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    'Estamos vendendo abaixo do custo', afirma chefe da Tecnisa

    JOANA CUNHA
    DE SÃO PAULO

    10/05/2016 02h00

    Ana Paula Paiva - 20.out.2010/Valor
    Meyer Nigri, presidente da construtora Tecnisa; para ele setor imobiliário poderá se recuperar rapidamente
    Meyer Nigri, presidente da construtora Tecnisa; para ele setor imobiliário poderá se recuperar

    Uma das grandes vítimas da crise atual, o setor imobiliário pode estar diante de uma rápida retomada, se o governo de Michel Temer conseguir alcançar as condições para uma queda imediata de juros. A previsão é de Meyer Nigri, presidente da construtora Tecnisa.

    No mês passado, o setor assinou um acordo com o governo com propostas referentes ao distrato -desistência da compra do imóvel após a assinatura do contrato-, que sairá mais caro para o comprador desistente. Segundo Nigri, porém, foi só paliativo.

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    Folha - O que essa provável saída de Dilma representa?
    Meyer Nigri - Do jeito que estava não estava dando. A gente precisava de uma posição. Essa indefinição é o que mata. Estive em Brasília, conversei com pessoas importantes e voltei muito otimista. Estão sendo escolhidas pessoas competentes. Acho que a confiança no país vai mudar e que a velocidade da queda da taxa de juros vai ser bem rápida. As pessoas com que eu tenho conversado também estão otimistas. Mudou o clima.

    Mesmo sabendo que esse governo Temer não está livre de Lava Jato?
    Estamos considerando que ele consiga terminar o mandato dele. No Brasil, tudo pode mudar. Se amanhã aparece alguma coisa no TSE ou algo envolvendo o governo, aí muda tudo, claro.

    E especificamente para o setor, que tanto sofreu na crise?
    O setor depende de emprego, que está ficando mais crítico, de crédito, que está restrito, e o pior, que é confiança. Imagine alguém que vai comprar imóvel hoje. Assumir uma dívida de 30 anos com medo de perder o emprego e sem saber o que vai ser o futuro do país? Ele adia a compra e isso faz com que o mercado fique semi paralisado. Para o setor, uma definição política dá confiança e ajuda um pouco. Mas não quer dizer que resolve tudo. Tem outras coisas, precisa voltar emprego, crédito e taxa de juros.

    Quando veremos a luz no fim do túnel no setor e na economia em geral?
    Tudo vai depender da velocidade de implantação dos ajustes. Todo mundo já sabe que o governo precisa reduzir gastos, fazer reforma tributária, trabalhista, desburocratizar etc. Para a economia como um todo, só a confiança já dá vontade nas pessoas de voltar a investir.

    Para o nosso setor, depende ainda de emprego e crédito. Também ainda existe um excesso de oferta. Vai depender da velocidade com que forem implantadas as medidas para que esse excesso de oferta seja consumido. Se eu tivesse que dar um chute, para o nosso setor começaria a ficar bom em um a dois anos.

    Aí já dá para voltar a fazer lançamentos?
    Depende da cidade. O Brasil é grande. Tem lugares em que os estoques estão muito altos. São Paulo não está tão alto, mas pode ser que venham muitos lançamentos agora que teve muita aprovação com a mudança do Plano Diretor. Muita gente correu para aprovar projetos. Então é difícil precisar porque depende de quantos lançamentos virão a mercado.

    O mercado imobiliário é muito atrelado a taxa de juros. À medida que a taxa de juros começa a cair, melhora muito. Se as taxas de juros realmente começarem a cair muito rápido, o mercado tende a se recuperar rápido também e aí pode voltar a ter lançamentos.

    A tomada de decisão sobre lançamentos tem considerado aspectos políticos?
    O mercado trabalha assim: você faz a conta de quanto custa o seu produto, põe uma margem de lucro mínima, vê o preço de mercado e vê se é compatível. O que está ocorrendo hoje é que a gente vê na concorrência e às vezes dentro da empresa é que estamos vendendo abaixo do custo. Então por que lançar uma coisa por um valor se nós mesmos e a concorrência estamos vendendo o mesmo produto por menos? Ou seja, a gente já tem certeza que será fracasso o lançamento porque tem certeza que não vai conseguir vender pelo preço que seria justo, que daria margem de lucro mínima.

