam.

    Não há investimento nem nada novo, os projetos vão se reduzindo. Passamos de quase 190 mil funcionários para 120 mil.

    E vai aumentar, não?

    Não tenho duvida de que os impactos continuam. Enquanto o país não superar a crise política e depois a econômica, o efeito nos empregos é inexorável.

    Como o grupo vai sair desta crise?

    Estamos tomando medidas importantes, procurando criar as bases para o que a organização vai ser quando sair da crise.

    Não é a primeira crise que estamos enfrentando. A semente do que hoje é hoje a Odebrecht começou numa crise que o fundador enfrentou e numa renegociação com seus credores. O importante é sair fortalecido.

    Estamos reposicionando a holding para mais gestora de projetos compartilhados e menos envolvimento operacional nos negócios.

    Nesta semana, o conselho aprovou mudanças de governança e compliance. O envolvimento da holding terá que se dar exclusivamente pelo conselho de administração dos negócios. Cada negócio precisa ser autossuficiente.

    Em conformidade e compliance, teremos um comitê responsável por compliance, com um coordenador e um CCO [chief compliance officer] ligado diretamente ao foro dos acionistas.

    Esse arcabouço criado na holding vira uma política para que cada negócio procure implementar modelos semelhantes.

    Isso tem algo a ver com as "novas práticas de relacionamento com a esfera pública" que vocês mencionam na nota divulgada há duas semanas?

    Não queria desdobrar essa expressão especificamente, prefiro traduzi-la em atos. Nossos códigos de ética e as regras de conduta tem que ser praticados em todos os âmbitos da organização. Estamos criando processos para que isso ocorra.

    Faltavam processos para isso, então?

    Existiam processos, mas estamos aperfeiçoando.

    Mas vocês já sabem o que precisa melhorar?

    Uma delas é governança e compliance, que estamos criando agora.

    Vai aumentar o número de conselheiros independentes?

    Na holding já há dois, e o número deve aumentar. E nas empresas, em cada conselho, deverá haver conselheiros independentes.

    De que forma a tentativa de acordo de leniência e de delação premiada pode ajudar o grupo a sair da situação em que se encontra?

    Certamente não é uma situação confortável e dificulta nossa tarefa empresarial, mas queremos tomar todas as medidas necessárias para criar as bases para um novo ciclo da organização.

    O quão menores vocês acham que vão ficar?

    Maior ou menor não é relevante. O importante é a qualidade do que vamos fazer, é criar bases sólidas, seguras, para olhar nossa organização a partir dali com um horizonte de perpetuidade, que é parte da nossa cultura. O tamanho que o grupo terá, só o tempo dirá.

    Mas as novas bases dependem também de quem está contratando. Pretendem mudar a porcentagem de negócios com órgãos públicos?

    Somos um conglomerado de vários negócios. Não somos só construção. De forma que, uma vez que a gente ultrapasse essa tempestade, vamos ter plataformas importantes de crescimento.

    O apoio que temos recebido de clientes e sócios é muito grande, apesar das crises mais incríveis. Por exemplo, o estaleiro Enseada passa por uma crise totalmente de fora para dentro. Foi construído em sociedade com a Kawasaki num horizonte em que se esperava o crescimento da indústria naval nacional. E, com toda essa crise, a Kawasaki está do nosso lado o tempo todo.

    Poderia sair do país e ir embora, e no entanto está conosco. Apesar de toda a crise, ninguém se queixa de que a Odebrecht não entrega. E isso deixa os clientes satisfeitos.

    O que vai ser a "colaboração definitiva" da Odebrecht?

    Sobre este assunto eu prefiro não comentar.

    A Petrobras tem aventado vender a parte dela na Braskem. A Odebrecht pode vender junto?

    A Odebrecht não é vendedora nesse processo. Não temos nenhuma intenção de vender. É uma empresa de grande potencial, vemos como âncora importante de nossos negócios como holding.

    Houve rompimentos de contrato no exterior após a Lava Jato?

    Nenhum. Ao contrário, em construção ganhamos vários em 2015, como o metrô de Quito, do Panamá, linha de transmissão em Angola. Também não houve rompimentos no Brasil.

    E estão conseguindo fazer contratos novos?

    O Brasil está parado. Não há contrato novo no Brasil. O país está num estado de paralisia absoluta.

