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    Remessa ilegal ao exterior aumenta em tempos de crise, diz especialista

    LUCAS VETTORAZZO
    DO RIO

    10/06/2016 02h00

    Fabio Rossi/ Divulgação
    Tom Cardamone, diretor geral do Global Financial Integrity
    Tom Cardamone, diretor geral do Global Financial Integrity

    Tom Cardamone, diretor-geral da Global Financial Integrity, ONG que faz pesquisa o fluxo de remessas ilegais de dinheiro para o exterior, diz que é preciso que se crie um cadastro internacional de usuários de contas anônimas em paraísos fiscais.

    Isso evitaria, segundo ele, situações como a do "Panamá Papers", em que políticos, empresários e celebridades de diversas parte do mundo foram pegos em lista vazada de contas secretas.

    Ele lembra que ter contas anônimas não é crime, mas levanta suspeita sobre o tipo de movimentação e a origem do dinheiro.

    O Brasil não ficaria de fora. Há pelo menos 22 brasileiros no "Panamá Papers". Segundo Cardamone, nos últimos dez anos, o envio de dinheiro ilegal do Brasil para o exterior dobrou- foi de US$ 14 bilhões em 2004 para US$ 28 bilhões em 2013. Cardamone esteve no Brasil para a conferência Business Future of the Americas 2016, no Rio.

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    Folha - O senhor poderia dar um panorama de como estão as remessas ilegais de dinheiro para o exterior do Brasil?
    Tom Cardamone - De 2010 a 2013 o Brasil atingiu nível próximo de US$ 30 bilhões por ano em remessas ilegais de dinheiro. Não é tão grande quanto China ou a Rússia, mas é considerável, já estamos falando de um recurso que não entra na economia.

    Que tipos de práticas são mais comuns por aqui?
    A prática mais adotada são notas fiscais frias ou adulteradas em importações e exportações. Isso ocorre quando uma empresa subvaloriza um produto para pagar menos impostos. Muitas vezes, a sobra é aplicada em alguma offshore ou paraíso fiscal. Isso geralmente é feito para evitar impostos ou em lavagem de dinheiro.

    O Brasil está no meio da apuração de um grande esquema de corrupção, com políticos suspeitos de esconder dinheiro em paraísos fiscais. Existe alguma maneira mais efetiva para coibir essa prática?
    É importante dizer que esse é um problema mundial. Criar uma empresa anônima ou uma conta secreta não é propriamente crime, caso a origem do dinheiro seja lícita ou declarada. Mas é um processo legal usado por alguns para fazer coisas ilícitas. Esse é o problema.

    Mas existe alguma forma de coibir isso?
    Tome o exemplo do "Panamá Papers". O fato de haver a possibilidade de se esconder dinheiro em contas ou empresas anônimas cria um problema. O ideal, e esse debate já está em curso, é que os governos dos países criem registros públicos de proprietários de empresas secretas, com nome e endereço. Esse seria o primeiro passo, que na prática seria eliminar o sigilo da propriedade de empresas.

    Impressionou a quantidade de envolvidos no "Panama Papers", com nomes de peso da política internacional, empresários e até celebridades. Porque tantas pessoas usam esse tipo de mecanismo?
    Novamente, criar uma empresa anônima não é ilegal, mas muitas pessoas utilizam para propósitos ilegais, como evasão de divisas, sonegação de impostos, enfim. E relativamente fácil. Há diversos escritórios que te ajudam a abrir uma empresa de fachada com uma conta no exterior. É curioso dizer, mas é mais comum encontrar motivos ilegais para usá-las que legais.

    E, se o mecanismo é mal utilizado, por que esse serviço existe afinal de contas?
    É o capitalismo (risos). Existe porque se faz dinheiro com esse tipo de serviço. Há pequenos países no mundo em que a economia gira em torno dessa estrutura.

    Quanto de dinheiro ilegal o Brasil envia ao exterior?
    As remessas ilegais do Brasil praticamente dobraram em dez anos. Saíram de US$ 14 bilhões em 2004 para US$ 28 bilhões em 2013 [último dado disponível].

    Há alguma relação com o crescimento econômico do país na última década?
    Na verdade não. Em geral, é durante crises econômicas que costuma haver picos de fuga de capital de forma ilegal. No Brasil, nos anos 1980, na crise da dívida e na hiperinflação, houve o primeiro grande pico. Nos anos 1990, com a crise cambial e a desvalorização do real, houve um segundo grande pico.

    A julgar pela situação econômica atual, então, o país deve estar no terceiro pico, certo?
    Não saberia prever o que ocorreu em 2014, por exemplo, pois não temos os dados, mas o senso comum diz que os índices devem estar avançando. Nos últimos quatro anos da estatística, o montante variou sempre no mesmo nível. Esteve em US$ 28 bilhões em 2010, depois avançou para US$ 31 bilhões em 2011, repetiu o valor no ano seguinte e recuou um pouco para US$ 28 bilhões. Os dados mundiais são ainda mais impressionantes: só em 2013, os fluxos ilícitos de países em desenvolvimento somaram US$ 1 trilhão.

    O Brasil aprovou recentemente uma lei de repatriação de recursos ilegais no exterior. Há críticas à proposta. O que achou da lei?
    Não estou totalmente familiarizado com a lei brasileira, mas acho uma boa ideia. Os EUA fizeram algo semelhante há alguns anos. Se você declarar, pagar o imposto e a multa você fica livre de penas mais duras. E isso funcionou bem por lá. A lei americana determina que, depois da repatriação, o dono da conta declare anualmente a movimentação dessa conta, além de esclarecer a origem do dinheiro. Isso pode funcionar para corrigir erros de gente que age licitamente e monitorar quem tenha cometido crime no passado.

    Há um congressista no Brasil- o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha- que diz ser beneficiário de uma conta na Suíça em nome de uma trust. Ele alega que não precisaria declarar o dinheiro porque não era dono dele, mas há indícios de que ele movimentava o montante na conta. Isso é crime?
    A trust é similar às empresas anônimas. Você cria uma trust, mas seu nome não precisa estar nela. Ela pode ser registrada no nome de um intermediário. Se o dinheiro foi conseguido de forma ilegal, e você controla ou o movimenta, está cometendo um crime. Se o dinheiro for legal, mas você o colocou lá para sonegar impostos, é crime também. Tudo depende da origem do dinheiro e o motivo pelo qual ele está lá.

    RAIO-X TOM CARDAMONE

    CARGO
    É diretor-geral da Global Financial Integrity, ONG americana especializada em fluxo financeiro ilegal. Antes disso, foi diretor-executivo do Centro para Controle e Não Proliferação de Armas

    FORMAÇÃO
    Estudou história na Universidade Massachusetts, Amherst (EUA)

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