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    Análise

    Momento requer que BCs globais ampliem as medidas heterodoxas

    NOURIEL ROUBINI
    DE ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE

    06/04/2016 02h00

    Com as economias mais avançadas experimentando recuperações anêmicas da crise financeira de 2008, seus BCs se viram forçados a trocar a política monetária convencional –cortes nas taxas oficiais de juros via aquisições de títulos de dívida pública de curto prazo no mercado aberto– por uma gama de políticas heterodoxas.

    Ainda que o limite do zero nominal –antes apenas uma possibilidade teórica– tenha sido atingido nas taxas de juros, e políticas de taxa zero, implementadas, o crescimento continuou anêmico. Com isso, os BCs adotaram medidas que nem mesmo existiam em seu arsenal uma década atrás. E agora parecem a ponto de fazê-lo novamente.

    A lista de medidas heterodoxas foi extensa. Houve o relaxamento quantitativo, ou seja, aquisições de títulos públicos de longo prazo, quando as taxas de curto prazo já estavam em zero. Depois veio a "orientação futura", ou seja, o compromisso de manter as taxas oficiais de juros em zero por mais tempo que os fundamentos econômicos justificavam, o que reduziu ainda mais o juro de curto prazo.

    Por fim, houve intervenções não esterilizadas nos mercados de câmbio, a fim de estimular exportações por meio de moedas mais fracas.

    Essas políticas de fato reduziram os juros de médio e longo prazo sobre os títulos públicos e os títulos hipotecários. Também estreitaram os spreads de crédito nos ativos privados, estimularam Bolsas, enfraqueceram moedas e reduziram as taxas reais de juros, ao elevar as expectativas de inflação. Ou seja, foram parcialmente efetivas.

    Ainda assim, na maioria das economias avançadas, o crescimento (e inflação) se manteve persistentemente baixo. Não havia falta de motivos para isso. Dada a redução nas grandes dívidas privadas e públicas, políticas monetárias heterodoxas foram capazes de prevenir recessões severas e deflação aberta, mas não de gerar crescimento robusto e inflação perto da meta de 2%.

    Além disso, a combinação de políticas não era ótima. Embora a política monetária possa ter papel importante no estímulo ao crescimento e à inflação, políticas estruturais são necessárias para elevar o crescimento potencial e impedir que empresas, domicílios, bancos e governos se tornem zumbis, cronicamente incapazes de gastar por causa de dívidas excessivas.

    Infelizmente, a economia política da maioria das reformas estruturais –com custos a pagar antecipadamente e benefícios a extrair apenas no futuro– implica que ocorram lentamente. Ao mesmo tempo, a política fiscal se viu cerceada em alguns países por altos deficit e dívidas (que ameaçam o acesso ao mercado) e em outros (zona do euro e EUA, por exemplo) pela resistência política a mais medidas de estímulo, conduzindo a políticas de austeridade que solaparam o crescimento em curto prazo.

    Assim, os BCs continuam a ser o único recurso quando a meta é sustentar a demanda agregada, elevar o emprego e prevenir a deflação.

    Como resultado, as políticas monetárias heterodoxas –em vigor há quase uma década– se tornaram convencionais. E, diante do crescimento persistentemente baixo e do risco de deflação na maioria dos países ricos, os BCs terão de continuar sua batalha solitária adotando um novo conjunto de políticas monetárias "heterodoxamente heterodoxas".

    Algumas delas já foram implementadas. Por exemplo, agora há juros negativos em vigor na Suíça, Suécia, Dinamarca, zona do euro e Japão, sob as quais as reservas excedentes que os bancos detêm no BC agora pagam juros.

    O próximo estágio da política monetária heterodoxamente heterodoxa –se os riscos de deflação, recessão e crise financeira aumentarem de modo expressivo– pode ter três componentes.

    No primeiro, os BCs poderiam taxar dinheiro para impedir que os bancos evitem os juros negativos nas reservas excedentes.

    Segundo, o relaxamento quantitativo poderia evoluir para "jogar dinheiro de helicóptero", ou financiamento monetário direto pelos bancos centrais de deficit fiscais maiores. Jogar dinheiro de helicóptero (via corte de impostos ou transferências financiadas por dinheiro novo) colocaria dinheiro diretamente nas mãos dos domicílios, estimulando o consumo.

    Terceiro, o relaxamento de crédito pelos BCs, ou compra de ativos privados, pode se ampliar significativamente. Pense em compras diretas de ações, títulos empresariais de alto risco e maus empréstimos detidos por bancos.

    Se a política monetária heterodoxamente heterodoxa parece meio maluca, vale lembrar que se dizia o mesmo sobre as políticas "ortodoxamente heterodoxas" de alguns anos atrás. Momentos desesperados requerem medidas desesperadas.

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