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    Jornalista ataca crença de que a sociedade é meritocrática

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    DE NOVA YORK

    21/05/2016 02h00

    Reprodução
    James Bloodworth; ele ataca as crenças da sociedade sobre a meritocracia
    James Bloodworth; ele ataca as crenças da sociedade sobre a meritocracia

    Em quatro mensagens no Twitter, James Bloodworth, 33, explicou por que declinou convite para um artigo sobre seu novo livro, "O Mito da Meritocracia".

    1) "Acabei de escrever sobre a dificuldade que jovens da classe trabalhadora têm em se dar bem em suas profissões por causa da proliferação do trabalho não remunerado".

    2) "O [site] Huffington Post disse que parecia interessante. Me pediram para escrever algo".

    3) "Infelizmente, não podiam me pagar –apesar de serem uma companhia multimilionária".

    4) "Então, eis meu artigo: você faz parte do problema, Huffington. Fim".

    O britânico é menos lacônico nas 144 páginas da obra nas quais põe sob escrutínio a meritocracia –a "falsa ideia" de que, se você for bom e trabalhar duro, terá sua chance.

    Na Inglaterra, jovens ricos continuarão pegando os melhores trabalhos, e não só por terem acesso às melhores universidades. São também os mais propensos a aceitar trabalhar de graça no início da carreira, praxe em grandes companhias que, em troca, prometem "projeção". Em miúdos: "Você devia é agradecer, isso fará um bem danado para seu currículo".

    "Nos últimos anos, cresceu a 'cultura do estágio'. Um diploma universitário não basta mais."

    A tendência em áreas como publicidade, design e jornalismo fez da Inglaterra "a capital do trabalho não pago na Europa", diz o autor à Folha.

    Mas a conta não fecha para todos. "Você não pode, afinal, aguentar seis meses sem salário se tem contas a pagar. É exploração, simples assim."

    QUANDO CRESCER

    "O que você quer ser quando crescer?", perguntou-lhe um orientador vocacional.

    Aos 15, Bloodworth não fazia ideia –e "beber cerveja e caçar garotas" não parecia a resposta ortodoxa.

    Em 2014, escreveu no jornal "The Independent" sobre "por que insistimos nessa pergunta no momento em que a criança veste seu primeiro uniforme".

    Com isso, ela cresce com a falsa impressão de que pode ser médica, astronauta ou domadora de leões, se assim o quiser.

    No livro, ele fala de uma "distopia meritocrática", comparando-a "à pessoa na fila para comprar o tíquete da loteria preocupada em como gastará o prêmio".

    PAIS E FILHOS

    Filho da classe média ("a pequena burguesia, como marxistas diriam"), acha que ganhou seu bilhete premiado: a avó bancou sua universidade.

    Relatório de 2012 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico mostra que a Inglaterra é um dos países desenvolvidos onde os filhos mais provavelmente refletirão o desempenho econômico dos pais.

    A educação, "motor da mobilidade social", é uma fraqueza. Dos 20% mais pobres, 46% das mães não têm nenhuma qualificação. Entre os 20% mais ricos, 3%.

    Outra amostra: 54% dos cem maiores executivos e 70% dos juízes de altas cortes cursaram universidade privada; a média da população é 7%.

    "Mesmo o entretenimento é dominado por 'filhinhos de papai: 42% dos vencedores do Bafta [o Oscar britânico] estudaram em escolas particulares", afirma Bloodworth.

    A meritocracia é uma palavra sedutora para um país que ainda preserva sua monarquia e que há não muito tinha uma aristocracia hoje confinada à "Downton Abbey" da TV.

    O escritor Martin Amis lançou em 1984 o aclamado "Grana", sátira aos excessos da era Margaret Thatcher.

    Argumentou 30 anos depois, em documentário da BBC, que a sociedade aristocrática foi substituída por outra, a monetária. "Sempre foi assim nos EUA, e agora na Inglaterra também."

    Enviar seu filho para a Eton College, escola para garotos fundada em 1440 pelo rei da Inglaterra, não depende mais de um título de nobreza: agora é um "exercício do poder do dinheiro", segundo Amis.

    Para Bloodworth, é aí que a meritocracia derrapa. "Duas crianças. Os pais de uma são milionários, os da outra ganham salário mínimo. Elas de cara não terão chances iguais na vida."

    Ex-editor do site progressista Left Foot Forward e colunista do "International Business Times", ele chegou a escrever de graça para o Huffington Post.

    Decidiu criticar o site "pela ironia" de lhe negarem pagamento por um artigo sobre o dano causado pelo trabalho gratuito.

    A Folha procurou o Huffington Post para comentar, sem sucesso.

    "Estamos sempre com medo, como jornalistas ou em outra profissão qualquer, de reclamar publicamente dessas propostas. É assustador porque você acha que será visto como encrenqueiro e perderá trabalho."

    Eis sua "lição de casa": "É importante cortar esse papo furado sobre 'ganhar exposição' e apenas dizer não".

    The Myth of Meritocracy
    AUTOR James Bloodworth
    EDITORA Biteback Publishing
    QUANTO US$ 6 na amazon.com (144 págs.)

    Edição impressa
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