    Como será neste ano?
    A gente tem algumas coisas. Depende do segmento. Estamos tentando focar unidades de até R$ 400 mil, que têm tido boa velocidade de venda. Dependendo da região, é possível lançar algumas coisas nesse segmento, em que o comprador faz uma conta um pouco diferente. Ele calcula a prestação e vê se cabe no bolso. Ele não faz muita conta de política, de juros, de quem vai ser o ministro da Fazenda. E como às vezes ele paga aluguel, entre pagar aluguel e prestação, ele se esforça e paga a prestação.

    Como o aumento dos distratos tem pressionado os preços?
    É uma bola de neve. O estoque está alto e o cliente que comprou pede distrato, quer desistir. Aí o estoque fica ainda mais alto. Então você é obrigado a dar um desconto para realizar a venda. Com isso, os preços caem. Aí aquele comprador que não ia distratar pensa: 'bom, já que o preço despencou, então eu também vou distratar'. Aí os preços caem mais ainda. Fica uma coisa sem fim.

    O que estamos passando hoje no Brasil no setor imobiliário é uma crise similar à crise do subprime, que teve nos Estados Unidos em 2008 e 2009. Similar por razões completamente diferentes mas com resultados praticamente idênticos. E estamos à beira de ter um problema sistêmico se o governo não agir com relação a esse assunto.

    E esse recente acordo assinado pelo setor com o governo, que definiu novas regras para os contratos de compra de imóveis na planta, buscando suprimir abusos de incorporadores e vantagens indevidas dos compradores?
    Esse acordo é um paliativo. Não é um bom acordo para nós, mas acordo é assim, cada parte cede um pouco. Ele vale para o Rio de Janeiro. Mas acreditamos que os outros Estados também devem acompanhar. Isso é um regulamento de distrato, o que nós precisamos encontrar é um novo tipo de negócio em que não exista o distrato.
    O ideal seria ter um regulamento que acabe com os distratos, não regulamentar quanto devolve. O ideal seria não ter.

    Os preços devem voltar a subir quando?
    Tem lugares em que a gente não precisa dar desconto porque tem procura e tem outros em que precisamos dar 50% de desconto para vender. Os índices que medem as variações de preços não captam os descontos, ou seja, os preços efetivamente praticados. Quando você vê tabela de vendas, acha que os preços praticamente não caíram, mas a realidade das empresas, principalmente dependendo do volume de estoques, é muito diferente. Tem gente dando 30%, 50% de desconto.

    Os descontos já estão no limite?
    Nosso mercado é cíclico, de altos e baixos. Neste momento, ele está no ponto mais baixo que eu já vi. Então, para quem tem intenção de comprar, é ótimo momento, se for nas empresas e negociar bem. É muito pouco provável que os preços venham mais para baixo porque a maioria das empresas não está lançando ou está lançando muito pouco. Quando o estoque acabar, a realidade será outra. O preço de lançamento será custo mais margem de lucro.

    Quais são as soluções para o mercado?
    Regulamentar o distrato porque a lei não é clara do quanto você tem que devolver. O principal é mudarmos o modelo do negócio e trabalhar com o Minha Casa, Minha Vida, com o repasse do financiamento na planta. Com isso, o cliente já assume o financiamento na largada. Fica bom para nós porque não tem o distrato e para o cliente que também já garante a taxa de juros que vai pagar, já está definido, não tem alteração. E para o banco também é uma garantia porque ele tem certeza de que o cliente está lá. Porque hoje o banco exige um percentual de vendas para ir liberando o dinheiro, só que quando chega a hora do repasse, muitas vezes caem as vendas, tem o distrato e o banco também está com a dívida para receber e não recebe porque não tem mais o cliente. Os três lados saem ganhando. É uma coisa mais saudável para o balanço das empresas.

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