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    Redes sociais selecionam conteúdo jornalístico e de entretenimento

    JOHN HERMAN
    DO "NEW YORK TIMES"

    16/05/2016 13h45

    Dado Ruvic/Reuters
    Facebook e Twitter estão competindo pela compra de direitos de transmissão de programas de TV
    Logomarca das redes sociais Facebook e Twitter

    No final da semana passada, Mark Zuckerberg anunciou que o Facebook conduziria "uma investigação completa sobre as acusações de que editores da empresa haviam impedido reportagens de veículos de mídia conservadores de aparecer em uma seção do serviço de redes sociais.

    Mas a declaração, feita ao final de uma semana de atenção despertada pela acusação, conduziu a uma questão talvez mais óbvia, mas que o 1,65 bilhão de usuários mensais do Facebook no planeta podem não ter levado em conta.

    Quer dizer que o Facebook tem editores?

    Tem, e não está sozinho, nisso. A maioria das grandes plataformas de mídia social nos últimos anos montou equipes editoriais próprias, para selecionar, adequar e preencher lacunas no material produzido por usuários e companhias de mídia.

    As equipes em muitos casos são minúsculas, quando comparadas ao restante dessas imensas organizações. Mas a maioria dos funcionários que trabalham com isso - quer sejam definidos como curadores, repórteres, editores ou algo mais - toma decisões editoriais que afetam grandes audiências. Como e por que essas decisões são tomadas é algo que vem gerando novas questões que precisam ser enfrentadas pelas empresas e seus usuários.

    "As organizações noticiosas convencionais enfrentam ceticismo do público há décadas", disse Kjerstin Thorson, professor na Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo, na Universidade do Sul da Califórnia.
    Agora, diz ela, as companhias de mídia social podem enfrentar escrutínio semelhante, e talvez incômodo.

    O Facebook se recusou a dizer quantas pessoas desempenham papéis editoriais em seu quadro, assim como o Instagram, controlado pelo Facebook. Mas diversas outras empresas ofereceram detalhes sobre suas operações que sugerem o escopo e variedade de suas ambições editoriais.

    O Snapchat afirmou ter 75 funcionários que produzem conteúdo, recolhem e anotam vídeos e fotos de eventos ao vivo e ocasionalmente acrescentam reportagens feita nos locais desses eventos. O Twitter emprega pouco menos de uma dúzia de pessoas nos Estados Unidos e cerca de duas dúzias no planeta para recolher e descrever posts sobre tópicos notáveis.

    O Vine, serviço de vídeo controlado pelo Twitter, emprega cerca de cinco a 10 pessoas para destacar vídeos e produtores que possam ter sido desconsiderados pela audiência, ou que a empresa simplesmente deseja que mais pessoas vejam.

    "A curadoria começa a ganhar importância", diz Ankur Thakklar, gerente editorial da Vine, "por você necessitar de olhos e ouvidos humanos para perceber uma tendência cultural que uma máquina talvez não perceberia".

    Em alguns casos, essas equipes coexistem com profissionais de mídia que trabalham em outras áreas das empresas. Peter Hamby, antigo repórter político da CNN, comanda uma equipe de seis jornalistas no Snapchat, e empresas de mídia - entre as quais a CNN - produzem conteúdo para o Discover, uma das seções do Snapchat.

    O que há de novo nesses arranjos pode obscurecer sua influência aberta. Companhias como essas, como centenas de milhões de usuários, atraem enorme quantidade de atenção humana. As pessoas cujos vídeos no Snapchat são destaque por decisão dos curadores dizem ter milhões de espectadores.

    Um artista que o Vine decida destacar pode esperar grande número de novos seguidores. Uma tendência ou meme que receba esse tratamento pode atrair milhares de respostas novas de usuários.

    O Trending Topics, lista de assuntos quentes postada pelo Facebook que atraiu toda a atenção na semana passada, fica relegado a uma pequena caixa na tela dos navegadores, em um computador, e à página de busca, em aparelhos móveis. Mas o posicionamento oferece confirmação, de acordo com a terminologia que o Facebook mesmo emprega em suas diretrizes, "de que o tópico está vinculado a um evento noticioso corrente, no mundo real".

    As diretrizes amplas dos curadores do Twitter estão disponíveis no site e afirmam que os posts que eles selecionam, definidos como "Moments", "não assumirão posição definida sobre um assunto controverso... e os curadores selecionarão tweets que representem todos os lados da discussão", para refletir o debate público.

    O Snapchat não divulgou suas normas editoriais, mas apontou para sua equipe de repórteres experientes como indicação de seus padrões. (Um anúncio de emprego para "líder editorial" no site definia que suas funções seriam "definir a voz editorial dos Live Stories do Snapchat", e pedia por "cinco anos de experiência" com jornalismo ou formas narrativas.)

    A reportagem que acusava o Facebook de suprimir notícias do Trending Topics foi publicada na segunda-feira passada pelo site de notícias tecnológicas Gizmodo, e gerou negativa do Facebook quanto à acusação. A empresa em seguida divulgou suas 28 páginas de diretrizes editoriais internas, e afirmou na quinta-feira que as diretrizes editoriais "não permitem a supressão de perspectivas políticas".

    Para as empresas, adicionar conteúdo adicional, original ou mediado, tem atrativos evidentes, ajudando-as a extrair mais valor das pessoas que já usam a plataforma, bem como a potencialmente atrair novos usuários. "Cada uma dessas empresas tem de dar às pessoas que não frequentam seus sites, os usuários novos ou pouco frequentes, um motivo para visitá-los", disse Michael Pachter, analista da Wedbush Securities.

    Mas Pachter disse que a presença de operações editoriais acarreta o risco de enfatizar até que ponto essas empresas ganharam importância como portais de notícias e entretenimento.

    "Editar, escrever, criar e filtrar esse conteúdo", ele disse, "é uma grande responsabilidade. Creio que eles tenham noção dessa importância".

    O debate da semana passada sobre o Trending Topics deu a usuários e críticos uma chance de analisar a plataforma do Facebook, que estabeleceu alcance significativo, de novas maneiras. Redes sociais como o Facebook são amplamente vistas como sistemas imparciais que refletem as ideias, preferências e relacionamentos dos usuários. Mas repentinamente elas passaram a ser vistas não como empresas de tecnologia, ou como companhias de mídia, às quais o público encara com desconfiança, mas sim como algo intermediário.

    Detalhes sobre as práticas editoriais da equipe do Facebook, por exemplo, levaram imediatamente a questões sobre as ferramentas usadas por eles para identificar as histórias populares, para começar. Uma análise dessas ferramentas levou a questões sobre a mecânica central do Facebook - o software que usa as conexões e preferências pessoais de mais de um bilhão de usuários para decidir o que lhes mostrar a seguir.

    Muitas dessas interrogações conduzem ao mesmo dilema espinhoso: quem projetou o sistema dessa maneira, e por quê? Isso pode ajudar a explicar por que outras empresas se recusaram a participar da discussão pública sobre o Facebook na semana passada, na esperança de evitar tempestade semelhante.

    "Há muitas semelhanças entre essa situação e o pouco que sabemos sobre como as organizações noticiosas tradicionais funcionavam na metade do século 20", disse Thorson, "o último período anterior à perda de confiança do público na mídia".

    Ela acrescentou que "a questão na verdade é quanta atenção sustentada por parte da mídia esses processos requererão antes que as plataformas devam reagir de alguma forma para preservar a confiança que detêm".
    "Suspeito que bastante", ela disse.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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