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    Cifras & Letras

    Crítica

    Jornalista vai trabalhar em start-up e termina frustrado

    RODOLFO LUCENA
    DE SÃO PAULO

    09/07/2016 02h00

    Betsy Weber - 2.out.2012/Flickr
    O jornalista Dan Lyons, que escreveu o livro 'Disrupted
    O jornalista Dan Lyons, que escreveu o livro 'Disrupted'

    Trata-se de pura vingança pessoal. Demitido de uma jovem empresa de tecnologia, jornalista cinquentão que tentou se reinventar como marqueteiro detona a companhia em livro venenoso.

    Essa é uma sinopse possível para "Disrupted, Ludicrous Misadventures in The Tech Star-Up Bubble" (em tradução livre, Descartado: desventuras ridículas na bolha de start-ups de tecnologia), de Dan Lyons, que ganhou notoriedade por ser o "Fake Steve" (Falso Steve), autor do sardônico blog "The Secret Diary of Steve Jobs" (Diário secreto de Steve Jobs).

    Também trabalhou como roteirista na série televisiva "Silicon Valley", que satiriza a cultura nerd das empresas iniciantes de alta tecnologia. O que é também o mote de seu livro.

    Mesmo com décadas de experiência cobrindo o mundo da alta tecnologia, passando por revistas como "Forbes" e "Newsweek", chegou o dia em que Lyons, já com cabelos grisalhos e mais de 50 anos, se
    viu desempregado.

    A notícia lhe chegou por telefone. Sua chefe na "Newsweek" avisa que tem más notícias e informa que a vaga de Lyons na empresa havia sido eliminada. Ele está fora, e tudo que ganha são duas semanas
    de aviso prévio.

    Não há explicações o- ficiais. "Acho que eles querem contratar gente mais jovem", lhe diz sua chefe, afirmando que o corte não fora decisão sua.

    "Com seu salário, eles podem pagar cinco jovens recém-saídos da universidade."

    O jornalista trata de se reinventar e troca de lado: vai trabalhar em uma start-up de tecnologia, uma jovem empresa que está no caminho para abrir o capital e ganhar muito dinheiro.

    Apesar de declaradamente não saber nada sobre marketing, Lyons é contratado para atuar exatamente nessa área, que é o coração da HubSpot.

    A companhia, uma das mais importantes do cenário de tecnologia da região de Boston, produz aplicativos para "atrair, envolver e encantar os clientes, oferecendo experiências de atração que são relevantes,
    úteis e personalizadas" –na definição da própria empresa.

    FRUSTRAÇÕES

    A experiência do jornalista, porém, foi repleta de frustrações.

    Dos então 500 funcionários da companhia –considerada um dos melhores lugares para trabalhar na área de Boston– grande parte tinha metade da idade do recém-chegado.

    O choque de gerações foi apenas um dos problemas que Lyons enfrentou.

    Mergulhando nos intestinos do setor que acompanhara como repórter durante décadas, constatou que as empresas queridinhas dos investidores são moedoras de carne humana, com altíssima rotatividade
    no quadro de funcionários.

    Boa parte do livro é dedicada ao desencanto do jornalista com a cultura, as práticas comerciais e a governança corporativa que encontra.

    Isso chega a minar um pouco a credibilidade do autor, que posa de vestal, como se tudo o surpreendesse –o que é incompatível com sua experiência profissional como repórter da área.

    ESTATÍSTICAS

    Mas não se trata apenas de chororô, mimimi e referências aos bons tempos em que Lyons era um importante editor na mídia tradicional.

    O livro ganha musculatura quando o jornalista esquece um pouco seu caso particular e traz estatísticas e citações que desenham o perfil da indústria.

    Mostra, por exemplo, que a expansão econômica das empresas pontocom trouxe consigo o aumento da disparidade dos ganhos.

    Em 1965, o presidente de uma empresa ganhava em média 20 vezes mais do que o salário médio dos funcionários; em 1989, essa relação chegou a 60, dobrando em 1995 e explodindo para 383 em 2000.
    Atualmente, a taxa é de cerca de 300.

    Ao mesmo tempo, a vida das empresas diminuiu. Em 1960, uma companhia listada no índice S&P 500 durava em média pouco mais de 60 anos; hoje, a vida média é de menos de 20 anos.

    Exatamente por isso as empresas precisam ser agressivas e rápidas. Quem não corre morre: das mais de 600 mil empresas criadas nos Estados Unidos em 2006, ano da fundação da HubSpot, menos de
    1.500 conseguiram atrair recursos de investidores "anjos" ou de empresas de capital de risco. Dessas, apenas 1% atingiu valor de mercado de US$ 1 bilhão ou mais –a HubSpot foi uma delas.

    Enfim, "Disrupted" quer ser mais do que veículo de vingança pessoal pontuada por humor amargo. A par de servir como desafogo para as mágoas do jornalista, aponta problemas de governança que, no dizer
    de Lyons, permeiam as jovens empresas de alta tecnologia.

    E lança dúvidas sobre a duração e a sustentabilida- de da expansão dessas companhias.

    DISRUPTED
    AUTOR Dan Lyons
    EDITORA Atlantic Books
    QUANTO R$ 34,40 na amazon.com.br (R$ 56,80; 272 págs.)
    AVALIAÇÃO regular -

    Edição impressa
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