Fabio Rossi/ Divulgação | ||
Tom Cardamone, diretor geral do Global Financial Integrity |
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Saturday, 18-May-2024 21:38:21 -03Remessa ilegal ao exterior aumenta em tempos de crise, diz especialista
LUCAS VETTORAZZO
DO RIO10/06/2016 02h00
Tom Cardamone, diretor-geral da Global Financial Integrity, ONG que faz pesquisa o fluxo de remessas ilegais de dinheiro para o exterior, diz que é preciso que se crie um cadastro internacional de usuários de contas anônimas em paraísos fiscais.
Isso evitaria, segundo ele, situações como a do "Panamá Papers", em que políticos, empresários e celebridades de diversas parte do mundo foram pegos em lista vazada de contas secretas.
Ele lembra que ter contas anônimas não é crime, mas levanta suspeita sobre o tipo de movimentação e a origem do dinheiro.
O Brasil não ficaria de fora. Há pelo menos 22 brasileiros no "Panamá Papers". Segundo Cardamone, nos últimos dez anos, o envio de dinheiro ilegal do Brasil para o exterior dobrou- foi de US$ 14 bilhões em 2004 para US$ 28 bilhões em 2013. Cardamone esteve no Brasil para a conferência Business Future of the Americas 2016, no Rio.
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Folha - O senhor poderia dar um panorama de como estão as remessas ilegais de dinheiro para o exterior do Brasil?
Tom Cardamone - De 2010 a 2013 o Brasil atingiu nível próximo de US$ 30 bilhões por ano em remessas ilegais de dinheiro. Não é tão grande quanto China ou a Rússia, mas é considerável, já estamos falando de um recurso que não entra na economia.Que tipos de práticas são mais comuns por aqui?
A prática mais adotada são notas fiscais frias ou adulteradas em importações e exportações. Isso ocorre quando uma empresa subvaloriza um produto para pagar menos impostos. Muitas vezes, a sobra é aplicada em alguma offshore ou paraíso fiscal. Isso geralmente é feito para evitar impostos ou em lavagem de dinheiro.O Brasil está no meio da apuração de um grande esquema de corrupção, com políticos suspeitos de esconder dinheiro em paraísos fiscais. Existe alguma maneira mais efetiva para coibir essa prática?
É importante dizer que esse é um problema mundial. Criar uma empresa anônima ou uma conta secreta não é propriamente crime, caso a origem do dinheiro seja lícita ou declarada. Mas é um processo legal usado por alguns para fazer coisas ilícitas. Esse é o problema.Mas existe alguma forma de coibir isso?
Tome o exemplo do "Panamá Papers". O fato de haver a possibilidade de se esconder dinheiro em contas ou empresas anônimas cria um problema. O ideal, e esse debate já está em curso, é que os governos dos países criem registros públicos de proprietários de empresas secretas, com nome e endereço. Esse seria o primeiro passo, que na prática seria eliminar o sigilo da propriedade de empresas.Impressionou a quantidade de envolvidos no "Panama Papers", com nomes de peso da política internacional, empresários e até celebridades. Porque tantas pessoas usam esse tipo de mecanismo?
Novamente, criar uma empresa anônima não é ilegal, mas muitas pessoas utilizam para propósitos ilegais, como evasão de divisas, sonegação de impostos, enfim. E relativamente fácil. Há diversos escritórios que te ajudam a abrir uma empresa de fachada com uma conta no exterior. É curioso dizer, mas é mais comum encontrar motivos ilegais para usá-las que legais.E, se o mecanismo é mal utilizado, por que esse serviço existe afinal de contas?
É o capitalismo (risos). Existe porque se faz dinheiro com esse tipo de serviço. Há pequenos países no mundo em que a economia gira em torno dessa estrutura.Quanto de dinheiro ilegal o Brasil envia ao exterior?
As remessas ilegais do Brasil praticamente dobraram em dez anos. Saíram de US$ 14 bilhões em 2004 para US$ 28 bilhões em 2013 [último dado disponível].Há alguma relação com o crescimento econômico do país na última década?
Na verdade não. Em geral, é durante crises econômicas que costuma haver picos de fuga de capital de forma ilegal. No Brasil, nos anos 1980, na crise da dívida e na hiperinflação, houve o primeiro grande pico. Nos anos 1990, com a crise cambial e a desvalorização do real, houve um segundo grande pico.A julgar pela situação econômica atual, então, o país deve estar no terceiro pico, certo?
Não saberia prever o que ocorreu em 2014, por exemplo, pois não temos os dados, mas o senso comum diz que os índices devem estar avançando. Nos últimos quatro anos da estatística, o montante variou sempre no mesmo nível. Esteve em US$ 28 bilhões em 2010, depois avançou para US$ 31 bilhões em 2011, repetiu o valor no ano seguinte e recuou um pouco para US$ 28 bilhões. Os dados mundiais são ainda mais impressionantes: só em 2013, os fluxos ilícitos de países em desenvolvimento somaram US$ 1 trilhão.O Brasil aprovou recentemente uma lei de repatriação de recursos ilegais no exterior. Há críticas à proposta. O que achou da lei?
Não estou totalmente familiarizado com a lei brasileira, mas acho uma boa ideia. Os EUA fizeram algo semelhante há alguns anos. Se você declarar, pagar o imposto e a multa você fica livre de penas mais duras. E isso funcionou bem por lá. A lei americana determina que, depois da repatriação, o dono da conta declare anualmente a movimentação dessa conta, além de esclarecer a origem do dinheiro. Isso pode funcionar para corrigir erros de gente que age licitamente e monitorar quem tenha cometido crime no passado.Há um congressista no Brasil- o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha- que diz ser beneficiário de uma conta na Suíça em nome de uma trust. Ele alega que não precisaria declarar o dinheiro porque não era dono dele, mas há indícios de que ele movimentava o montante na conta. Isso é crime?
A trust é similar às empresas anônimas. Você cria uma trust, mas seu nome não precisa estar nela. Ela pode ser registrada no nome de um intermediário. Se o dinheiro foi conseguido de forma ilegal, e você controla ou o movimenta, está cometendo um crime. Se o dinheiro for legal, mas você o colocou lá para sonegar impostos, é crime também. Tudo depende da origem do dinheiro e o motivo pelo qual ele está lá.RAIO-X TOM CARDAMONE
CARGO
É diretor-geral da Global Financial Integrity, ONG americana especializada em fluxo financeiro ilegal. Antes disso, foi diretor-executivo do Centro para Controle e Não Proliferação de ArmasFORMAÇÃO
Estudou história na Universidade Massachusetts, Amherst (EUA)Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br
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