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    Temer é capaz de 'fazer tricô com quatro agulhas', afirma Delfim

    EDSON VALENTE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    02/05/2016 18h37

    Bruno Santos - 3.jun.15/Folhapres
    São Paulol, SP, BRASIL- 03-06-2015: Na foto, o ex-ministro da fazenda e professor, Delfim Netto, em seu escritório no bairro Pacaembu, durante entrevista para o caderno Mercado, sobre ajuste fiscal. ( Foto: Bruno Santos/ Folhapress ) *** MERCADO *** EXCLUSIVO FOLHA***
    O ex-ministro Delfim Netto, em seu escritório no Pacaembu, em SP

    O vice-presidente Michel Temer é um dos últimos políticos do país capazes de "fazer tricô com quatro agulhas", segundo o economista e professor Antonio Delfim Netto, 88. "Ele é nossa última esperança."

    "Políticos como Temer, Sarney, Tancredo e Ulysses sabem que é preciso constituir uma maioria política para sustentar qualquer programa, porque praticamente todos os programas servem", disse o economista, que é colunista da Folha, em uma palestra realizada nesta segunda-feira (2) no Centro Ruth Cardoso, em São Paulo.

    Temer assumirá a Presidência interinamente se o Senado instaurar, provavelmente na semana que vem, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

    "O Temer é treinado e sabe que só o político pode salvar o economista. Assim, poderá fazer alguns ajustes durante dois anos para convencer a sociedade de que o equilíbrio voltará em 3 ou 4 anos. Se aproveitar essa chance e conseguir fazer isso, poderá se transformar em um estadista. Se não for possível, ele terá de dizer que não é possível, ou que administrar talvez seja possível, mas inútil, como disse Mussolini na Itália."

    A habilidade com a tecitura seria necessária para resolver o grande problema do país no cenário atual, em sua opinião: a falta generalizada de confiança.

    "O trabalhador não consome porque tem medo de perder o emprego", disse. "O empresário não investe porque o trabalhador não vai consumir. E o banqueiro, quando vê o consumidor assalariado e o empresário sem gastar, vai buscar dinheiro dos dois para salvar sua liquidez. Os três estão líquidos e vão morrer afundados na liquidez. É preciso mudar as expectativas da sociedade."

    Para tanto, segundo Delfim, não é preciso fazer um grande malabarismo estratégico na economia, mas reunir esforços para seguir uma premissa básica. "Não adianta fazer um ajuste fiscal só com o corte de gastos, isso só vai produzir mais buracos. É preciso fazer com que a indústria e as exportações cresçam", afirma.

    "É por isso que eu acredito que o Temer poderá ajudar, porque ele entendeu um fato importante: não há nenhuma dificuldade de diagnóstico. Não se trata de um problema econômico, e sim de um problema político que requer um político treinado como o Temer. Se não expandirmos o investimento e as exportações, não vai voltar o crescimento. E, no momento em que tivermos 1% de crescimento, tudo mudará de cara, o equilíbrio fiscal virá por gravidade."

    'CURTOPRAZISMO'

    O que "destruiu" o Brasil, em sua avaliação, foi "o aparelhamento do Estado para os amigos" —erro que não poderá ser repetido por Temer, segundo Delfim.

    Mas a "tragédia" do governo PT, de acordo com o economista, só começou em 2011. "A Dilma fazia um excelente governo, com um crescimento de 3,9% no PIB. Foi então que, no auge do seu prestígio, ela resolveu inovar com uma intervenção no setor energético para aumentar sua popularidade."

    Na primeira pesquisa após essa medida, diz Delfim, a popularidade de Dilma cresceu. "Não satisfeita, resolveu botar a mão nos juros sem dar as condições para o Banco Central de mantê-los baixos. Mas isso aumentou ainda mais sua aprovação popular. A aprovação popular é uma das piores coisas para um governo, ela o destrói. O 'curtoprazismo' da sociedade produz esse populismo irresponsável."

    Até o primeiro trimestre de 2014, diz, não houve "nenhum desastre", com a inflação sob controle.

    "Aí ela [Dilma] decidiu fazer o diabo e usar o conselho do Maquiavel no projeto de campanha para se reeleger. [Otto von] Bismarck [estadista alemão do século 19] já dizia que nunca se mente tanto como antes de uma eleição, durante uma guerra e depois de uma pescaria [a frase original se refere a uma caçada]. Ela aplicou a teoria adequadamente, fez uma campanha absolutamente desligada da realidade."

    VIRGEM NUMA CASA DE TOLERÂNCIA

    Ao se reeleger, "Dilma adotou a política econômica de seu opositor [Aécio Neves], a qual tinha criticado ferozmente", afirma o economista.

    "Ela podia ter feito isso, mas antes precisava ter dito: 'Quem votou em mim me perdoa [sic], eu enganei vocês, mas agora pus o [ex-ministro da Fazenda] Joaquim Levy.' Não deu certo porque nunca ninguém acreditou que a Dilma realmente tivesse entregue o Ministério da Fazenda a ele. O Joaquim acreditou, na verdade ele é uma virgem numa casa de tolerância. Nos primeiros momentos, logo foi vítima da esquerda infantil, seu programa foi bombardeado pelo partido [PT]. O que aconteceu foi projetado."

    Caso assuma o governo, Temer terá heranças boas da atual gestão, caso de "projetos de infraestrutura com altas taxas de retorno", segundo Delfim. "Caberá a ele ter a lucidez para aproveitar o que está sendo feito."

    No entanto, o economista criticou a saúde e a educação no país. "Não há nada mais ineficiente no Brasil que a administração desses setores. O que faz a Saúde em Brasília? Tem lá 30 mil funcionários, e é um biólogo despachando a aposentadoria ou as férias do outro. O Brasil precisa é aumentar a produtividade dos recursos que já tem."

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