    O senhor assumiu a presidência numa emergência. Deve ficar por mais tempo? Haverá um novo presidente?

    Um dia vai, claro. Mas não sei quando. O que nós estamos fazendo não é provisório, é definitivo, alinhado com o acionista, com o presidente do conselho [Emílio Odebrecht], olhando a perpetuidade da organização.

    O que importa é isso. As pessoas são transitórias, o importante é criar processos e sistemas e organizações sólidas, que tenham condições de sobreviver às pessoas. Não acredito em negócios de uma pessoa só. Posso estar aqui mais dois meses ou quatro anos. O importante é que o que eu faça tenha um caráter de perpetuidade.

    Vários líderes dos negócios foram envolvidos na Lava Jato. Eles serão substituídos? Vai vir gente de fora?

    Somos conhecidos pela capacidade de gestão e disponibilidade de pessoas que nos permitiu crescer como crescemos nos últimos anos. A organização tem muita gente em capacidade de assumir posições de liderança.

    Das pessoas que já foram afetadas pelas questões da Lava Jato, já fizemos as substituições que tinham que ser feitas.

    No caso de outras pessoas que foram envolvidas mais recentemente, não há acusação formal. Na medida em que houver apuração, tomaremos as medidas necessárias para a preservação das pessoas e do grupo.

    Ainda na nota divulgada pela companhia, vocês citam financiamentos ilegais de campanhas políticas.

    Prefiro não comentar nada que tenha relação com a Lava Jato.

    Como está o prazo médio da dívida?

    Cada empresa tem a sua. Na construtora, o primeiro vencimento, em 2018, é de R$ 100 milhões. Os grandes vencimentos da companhia começam a partir de 2025, é uma dívida muito longa.

    São de que vulto?

    US$ 500 milhões a partir de 2025.

    O importante é que temos um perfil de endividamento muito longo. Soubemos aproveitar muito bem a janela de bonds.

    Se uma das empresas enfrentar problemas, pode haver uma corrida de credores em outros ativos?

    Não faz sentido do ponto de vista do credor. Cada financiamento foi bem estruturado do ponto de vista de garantia, e elas são independentes.

    Por exemplo, chego para o financiador e digo: "Veja, tenho um contrato em que a Petrobras se compromete a me pagar 100 por dia durante 15 anos e preciso de x para construir um navio". O risco é este. Ele faz os cálculos, oferece as condições e fazemos o acordo. Aí vem a Petrobras e diz "estou com uns problemas e este contrato de 15 anos não vou honrar". Esse ônus foi assumido pelo financiador. A holding não tem que colocar mais dinheiro. É o risco do financiador.

    É da regra do jogo do project finance. Que, se fosse cumprida no Brasil, seria a melhor coisa: haveria respeito pleno do contrato pelas entidades públicas, maior competição dos interessados. O que faz haver um processo não competitivo é a instabilidade e a insegurança jurídica. Se o poder concedente ou uma empresa pública que não respeita seus contratos e coloca outra empresa em prejuízo porque passa seu problema adiante, desestabiliza as regras. O financiador, da próxima vez, vai dizer "esse risco não dá para correr".

    Estamos falando de Petrobras aqui, certo?

    Estamos falando de qualquer empresas que rescinde algum contrato.

    As acusações contra a Odebrecht são muito graves, o presidente está na cadeia, a dívida, mesmo com perfil interessante, é grande. Vocês vão conseguir sobreviver?

    Sim, estamos extraindo os aprendizados de toda esta crise e estamos criando bases sólidas para a virada de página e as bases de crescimento em um novo ciclo. Acreditamos piamente que, como superamos nossa crise original, a crise das privatizações e CPI do Orçamento e outras mais recentes, vamos sair mais forte desta crise do que entramos, porque estamos abertos aos aprendizados desta crise.

    Não há discussão sobre o pioneirismo, a capacidade tecnológica, a capacidade de inovação e a capacidade de entrega da Odebrecht. Se conseguirmos preservar esses pilares, temos que atacar os que estão contaminados, e é isso que estamos tentando endereçar.

    Então vai dar para virar a página?

    Com certeza vai dar para virar a página.

    Para a Odebrecht, qual seria a melhor solução para a atual crise política?

    Não vou comentar.

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