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    Robôs transpõem sexismo para o mundo tecnológico, dizem ativistas

    FELIPE MAIA
    DE SÃO PAULO

    29/05/2016 02h00

    Ross, cuja principal habilidade é vasculhar a legislação em busca de respostas para questões jurídicas complexas, acabou de ser contratado por um importante escritório de advocacia. Siri é muito inteligente também, mas se encarrega de outras tarefas como agendar compromissos, fazer ligações ou dar sugestões para o jantar.

    Os dois não são gente, mas foram criados para interagir com humanos: são serviços que usam inteligência artificial para ajudar seus usuários nas mais diversas tarefas.

    O fato de o sistema para advogados ter recebido um nome de homem e a assistente da Apple ter designação feminina, assim como suas colegas Cortana, da Microsoft, ou Alexa, da Amazon, reacendeu um debate sobre o sexismo na tecnologia.

    "Todas as assistentes que usam inteligência artificial recebem nomes femininos, mas o advogado ganhou o nome de Ross", tuitou a jornalista americana Rose Eveleth após a notícia de que o serviço havia sido contratado pelo primeiro cliente, o escritório BakerHostetler.

    Não se trata apenas de nome: as pessoas estão cada vez mais acostumadas a serem ajudadas por vozes femininas, usadas como padrão em serviços como o Waze.

    Há algumas explicações técnicas para isso, diz Flavio Tonidandel, coordenador do curso de ciência da computação da Centro Universitário FEI: vozes femininas soam melhor em alto-falantes menores como os usados em robôs ou nos celulares.

    Mas há quem veja as assistentes pessoais como mais promissoras do ponto de vista do mercado -mais aceitas por um público acostumado a ser assistido por mulheres.

    "O mercado é sexista. Isso se reflete", diz Esther Colombini, professora da Unicamp e especialista em robôs e inteligência artificial.

    NEUTRALIDADE

    Andrew Arruda, presidente-executivo da companhia canadense que criou Ross, diz que questões de gênero não foram consideradas no momento de criar a ferramenta. Para ele, "sistemas de inteligência artificial não são humanas, então não são femininas ou masculinas".

    "Eu acho que a inteligência artificial é emocionante porque haverá uma tonelada de perguntas que nos forçarão a considerar o status quo da sociedade humana", afirmou ele à Folha.

    Há quem duvide dessa neutralidade, caso de Kathleen Richardson, pesquisadora de ética em robótica da Universidade De Montfort, no Reino Unido. Para ela, essas ferramentas não são neutras porque foram criadas por humanos e, ao fim de tudo, têm objetivos comerciais.

    "Na sociedade, é esperado que as mulheres cuidem das crianças, dos mais velhos. Essa ideia cultural é traduzida para a tecnologia", afirma.

    Trata-se de uma discussão que já existia no setor de robótica, onde a situação é, de certa forma, invertida. Críticos já apontaram que robôs com características femininas já estão em desvantagem.

    "É mais fácil fazer um robô masculino. Para fazer uma mulher, tem os detalhes do corpo, muita gente quer aquela boca mais sensual", explica a Roseli Romero, professora da USP de São Carlos.

    Ela afirma que a maioria dos humanoides que conhece tem feições mais masculinas -mesmo nos casos em que as fabricantes as designam como "neutros". O Asimo, da Honda, um dos mais famosos, é descrito assim pela fabricante, mas a maioria o encara como menino.

    Há também um desconforto, por exemplo, com a crescente criação de máquinas inteligentes femininas voltadas ao sexo. Richardson gerou barulho em 2015 ao criar uma campanha contra o sexo com robôs, por considerar que a prática reproduz a exploração contra as mulheres.

    Curiosamente, havia apenas uma "menina" entre os quatro representantes do Brasil na categoria de robôs para o lar na última edição do torneio internacional Robocup. Tratava-se de Judite, desenvolvida por alunos da FEI.

    "Eu entendo que haja a questão do sexismo, o fato de a Judite ir lá e pegar um refrigerante, mas a gente não pensou nisso", diz Tonidandel.

    GUERRA DOS SEXOS

    O que fazem produtos 'masculinos' e 'femininos'

    ROBÔS

    JUDITE
    ONDE fei.edu.br/robofei
    Criada por alunos da FEI, de SP, é um pouco inspirada no robô Rose, da série 'Os Jetsons'. Ajuda o usuário em tarefas como pegar objetos, servir café ou abrir a geladeira

    ASIMO
    ONDE asimo.honda.com
    Um dos humanoides mais conhecidos, o robô criado pela Honda consegue correr até 6 km/h e, na última versão, comunica-se por língua de sinais; tem gênero neutro, diz a fabricante

    ROXXXY
    ONDE truecompaniontv.com
    'Robô sexual' (feminino ou masculino), fala com o usuário de acordo com as carícias que recebe e tem cinco opções de personalidade e recato

    ASSISTENTES

    ROSS
    ONDE rossintelligence.com
    Para escritórios de advocacia, usa inteligência artificial para responder a perguntas -o assistente de nome masculino vasculha a legislação, estudos de caso e outras fontes para formular a resposta

    CLARA
    ONDE claralabs.com
    Descrita como 'uma funcionária que faz você economizar tempo ao agendar suas reuniões'. Usa inteligência artificial para negociar esses encontros. Tem rivais como o app Amy

    ALEXA
    ONDE amazon.com/echo
    'Cérebro' do alto-falante Echo, da Amazon, compra produtos, dá informações sobre o tempo e, em breve, vai abrir a porta da garagem

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