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    País não é República das Bananas, diz reitor da Universidade Columbia

    ÁLVARO FAGUNDES
    ENVIADO ESPECIAL AO RIO

    16/04/2016 02h00

    Mauro Pimentel - 16.mar.2016/Folhapress
    RIO DE JANEIRO, RJ, 16.03.2016: REITOR DA UNIVERSIDADE COLUMBIA JOHN COATSWORTH - Retrato de John Chatsworth, reitor da universidade Columbia. A instituicao americana e uma das principais universidades do EUA e do mundo. Localizada em Nova Iorque, a instituição e integrante da Ivy League, grupo das oito mais renomadas universidades do EUA. A entrevista ocorreu numa sala do hotel Windsor Miramar em Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro. (Foto: Mauro Pimentel/Folhapress, FSP-MERCADO) ***EXCLUSIVO FOLHA***
    John Chatsworth, reitor da universidade Columbia, uma das principais do EUA e do mundo

    A turbulência na política brasileira, com manifestações contra e a favor de Dilma Rousseff e a possibilidade de impeachment da presidente, é um processo natural da democracia, e não um sinal de que o Brasil é uma República das Bananas, com forte instabilidade.

    Esta é a opinião de John Coatsworth, reitor da Universidade Columbia (EUA) e especialista em economia latino-americana.

    O americano diz estar otimista com o país, especialmente porque tem instituições mais sólidas do que em outros momentos da história, sem necessidade de troca de regime –e vê o combate à corrupção como um grande avanço no país.

    Para ele, o Brasil tem uma economia dinâmica e, quando o cenário global melhorar, o país também vai crescer junto.

    Leia a seguir a entrevista.

    Folha - A América Latina caminha para o segundo ano de recessão, o que não acontece desde o início dos anos 1980. A região está vivendo outra oportunidade perdida?

    John Coatsworth - O que é mais interessante é que, pela primeira vez desde os anos 1960, as instituições democráticas de boa parte da América Latina está sob pressão, e o que é mais impressionante é que essas instituições estão sobrevivendo –e até ficando mais fortes–, apesar da recessão. É uma oportunidade perdida? Talvez em termos econômicos, de usar o boom de preço das matérias-primas em crescimento sustentável, mas nem todos os países perderam essa oportunidade e devem voltar a crescer logo.

    Com quais países o sr. está mais otimista?

    Estou bastante otimista com o Brasil. Existe um dinamismo na economia que não foi afetado pelo colapso do boom das commodities e, à medida que a economia global melhorar, o Brasil vai estar muito melhor. Outro motivo é que parte dos problemas econômicos do Brasil se deve à turbulência política. Um presidente popular e com mão firme vai deixar os investidores e os consumidores mais confiantes. Mesmo na questão política, o fato de as instituições estarem descobrindo e punindo corrupção é um grande avanço.

    Há outros países da América Latina com os quais o sr. esteja tão otimista?

    A maioria da América Latina está passando por dificuldades no momento, mas há sinais positivos na Argentina, com a mudança de governo, no Chile, que, apesar da desaceleração, tem uma economia robusta, e até mesmo na Venezuela, que sofre com a queda do preço global do petróleo, mas há oportunidades para mudanças políticas que podem acontecer logo. Não no mês que vem, mas certamente em dois anos.

    E por que as instituições estão mais fortes agora?

    Um dos motivos é que, diferentemente dos anos 1960, os problemas políticos vividos pela América Latina são 100% internos, não são afetados pela Guerra Fria.

    Os EUA não estão envolvidos nas dificuldades atuais do Brasil e isso é altamente positivo, porque os brasileiros vão poder resolver seus problemas sem se preocupar com outros fatores –o que não foi o caso em 1961.

    Nós podemos comparar este momento da sociedade brasileira com outros da história do país?

    Se nós olharmos para outros momentos de mudança da história brasileira, como o colapso do Império, eu não vejo o país em uma situação similar. Hoje o Brasil tem instituições que permitem que resolva isso democraticamente, sem a mudança de regime. Eu não vejo nenhum motivo para o Brasil enfrentar uma crise constitucional –a Constituição oferece as respostas para os problemas.

    Quando o sr. analisa o momento atual do país, com discussão sobre impeachment, considera que é um processo saudável de uma democracia ou algo mais próximo de uma República de Bananas?

    Eu acho que quase todas as democracias da América Latina enfrentaram crises similares, exceto o Canadá, que é parlamentarista. Este é um processo natural da democracia. O problema aconteceria se os brasileiros considerarem que a democracia não funciona adequadamente.

    Eu acho que o mais provável é que os brasileiros considerem que a democracia funciona bem, mas que o problema são os políticos recentemente eleitos.

    E, se o problema for o sistema, quais seriam as consequências?

    Isso cria a possibilidade para a ascensão de líderes populistas ou antidemocráticos, desafiando as instituições democráticas. E eu não vejo isso acontecendo no Brasil.

    Como o sr. vê o futuro da América Latina? Uma economia muito dependente das flutuações dos preços das matérias-primas ou com um crescimento mais sustentável?

    É muito difícil falar da região como um todo, cada país tem suas particularidades. No caso brasileiro, há uma comunidade empresarial empreendedora e resiliente, que consegue se adaptar melhor aos cenários do que outros países da América Latina. É claro que o Brasil se aproveitou do boom do preço das commodities, mas a questão é: como o país aproveitou essa oportunidade para diversificar sua economia e tornar seu crescimento mais sustentável? Eu acho que há sinais positivos.

    Os EUA estão em período eleitoral. A América Latina deve se preocupar com quem será o ganhador?

    Não. Os EUA têm interesses permanentes, independentemente do governo que está no poder, e o cidadão americano, de modo geral, não está muito preocupado com a América Latina. Nenhum país latino-americano tem uma bomba atômica apontada para os EUA ou a capacidade de fazer mal aos EUA. Então há muitas oportunidades aqui [na América Latina], mas poucas ameaças, e os políticos americanos costumam responder mais a ameaças.

    Não faz diferença se Donald Trump vencer ou Hillary Clinton"?

    Não acredito, porque vocês [América Latina] não são uma ameaça aos Estados Unidos. O lado positivo é que isso pode gerar oportunidades de parceria. E não há lado negativo.

    Do ponto de vista da região, deveríamos estar mais preocupados com o que acontece na eleição presidencial americana ou com o que acontece na China?

    Do ponto de vista econômico do Brasil, tanto a China como os EUA são importantes. O problema no caso da China é que se preocupar não vai ajudar.

    Por quê?

    Porque os chineses vão fazer o que os chineses querem fazer. No caso americano, existe uma oportunidade maior de diálogo.

    Durante décadas, os latino-americanos rumaram para EUA e Europa em busca de oportunidades de trabalho. Nos últimos anos, esse processo mudou, mas é possível que, com a crise, volte ao cenário anterior. Como os americanos vão receber essas pessoas?

    Pelo menos nos últimos 200 anos, os americanos deram boas-vindas aos imigrantes para logo protestar contra eles. Quando a sociedade muda, mesmo que para melhor, sempre há aqueles que consideram que o mundo está indo na direção errada. Então, apesar de tudo o que você vê na campanha eleitoral americana, os EUA vão continuar a receber bem os migrantes.

    *

    RAIO X
    John Coatsworth

    FORMAÇÃO
    Graduado em história pela Universidade Wesleyan (EUA), com mestrado e doutorado em história econômica pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA). É especialista em economia latino-americana e história internacional

    CARGOS
    É professor em Columbia desde 2006. Lecionou em Harvard (1992-2007) e na Universidade de Chicago (1969- 1992)

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