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    Crise canavieira gera vila fantasma em Igarapava, no interior de SP

    MARCELO TOLEDO
    ENVIADO ESPECIAL A IGARAPAVA (SP)

    19/06/2016 02h00

    Ela já teve segurança, atendimento médico, farmácia, centro esportivo com sauna, aluguel e água gratuitos e mais de mil habitantes.

    Hoje, a vila de funcionários da Usina Junqueira, em Igarapava (na divisa entre São Paulo e Minas), expõe o declínio dos empregos no setor canavieiro no interior do Estado, maior produtor de açúcar e etanol no país.

    Construída a partir de 1940 pela família Junqueira para empregados da usina, a vila tem 273 casas e outros 29 imóveis, como restaurante, escola, mercado e igrejas.

    Desde 2002, quando a Fundação Sinhá Junqueira, que a administra, arrendou a usina para o hoje grupo Raízen, passa por um encolhimento.

    O local perdeu a guarita de segurança e sofreu demissões em massa. Uma das ruas tem todos os imóveis de um dos lados interditados devido ao risco de desabamento.

    Hoje há 163 imóveis ocupados, dos 302 existentes.

    A fundação, que hoje tem 88 funcionários, mas chegou a 5.000 na safra, diz que pretende demolir 54 casas, mas não acabar com o local.

    "O ideal é que a vila fosse municipalizada", diz o superintendente da fundação, Valdir Crivelaro. Dos mais de 70 km de estrada de ferro, resta uma maria-fumaça exposta na praça e peças no museu.

    ÊXODO

    Próxima ao rio Grande e às margens da rodovia Anhanguera, a vila é uma das obras criadas por Theolina Junqueira, a Sinhá Junqueira, mulher do coronel Quito Junqueira, um dos maiores fazendeiros do país no século 20.

    As casas, a 7 km do centro da cidade, permitiam aos empregados morar perto do trabalho. Hoje, a decadência reflete a perda de empregos no setor. A cada ponto percentual de avanço da mecanização das operações nos canaviais, 2.700 trabalhadores perderam vagas, segundo o estudo do Instituto de Economia Agrícola, do Estado.

    A inovação industrial e as fusões também reduziram as equipes e, com a crise do setor desde a década passada, 300 mil vagas foram extintas.

    Moradores se queixam da insegurança, da falta de um posto de saúde, de lixo e mato alto em algumas casas.

    "Estava em outra casa, mas tinha muito rato. Um dia acordei com uma cobra no quarto. A vila não tem mais ninguém, está abandonada mesmo e dá dó", disse a aposentada Dejanira Maria de Jesus Ferreira, há 12 anos no local. Ela morava na rua em que as casas já não têm telhado, portas ou janelas. A demolição foi paralisada após pedido da Promotoria.

    FUTURO INCERTO

    Para Crivelaro, são necessários mais de R$ 70 mil para reformar cada casa, afetada por umidade ou -ironia- treminhões de cana que passam numa estrada atrás da rua mais atingida pelas demolições.

    "A fundação tem ações sociais em três cidades da região, além de Igarapava. Reformar as casas para alugar pelos valores cobrados, de R$ 200, faz com que a conta não feche. É melhor investir nos projetos." O investimento anual em filantropia supera R$ 3 milhões, segundo ele.

    "Arrendamos porque no setor só vai ficar quem é grande. Éramos uma usina só, mas apenas os grandes vão sobreviver", diz o superintendente da fundação, ao explicar as mudanças na vila.

    O contrato, válido desde 2002, vence em 2021, mas pode ser renovado automaticamente, conforme ele.

    A posição é diferente da defendida pela prefeitura. O prefeito Carlos Augusto Freitas (PSD) disse que desde 2013 tenta encontrar uma saída para a vila, mas não obteve respostas da fundação.

    "Queríamos desapropriar, mas não aceitaram. Depois a proposta foi de lotear e a fundação vender as casas. Levei o perímetro urbano da cidade até lá, para facilitar a venda como loteamento, mas fui surpreendido quando soube que estavam demolindo."

    Por isso, segundo o prefeito, a administração estuda formas de tombar o conjunto arquitetônico.

    A advogada da fundação, Glaucia Cristina Ferreira Mendonça, por sua vez, disse que a fundação tenta urbanizar o local, hoje considerado imóvel rural.

    Segundo Crivelaro, foram investidos R$ 800 mil em fiação elétrica nos últimos anos. "Se fossemos derrubar a vila toda, investiríamos? Nossa intenção é das melhores e gostaríamos que a prefeitura assumisse a vila."

    O museu do local também foi restaurado em dezembro. Conforme o superintendente, a maioria dos atuais moradores não tem elo nem com a usina nem com a trajetória histórica da vila.

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