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    Secretário da Receita do governo FHC rejeita CPMF e novos impostos

    WALTER NUNES
    DE SÃO PAULO

    27/04/2016 02h00 Erramos: esse conteúdo foi alterado

    Jorge Araujo - 19.mar.2015/Folhapress
    Everardo Maciel, ex-secretário da Receita no governo Fernando Henrique Cardoso
    Everardo Maciel, ex-secretário da Receita no governo Fernando Henrique Cardoso

    Um avião passando por uma enorme tormenta. Com essa metáfora, Everardo Maciel, ex-secretário da Receita do governo Fernando Henrique Cardoso, define o momento político e econômico do Brasil.

    Nos anos em que teve a chave do cofre nas mãos Everardo contou com a ajuda da CPMF para engordar as contas, mas agora é contra a criação desse e de novos impostos.

    "Em lugar de aumentar o nível de extração da sociedade, você precisa discutir como pode lidar com esse assunto resolvendo questões do lado da despesa", diz. Everardo analisa que neste momento é preciso discutir a obrigatoriedade de alguns gastos e ter criatividade para aumentar a arrecadação.

    Admite a necessidade de reformas, mas não muito amplas. "Se você chega agora com um pacote de mudança, um enorme pacote de mudança você não vai a lugar nenhum."

    Leia, a seguir, os principais trechos de sua entrevista à Folha.

    *

    Folha - Como o senhor vê a possibilidade de um novo governo?
    Everardo Maciel - Por enquanto é prematuro falar qualquer coisa sobre o assunto, primeiro porque o processo ainda demora. Há uma tramitação no Senado e todo o processo está à mercê de fatores completamente fortuitos que possam seguir numa direção ou em outra. Então acho muito prematuro discutir isso. Quanto ao que fazer na hipótese, supondo que haja uma mudança de governo eu acho que existem tantas possibilidades e é uma coisa tão aberta que falar em qualquer coisa concorre somente e tão somente para aumentar o grau de dissenso e portanto prejudicar qualquer possibilidade concreta de solução.

    A arrecadação no Brasil vem caindo. O que fazer para melhorar o caixa do governo?
    Boa parte da queda da arrecadação acontece por causa do processo recessivo. Quer dizer, se houver uma mudança, uma inflexão nesse processo, é claro que isso se reflete sobre a receita. A receita é produto do que acontece, não do que não acontece. Então se há uma recessão, se há uma debilidade econômica evidentemente repercute sobre a receita. Mas uma mudança de política em relação aos fatores que levaram a receita à recessão terá inevitavelmente um bom impacto sobre a receita. E claro que existem outras possibilidades que também podem ser exploradas que, se feitas com alguma engenhosidade, podem dar um novo alento a tudo isso.

    Quais são essas possibilidades?
    Por exemplo, vou citar só uma e essa sozinha já é muito poderosa. Nem todo mundo sabe, ou talvez poucos saibam, mas o que existe de inscrito em dívida ativa no Brasil, portanto em processos que estão em curso e que não estão sendo liquidados, isso vai um trilhão e quatrocentos bilhões de reais na área federal. Somando estados e municípios chega a ter três trilhões de reais. Ou seja, o que tem na área federal é uma arrecadação anual.

    Precisa descobrir como fazer isso, como fazer com que essa dívida consiga alcançar um patamar de liquidez. Sem falar que existem processos administrativos em julgamento na Receita, algo como 600 bilhões de reais. Eu não quero dizer, não sou nem um pouco de ter a pretensão de imaginar, que tudo isso tenha liquidez. Não, mas alguma coisa tem liquidez.

    Então, dar uma atenção a essas questões envolve criatividade. Eu não quero fazer comparações com situações do passado, mas em condições análogas foram adotadas medidas nesse campo que resultaram em arrecadação das chamadas receitas extraordinárias que equilibraram o país. Lembro o que se fez na tributação dos fundos de pensão. Existe um impasse judicial de mais de 20 anos. Então se conseguiu encontrar uma solução onde se resolveu o passado e acertou o futuro. É possível? É, cada caso é um caso. E depende muito de criatividade, de engenhosidade para conseguir superar isso. Mas é possível.

    Há necessidade da criação de novos impostos?
    Não, eu acho que essa questão é sempre mal formulada. E explico: (mal formulada) porque ela parte do pressuposto de que a despesa é inflexível, o que não é necessariamente verdadeiro. Diz-se uma coisa de forma recorrente, quase como se fosse um mantra: 90% das despesas são despesas obrigatórias e portanto a margem de manobra é apenas de 10%. Isso é em parte verdadeiro. Mas a questão é a seguinte: que tal discutir a obrigatoriedade? Essa obrigação não decorre de um ato divino, nem de cláusula pétrea constitucional.

    Ela decorre de normas constitucionais e de normas infraconstitucionais. Que tal discutir essas questões? Quer dizer, em lugar portanto de aumentar o nível de extração da sociedade, você discutir como você pode lidar com esse assunto resolvendo questões do lado da despesa. Por que sempre se parte do pressuposto de que não há como cortar? Qual foi a vez que alguém levantou para esclarecer isso, essa absoluta impossibilidade? Nenhuma vez. Eu me lembro que houve uma situação análoga a essa em 1988, antes da Constituinte. O então ministro Maílson da Nóbrega, da fazenda, e João Batista de Abreu, do Planejamento, me pediram para fazer um programa de corte de gastos. Que é uma outra área em que sou menos conhecido. E nós fizemos isso. Eu e um grupo pequeno. Nós conseguimos cortar 1,5% do PIB. E não aconteceu nada.

    Os empresários não conseguem programar investimentos por falta de horizonte político. Isso pode mudar com um novo governo?
    Isso muda. Muda sim. Isso muda num primeiro alento, primeiro movimento. Mas é preciso que você dê estabilidade. Quando alguém pergunta o que fazer eu digo nesse instante: você está num avião, numa tormenta enorme. Antes de descobrir onde é que você vai pousar dê primeiro estabilidade para o avião. Se você não der estabilidade ao avião, o avião vai cair.

    O empresariado pede reformas. Reforma trabalhista, tributária...
    Pedem todas essas reformas, mas tem que verificar. Todas essas questões elas envolvem conflitos de interesses e conflitos de razão. Se você buscar uma solução muito grande, muito abrangente, você vai maximizar esse conflito e você não sai do lugar. Você tem que buscar de forma estratégica o que você tem que tratar de pronto, não de forma abrangente. Coisas pontuais.

    Fazer reforma política? Mas como fazer reforma política? Vou tratar de coligações e eleições proporcionais. Pronto. Vá ganhando prestígio. Vá ganhando força para fazer as outras mudanças. Por que se você chega agora com um pacote de mudança, um enorme pacote de mudança você não vai a lugar nenhum. É perda de tempo. Perda de tempo. Você só faz aumentar a confusão. Veja os casos todos como essas questões como reforma tributária. Fazer uma reforma tributária começando do zero? Vamos supor que o Brasil não exista. Aí você vai fazer qualquer coisa. Mas (as coisas) existem.

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